A Inteligência Artificial (IA), embora ainda seja considerada uma ‘caixa misteriosa’ por alguns estudiosos, já tem promovido impactos em vários segmentos sociais – inclusive na educação. Pesquisas e debates em massa estão sendo feitos para descobrir como o recurso pode contribuir para o aprendizado em sala de aula, além dos riscos que apresenta, caso seja utilizado incorretamente.
É difícil ter uma definição única sobre a IA, devido às constantes atualizações e à multidisciplinaridade que ela propõe. Mas, a partir de uma conceituação básica, consiste em permitir nada menos que a simulação da inteligência humana.
Já é possível encontrá-la no dia a dia, a exemplo dos aplicativos de monitoramento do trânsito em tempo real – que ainda sugerem as melhores rotas a serem feitas – e dos robôs que atendem os clientes em sites de bancos, imobiliárias, grandes lojas de departamento, entre outros.
Outra ferramenta à base de IA e que “viralizou” em 2023 foi o ChatGPT. Criado em um laboratório norte-americano de pesquisas em inteligência artificial, ele tem a capacidade de responder a diversas questões por meio de uma conversa. Em alguns casos, consegue até solucionar problemas matemáticos e criar do zero letras de músicas similares ao estilo de um determinado artista.
No processo educacional também existem algumas aplicabilidades desses recursos tecnológicos, apesar de estarem caminhando com passos lentos na área. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a inteligência artificial pode ser relevante em duas frentes: na personalização da aprendizagem e melhoria do desempenho do aluno e em sistemas de gestão escolar. Além disso, a entidade defende que a IA também é capaz de promover uma aprendizagem colaborativa.
Professora do curso de Pedagogia e Licenciaturas do Centro de Educação, Filosofia e Teologia (CEFT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Ana Lúcia de Souza Lopes dá exemplos práticos de como esses benefícios podem ser conquistados. Segundo ela, uma das ferramentas em evidência é a robótica de telepresença, que pode ser aplicada no caso de estudantes doentes ou com limitações físicas e mentais. O objetivo é que eles mantenham a continuidade do aprendizado sem sair de casa.
Para ela, é possível investir em muitas frentes. "A partir disso, consegue levar para esse estudante um ensino mais personalizado. E, sabendo do que ele precisa, o docente pode investir em atividades e conteúdos sobre aquela lacuna no aprendizado. Isso contribui para o desempenho individual”, indica.
A especialista também sugere o uso de plataformas que ajudem os alunos — do ensino fundamental ao superior — a tirar dúvidas, especialmente quando estiverem sozinhos e querendo aprender os conteúdos de uma forma mais lúdica. Ela cita ainda o uso do ChatGPT, por exemplo, em dinâmicas de grupo, para estimular o debate e o pensamento crítico.
“Os testes mostraram que o ChatGPT se torna muito mais preciso se a pessoa souber fazer as melhores perguntas. Nesse sentido, torna-se interessante, porque o aluno não precisa decorar as informações, mas sim saber pensar. Ele precisa saber raciocinar, e a própria IA pode favorecer isso para o aluno. Se o professor começa a instigar que eles pensem em soluções complexas, em saber fazer a melhor pergunta, pode ser valioso”, avalia.
Para a professora da Mackenzie, a IA ainda propicia outros resultados educacionais positivos, como expansão dos conhecimentos para outras áreas; aperfeiçoamento em solução de problemas; dinamização do trabalho do professor; e domínio da tecnologia, algo considerado importante para o mercado de trabalho.
Com esses objetivos em mente que a Multivix incorporou, desde a região Norte até o Sul do Espírito Santo, várias ferramentas de ponta para o corpo discente e docente.
O diretor-executivo da instituição, Tadeu Penina, destaca um aplicativo que tem quase todos os serviços acadêmicos na palma da mão dos alunos. Nele, é possível acessar o ambiente de ensino on-line, as aulas virtuais, a biblioteca digital, o portal de emprego e estágio e até falar com a assistente virtual “Malu” – o chatbot da instituição — que é capaz de atender a diferentes solicitações.
“Testes estão sendo realizados para que os professores possam realizar a chamada (conferência de frequência do aluno em sala de aula) através da funcionalidade de ‘check-in na aula’ usando a tecnologia de georreferenciamento”, conta.
E a expectativa, segundo prevê o diretor, é que novos investimentos sejam feitos em conteúdos interativos e laboratórios virtuais que possibilitem ao aluno ter uma experiência diferenciada de inovação.
Na Multivix, continua Penina, a tecnologia está presente desde a chegada do aluno às unidades com a utilização da carteirinha digital até o acesso a laboratórios de ensino virtuais. "Portanto, acreditamos na tecnologia como um ativo para alunos e professores."
O diretor regional do Senac Espírito Santo, Richardson Schmittel, aponta que, embora as discussões sobre inteligência artificial estejam em alta somente nos últimos anos, os instrutores da instituição de ensino vêm aplicando diversos recursos dessa tecnologia para facilitar as atividades diárias.
“É comum ouvirmos muitas críticas em relação a esses recursos de IA, mas pouco se reflete. Avalio que, para um indivíduo adquirir um conhecimento, ele precisa de um desafio. Para isso, é preciso fazer perguntas certas à inteligência, organizar e analisar as informações que lhe são fornecidas, uma vez que a racionalidade só é alcançada por meio de experiências”, analisa Schmittel.
