Nesta quinta-feira, se relembra o dia 13 de maio, que marca a data de assinatura da Lei Áurea, no ano de 1888. O documento assinado pela Princesa Dona Isabel, filha de Dom Pedro II, instituiu a abolição da escravidão no Brasil, mas esse momento histórico tem as suas complexidades e exige uma reflexão sobre o que aconteceu antes e depois.
Os livros ajudam a entender que a própria luta dos negros por liberdade é muito anterior à essa data e, na prática, mais de um século depois, muitos desafios ainda persistem. A historiadora capixaba Lavínia Cardoso ressalta, que apesar de muito importante, se trata de uma data para refletirmos e nos posicionarmos contra o projeto excludente do pós-abolição.
"Esse projeto que excluiu a comunidade negra e mais, que continua promovendo sistematicamente seu extermínio, não só pelas forças de repressão do Estado, também pela fome, pelo não acesso à justiça social, a uma política de direitos humanos que garantam o exercício de uma cidadania plena” explica a estudiosa.
A historiadora, ativista e membra do colegiado do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros NEAB/UFES, Lavínia Coutinho Cardoso. (Zélia Siqueira)
Tendo isso em vista, consultada pelo Divirta-se, a também professora e membro do colegiado do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros NEAB/UFES sugere cinco obras para que se possa entender o período da escravidão no Brasil e sua dura realidade. “A indicação que trago são de livros que apresentam uma narrativa das vozes dos escravizados e da importância da luta contra o racismo e os processos de exclusão no pós-abolição”, conta Cardoso.
No período marcado pela morte de George Floyd, trouxemos uma lista com obras para pensar o racismo. Agora, elencamos livros que podem elucidar sobre os pilares da nossa sociedade, banhada de sangue em sua história.
Em sua lista de obras, dois livros versam diretamente sobre a liberdade: “Liberdade por um fio: História dos Quilombos no Brasil” e “Visões da Liberdade: Uma História das Últimas Décadas da Escravidão na Corte”. Sobre o primeiro, a capixaba conta ser um livro importante para entender as formações dos quilombos no Brasil e seu caráter de resistência no meio urbano e rural.
Já a respeito da segunda obra, pontua: "É considerada uma percursora ao debruçar sua investigação em processos criminais e de obtenção da alforria. A partir de uma leitura minuciosa desses processos, o autor constrói narrativas de como negros e negras escravizados protagonizaram a busca por liberdade na cidade do Rio de Janeiro".
O título “Mulheres Negras no Brasil escravista e do pós-abolição”, de 2012, é outro indicado. Como afirma Cardoso, é composto de vários artigos que constroem um panorama histórico da presença da mulher negra escravizada e no pós-abolição, no que tange aos diferentes aspectos que constrói essa presença.
Outra obra que também tem como foco a mulher é “Um Defeito de Cor”, romance histórico premiado de Ana Maria Gonçalves. O livro foi construído a partir de um documento encontrado pela autora na Ilha de Itaparica, na Bahia. "Narrativa potente de uma mulher negra escravizada que viveu vários mundos e que nunca perdeu a vontade de viver e de lutar! Livro maravilhoso! Imperdível!", conta Lavínia.
E o Estado ganha espaço na lista de sugestões da ativista e militante do Movimento Negro. Cardoso indicou uma obra de sua autoria “Revolta do Queimado: Negritude, Política e Liberdade no Espírito Santo”, que narra a mais importante revolta escrava documentada no ES. "A obra consolida a ideia da Revolta do Queimado como resultado da construção de processo político motivado pela busca de emancipação e de liberdade, na forma da carta de alforria", detalha.
Para fechar a lista de obras sobre o tema, o Divirta-se apresenta “Cumbe”, que traz o assunto em forma de quadrinhos.Inclusive, a obra de Marcelo D’Salete foi ganhador do prêmio Eisner, considerado o “Oscar dos Quadrinhos”. Através de seus textos e ilustrações, ele retrata a luta dos negros contra a escravidão no Brasil.
E, por fim, está “O Crime do Cais do Valongo”, de autoria da carioca Eliana Alvez Cruz. O livro é um romance histórico-policial, ambientando em Moçambique e no Rio de Janeiro, mais especificamente no Cais do Valongo. Trata-se de uma obra importante exatamente por ter esse cais em destaque, o local foi porta de entrada de 500 mil a um milhão de escravizados, de 1811 a 1831, sendo, portanto, uma área marcada por atrocidades. Vale lembrar que o cais foi alçado a patrimônio da humanidade pela UNESCO em 2017.
Confira mais detalhes sobre as obras citadas:
LIBERDADE POR UM FIO: HISTÓRIA DOS QUILOMBOS NO BRASIL
Capa do livro "Liberdade por Um Fio". (Companhia das Letras/Reprodução)
Autores: João José Reis e Flávio dos Santos Gomes
Sinopse: Palmares é o quilombo mais conhecido, mas vários outros existiram, espalhados pelo Brasil. Os quilombos ocuparam sertões e florestas. Atacaram cidades, vilas, garimpos, engenhos e fazendas. Criaram economias próprias, muitas vezes prósperas. Envolveram-se com movimentos políticos de outros setores sociais e desenvolveram seus próprios movimentos. Aproveitaram-se de conjunturas políticas nacionais, regionais e internacionais para fazer avançar seus interesses e projetos de liberdade. É essa história de busca de liberdade, plena de ciladas, conflitos e compromissos, que os artigos deste livro vão desvendando, à medida que se debruçam sobre o panorama complexo da escravidão e da resistência negra.
