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Recomeço na maturidade: público 50+ está de volta à sala de aula

Recomeço na maturidade: público 50+ está de volta à sala de aula

Na última década, aumentou o número de brasileiros  com mais de 50 anos de idade que ingressaram em algum curso superior

Publicado em 19 de outubro de 2024 às 08:00

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A pedagoga Cida Maiar, de 61 anos, faz parte desse grupo e realizou o sonho de ter uma graduação aos 56
A pedagoga Cida Maiar, de 61 anos, realizou o sonho de ter uma graduação aos 56, quando se formou em Pedagogia na Ufes. (Divulgação)

O senso comum, por muito tempo, sustentou a ideia de que estudar é uma atividade para os mais jovens. Mas esse cenário vem mudando significativamente e, conforme dados do Ministério da Educação (MEC), vem aumentando o número de brasileiros com mais de 50 anos ingressando em algum curso de ensino superior. No Espírito Santo, não é diferente.

A pedagoga Cida Maiar, de 61 anos, faz parte desse grupo e realizou o sonho de ter uma graduação aos 56. “Cursar universidade sempre foi meu sonho. Terminei o ensino médio, porém, já casada, meu marido não aceitava que eu estudasse à noite. A partir de 2013, já divorciada, a vontade reacendeu e tive apoio e incentivo das minhas filhas que fizeram a minha inscrição para o Enem. Passei para fazer Pedagogia na Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), em 2016”, conta.

O diretor-presidente da Fucape, Valcemiro Nossa, aponta que a educação está mudando à medida que diferentes gerações se encontram nas salas de aula, com destaque para o crescente número da faixa etária 50+ voltando a estudar.

“Para esse público, o retorno significa mais que atualização profissional, é uma chance de manter a mente ativa, realizar projetos adiados e se reinventar em um mundo em constante mudança.”

Esses alunos, segundo Valcemiro, buscam cursos de Gestão, Finanças, Direito e Inovação, e carregam consigo uma rica experiência profissional. “Sua disciplina e foco resultam em bom desempenho acadêmico, com uma leve predominância de mulheres em busca de requalificação”, acrescenta.

Valcemiro Nossa, da Fucape
Valcemiro Nossa, da Fucape, destaca experiência como um dos fatores positivos desses alunos. (Divulgação)

Um movimento que, conforme observa a coordenadora do curso de Psicologia da Faesa, Caroline Bezerra, tem levado as instituições de ensino a adaptarem suas abordagens para atender melhor esse público.

Para tanto, utilizam metodologias de ensino flexíveis, suporte acadêmico e emocional personalizado e capacitação dos docentes para lidar com a diversidade etária, além de oferecerem ambientes acessíveis e programas de integração para facilitar a adaptação e promover um ambiente inclusivo.

 Caroline Bezerra, da Faesa
Caroline Bezerra, da Faesa, destaca a importância da inclusão digital desses alunos . (Divulgação)

“É muito importante, por exemplo, contar com uma equipe para auxiliar esses estudantes no processo de inclusão digital e tecnológica, por meio de oficinas, orientações individualizadas e no próprio dia a dia em sala de aula”, frisa Caroline Bezerra.

Desafios e oportunidades no retorno

Coordenadora da Universidade Aberta à Pessoa Idosa (UnAPI), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a assistente social Monique Simões Cordeiro concorda que há desafios para esse público ao encarar um curso de graduação, que variam conforme as experiências individuais, a capacidade de adaptação e o acesso às mudanças tecnológicas ao longo da vida.

Monique Simões Cordeiro, da Ufes
Monique Simões Cordeiro é coordenadora da Universidade Aberta à Pessoa Idosa (UnAPI) da Ufes. (Divulgação)

“Pesquisas indicam que cerca de 80% dessa faixa etária ainda não estão conectados ao mundo digital. Portanto, é fundamental que tanto o Estado quanto o setor privado implementem serviços de inclusão digital contínuos, voltados especificamente para essa população, promovendo um ambiente de aprendizado acessível.”