E ele reforça observações feitas pela educadora Ana Lúcia de que o recurso não deve ser usado para fornecer respostas prontas ao estudante, e sim para proporcionar experiências e recursos pedagógicos. “Para isso, no entanto, é fundamental a devida formação do profissional que vai instruir esses alunos”, alerta.
O Senac, por exemplo, conta com laboratórios de tecnologia e inovação e iniciativas que utilizam a IA para gerar códigos de linguagem de programação, e como suporte como suporte de produção de textos, imagens e materiais artísticos que ajudam nas atividades realizadas nos cursos ofertados pela instituição.
Com inúmeras possibilidades ainda a serem exploradas, a mestre em Educação Jane Haddad pondera que não é possível esconder as incertezas quanto a uma ferramenta que é nova e promoverá impactos significativos na educação. Para ela, será preciso muito cuidado, sobretudo com os limites éticos. A especialista acredita ainda que já não é possível ignorar a IA – e nem mesmo recomendado.
“Essa tecnologia pode encurtar muitos caminhos, mas pode também fazer muitos estragos. No contexto atual, é essencial desenvolvermos uma atitude responsável, levando em consideração não apenas a eficiência e o desempenho, como também as implicações éticas, sociais e emocionais dessas ferramentas que interagem e impactam diretamente a vida de todos nós”, destaca.
Cleonara Maria Schwartz, doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), levanta a discussão sobre os plágios que podem ser feitos com o ChatGPT. Muitos estudantes, conforme explica, já estão usando o site para produzir os textos pedidos em sala de aula, sem verdadeiramente se aprofundarem no tema.
“Virou uma das maiores preocupações dos docentes, pois esse processo não envolve nenhuma reflexão. A aprendizagem é interrompida. A máquina faz para eles, impedindo-os de se colocar de uma maneira reflexiva no que foi proposto”, ressalta.
Esse problema pode ser driblado, conforme ela defende, a partir de um trabalho mais focado em experiências reais, seja aquelas vividas dentro das escolas e das faculdades, seja fora delas.
“Não podemos abrir mão da escrita e da leitura, mas quando peço um texto, exploro alguma vivência em sala de aula, porque disso o robô não participou. Porém, se o que eu falo é repeteco do que ele lê, se tudo diz a mesma coisa, abrem-se brechas para esse ‘copia e cola’”, constata Cleonara.
Em um contexto de novos desafios educacionais, as escolas têm um papel muito importante. Afinal, são elas que conseguem guiar os alunos, debater as melhores soluções e mediar o uso da IA de forma proveitosa. Mas especialistas defendem que as instituições também precisam de uma atenção do poder público para serem parte desse processo.
João Marcelo Borges, gerente de Pesquisa e Inovação do Instituto Unibanco, aponta para a necessidade de se garantir uma infraestrutura, especialmente na rede pública de ensino, que suporte esses avanços on-line.
“As escolas precisam se preparar como nos preparamos para qualquer tecnologia: é importante garantir que haja conectividade. No Brasil, temos de falar até de energia elétrica. Ainda é assunto delicado. Os recursos, então, têm de vir antes de tudo”, observa.
Assim como o diretor do Senac-ES, João Marcelo destaca outro fator fundamental: a formação de professores que saibam dominar essas ferramentas para, posteriormente, aplicá-las em sala de aula. Na opinião dele, sem um corpo docente que conheça todos os aspectos da inteligência artificial, ou pelo menos o suficiente para saber manuseá-la, a aplicação da tecnologia poderá ser em vão.
Para João Marcelo, essa capacitação requer políticas públicas desde a formação inicial dos professores até as continuadas (mestrado e doutorado, por exemplo). “Ainda estamos muito distantes dessa realidade no país. Nossos cursos iniciais incorporam pouco a dimensão do uso das tecnologias, e as continuadas precisam ser aprimoradas nesse sentido”, frisa.
A doutora em Educação Edna Tavares destaca ainda o risco de reforçar uma desigualdade que já é tão presente nas casas brasileiras e capixabas.
A educadora pondera que políticas públicas deverão ser criadas e estabelecidas para que o acesso seja igualitário, sem discriminar e sem criar preconceito com os que podem e os que não podem ter esse acesso.
O gerente do Instituto Unibanco alerta também para as expectativas e os próprios medos depositados sobre esses avanços tecnológicos. Embora tudo ainda seja muito novo, ele avalia que não haverá mudanças tão radicais, a ponto de a educação se tornar algo muito diferente do que é atualmente. Haverá impactos, sim, mas o papel dos professores continuará sendo o mais importante de todos.
“A IA não provocará uma revolução no ensino, nem na aprendizagem. Ninguém aprenderá mais porque existe IA, e ninguém ensinará melhor só porque ela está disponível. Até porque, não aconteceu com a internet, como acreditávamos anos atrás. Após a qualificação dos professores, com o uso guiado e correto, aí, sim, pode ser mais uma ferramenta para aprimorar a educação”, aposta.
Para Richardson Schmittel, um fator que delimita esse cenário é que ainda não há softwares próprios para a pedagogia.
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