Capa do livro "Um defeito de Cor". (Editora Record/Reprodução)
Autora: Ana Maria Gonçalves
Sinopse: Trata-se de um romance histórico que conta a história de uma africana idosa, cega e à beira da morte, que viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Ao longo da travessia, ela vai contando sua vida, marcada por mortes, estupros, violência e escravidão. Inserido em um contexto histórico importante na formação do povo brasileiro e narrado de uma maneira original, na qual os fatos históricos estão imersos no cotidiano e na vida dos personagens.
VISÕES DA LIBERDADE: UMA HISTÓRIA DAS ÚLTIMAS DÉCADAS DA ESCRAVIDÃO NA CORTE
Capa do livro "Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte". (Companhia das Letras/Reprodução)
Autor: Sidney Chalhoub
Sinopse: Rio de Janeiro, últimas décadas do século XIX. Adão Africano, Genuíno, Juvêncio, Bonifácio, Francelina, Maria de São Pedro - todos negros, vários escravos: estas são algumas das personagens que, outrora esquecidas em meio à documentação dos arquivos, protagonizam esta obra. Um trabalho de pesquisa minucioso permite a Sidney Chalhoub analisar os processos criminais e de obtenção de alforria em que estes negros estavam envolvidos, revelar seus desejos e interferências nas operações de compra e venda a que tinham de se submeter e, por fim, desvendar o papel que a cidade do Rio desempenhava em suas vidas. Assim, recuperando aspectos da experiência dos escravos na Corte, seus modos de pensar e atuar sobre o mundo, o autor mostra que as lutas em torno de diferentes visões de liberdade e cativeiro contribuíram para o processo que culminou com o fim da escravidão no Rio de Janeiro.
REVOLTA DO QUEIMADO: NEGRITUDE, POLÍTICA E LIBERDADE NO ESPÍRITO SANTO
Capa do livro "Revolta do Queimado: Negritude, política e liberdade no Espírito Santo". (Appris Editora/Reprodução)
Autora: Lavínia Coutinho Cardoso
Sinopse: Revolta do Queimado é resultado da construção de processo político de conquista da liberdade, em busca da carta de alforria. Mesmo na condição de cativos, no século XIX, os negros paulatinamente foram conquistando alguns espaços de liberdade, a terem, inclusive, uma hierarquia informal entre eles, com lideranças capazes de arregimentar pessoas para o trabalho e de negociar com as autoridades locais, quer fosse sacerdote da igreja católica, quer fosse seu senhor. A rede de ações que antecede ao dia 19 de março de 1849 se traduz no que denominamos sincopa libertária, na medida em que estabelece uma negociação pela liberdade, nos espaços de improviso do cotidiano, e exercita o diálogo como forma de fazer ou de promover políticas emancipatórias. A libertação em troca dos préstimos na construção de uma igreja católica e a negociação diante do impasse criado pelo pároco resultaram em uma ação violenta, por parte dos escravos, como meio de garantir a liberdade. Isso acabou por culminar na prisão e na fuga dos negros, diante da ação das forças repressoras da polícia local. Para os escravizados do Queimado, esse fato significou possuir a Carta de Alforria, ou seja, sair da condição jurídica de cativo para se tornar dono de sua liberdade, nos termos do que esta significa no séc. XIX.
MULHERES NEGRAS NO BRASIL ESCRAVISTA E DO PÓS-EMANCIPAÇÃO
Capa do livro "Mulheres Negras no Brasil escravista e do pós-abolição". (Selo Negro Edições/Reprodução)
Organizadores: Giovana Xavier, Juliana Barreto e Flavio Gomes
Sinopse: Os ensaios desta coletânea, que abrange os séculos XVIII ao XX, constituem um quadro amplo e fascinante das experiências das mulheres africanas, crioulas, cativas e forras. O título se propõem a explicar como foi a participação das mulheres cativas na sociedade escravista e nas primeiras décadas da pós-emancipação.
Sinopse: Em "Cumbe", Marcelo D’Salete retrata de um modo fora do comum a luta dos negros no Brasil colonial contra a escravidão. O livro traz histórias em quadrinhos emocionantes, protagonizadas por escravizados, mostrando a resistência contra a violência das senzalas brasileiras. Cumbe, a palavra banto que dá nome à obra, é rica em sentidos: é o Sol, o dia, a luz, o fogo e a maneira de compreender a vida e o mundo. Também é um sinônimo de quilombo.
Capa do livro "O Crime do Cais do Valongo". (Malê/Reprodução)
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Autora: Eliana Alvez Cruz
Sinopse: Um corpo amanhece em um beco, envolto em uma manta e com pequenas partes cortadas. O crime do Cais do Valongo, é um romance histórico-policial que começa em Moçambique e vem parar no Rio de Janeiro, mais exatamente no Cais do Valongo. O local foi porta de entrada de 500 mil a um milhão de escravizados de 1811 a 1831 e foi alçado a patrimônio da humanidade pela Unesco em 2017. A história acontece no início do século XIX e é contada por dois narradores: muana e nuno, que conviveram com a vítima, o comerciante Bernardo Vianna.