Para Fabiana Rosa Neves Smiderle, coordenadora do curso de graduação em Enfermagem da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), a volta aos estudos depois dos 50 anos tem relação com o perfil dessas pessoas, que se encontram em um momento de transição de vida, muitas já aposentadas e com os filhos mais velhos, o que permite maior flexibilidade para essa nova empreitada.

“Essa volta pode ser uma forma de realizar um sonho antigo que não foi possível concretizar, ou apenas vontade de fazer uma segunda graduação em busca de segurança financeira.”

Ela observa que, embora sejam complexos, os cursos da área de saúde também são bastante procurados por pessoas com mais de 50 anos.

Fabiana Rosa Neves Smiderle, da Emescam
Fabiana Rosa Neves Smiderle, da Emescam, conta que os cursos da área de saúde são bastante procurados por pessoas com mais de 50 anos. (Divulgação)

“O desejo de cuidar dos outros e contribuir para o bem-estar da sociedade são alguns dos fatores que vêm impulsionando essa parte da população a enfrentar cinco anos cursando, por exemplo, uma graduação de Enfermagem, profissão que, com a pandemia da Covid-19, conquistou visibilidade e oferece um leque de oportunidades de inserção no mercado de trabalho (assistência, ensino, pesquisa, gestão, política)”.

Ambiente intergeracional é positivo

A presença das diferentes gerações no ambiente institucional, segundo ela, apresenta-se de forma muito positiva em razão da diversidade, da integração e da vivência de diversas perspectivas.

“Os estudantes com mais de 50 anos possuem uma maturidade que pode servir como suporte para seus colegas mais jovens, oferecendo insights práticos sobre situações que, muitas vezes, vão além da teoria. Isso enriquece o aprendizado coletivo e ajuda a criar uma comunidade de aprendizado mais diversificada e inclusiva”, valoriza Fabiana Rosa.

Por outro lado, Valcemiro Nossa, da Fucape, observa que o movimento de volta às aulas por parte da geração X contrasta com a postura de alguns jovens, que, influenciados pelas redes sociais e pela cultura do sucesso rápido, questionam a relevância da educação formal.

“Muitos preferem caminhos alternativos, como o empreendedorismo digital ou o aprendizado autodidata. O desafio para as instituições é equilibrar o desejo de aprendizado contínuo dos mais idosos com as expectativas dos mais jovens, que optam por formas menos convencionais de desenvolvimento.”

Para a estudante Sandra Regina Cesconete, que começou sua primeira graduação aos 51 anos, o ambiente intergeracional trouxe desafios, mas também resultados positivos.

“Encontrei desafios, especialmente por estar numa sala cheia de jovens recém-saídos do ensino médio. Tive que sair da minha zona de conforto e criar uma rotina de estudos e deu certo. Agora, estou no meu último período de Psicologia na Faesa e estudo junto a minha filha, que está fazendo sua segunda graduação”, conta.

a estudante Sandra Regina Cesconete, que começou sua primeira graduação aos 51 anos
A estudante Sandra Regina Cesconete começou sua primeira graduação aos 51 anos. (Divulgação)

Apesar desses contrastes, segundo Valcemiro, o ambiente intergeracional nas salas de aula realmente cria uma troca enriquecedora, na qual a experiência dos mais velhos complementa a inovação dos jovens. “Esse movimento não só valoriza a educação continuada, mas também redefine o conceito de aprendizado ao longo da vida.”

E o mais importante, destaca Caroline Bezerra, é que o mercado de trabalho se beneficia desse retorno aos estudos dos profissionais com mais de 50 anos, aproveitando-se de suas experiências acumuladas de vida, tanto pessoal quanto profissional, o que os torna valiosos em termos de conhecimento prático, tomada de decisão e resolução de problemas.

“Além disso, podem ser valiosos como mentores naturais, transmitindo conhecimentos, habilidades interpessoais e uma visão estratégica”, conclui.

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