Estamos vivendo um momento crítico na saúde mundial, que pode nos fazer refletir sobre o fim do mundo, o futuro da humanidade e tudo o que nos cerca como sociedade. Curiosamente, na área literária, o mercado de obras tem registrado na quarentena um interesse particular do público, entre os livros de ficção, pelas chamadas distopias - obras que retratam futuros imaginários opressores e repletos de problemas.
As informações de vendas da Amazon e uma pesquisa do Publishnews demonstram uma presença em peso de livros dessa abordagem. Os dados do portal apuraram informações de 27 de abril a 3 de maio e basearam os resultados na soma simples das vendas de 18 livrarias. Já os registros da Amazon se referem a abril, maio e às atualizações de hora a hora feitas pelo site.
O autor George Orwell é um dos grandes destaques, com seu mundialmente conhecido 1984, lançado em 1949. O livro evoca uma sociedade dominada pelo Estado, onde o Grande Irmão, a personificação do poder e da crueldade, fiscaliza a todos. O escritor ficou marcado por suas referências políticas nas obras. Em A Revolução dos Bichos, por exemplo, satiriza o regime stalinista na antiga União Soviética. Este último também está entre os mais vendidos no país na área de ficção.
A obra de Albert Camus, A Peste, de 1947, ganha notoriedade ainda maior, por retratar uma epidemia. Na narrativa, a cidade de Orã, na Argélia, teve sua população dizimada por um vírus passado pelos ratos. Os medos e a necessidade de solidariedade que enfrentamos hoje são mostrados nesse clássico. Ganhador do Prêmio Nobel da Literatura em 1957, o livro é também uma metáfora dos horrores da Segunda Guerra Mundial.
O escritor e dono da editora Cousa, Saulo Ribeiro explica que, normalmente, as vendas no mercado editorial tendem a estar relacionadas ao cenário social e político. Com relação aos livros procurados, o escritor declara que o público acaba buscando por obras clássicas do assunto em voga no contexto em que estão inseridas. Quando a realidade se aproxima tanto de algo distópico, as pessoas buscam por isso, reflete Ribeiro sobre a situação atual e o crescimento na procura de livros de distopia.
Sobre o objetivo das distopias, o tradutor, escritor e pós-graduando em Letras na Ufes, Wladimir Cazé entende que são obras que retratam uma história alternativa ou um futuro possível, ou provável, de um ponto de vista pessimista e cético, para explicar questões das sociedades onde elas são escritas.
Cazé ainda destaca que a força de um grande livro vai além de um momento ou lugar específico no qual foi produzido. Tende a fazer com que o leitor vivencie nelas uma atualidade permanente, explica.
Como exemplo de obra que, ao ser lida agora, traria a sensação de que se fala propriamente do Brasil de 2020, o escritor cita o romance distópico de José Saramago, "Ensaio Sobre a Cegueira". A narrativa de 1995 fala de uma doença epidêmica e de como as pessoas lutam pela autoconservação depois de serem abandonadas por seu governo central.
O livro português também é um dos títulos mais consumidos durante a pandemia. A Companhia das Letras, que edita o livro no Brasil, postou sobre o novo significado que o livro assume durante a pandemia. "'Ensaio sobre a cegueira', do português José Saramago, ganhou um novo significado durante a pandemia de COVID-19. Publicado em 1995, o livro explora o comportamento dos habitantes de uma cidade que ficam cegos e quarentenados após serem acometidos pela 'treva branca', diz o texto publicado no Instagram da editora.
Já Nós, do autor Yevgeny Zamíatin, dá vida a um Estado totalitário onde todas as ações da população são mecanizadas e precisamente controlas. O livro de 1924 foi base inspiratória para uma sequência de distopias que marcaram época, entre elas Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451. A trama de Zamíatin e seus frutos estão entre os mais vendidos do período de isolamento social. A liga que os une é o autoritarismo incisivo dos sistemas políticos.
Para ficar por dentro de algumas das distopias que estão entre os livros mais vendidos nessa quarentena, confira a lista dos selecionados:
A PESTE
Livro "A Peste". (Reprodução/ Capa "A Peste")
Autor: Albert Camus
Ano: 1947
Sinopse: Um dos romances mais importantes do século XX, A Peste retrata as mudanças que a cidade de Orã, na Angérlia, sofreu após a disseminação de uma terrível doença. Transmitida pelos ratos, a peste passa a dizimar a população. Nesse contexto, quem narra a história é um médico que se dedica a conter a doença. Com fundo político, foi um dos livros mais lidos no período pós-Segunda Guerra. A grave propagação na cidade lembra a ocupação nazista durante o período histórico. Camus evoca em sua obra uma realidade que parece bem próxima do Brasil atual ao retratar a morte, a solidão e a solidariedade em meio à situação extrema da saúde.
FAHRENHEIT 451
Livro "Fahrenheit 451". (Reprodução/ Capa "Fahrenheit 451")
Autor: Ray Bradbury
Ano: 1953
Sinopse: A obra feita no pós-Segunda Guerra descreve um governo totalitário que proíbe qualquer leitura. As armas intelectuais, os livros, são barrados visando que o conhecimento não seja um gatilho para possíveis rebeliões. As informações são apenas acessíveis por aparelhos de TV domiciliares ou instalados em praças públicas. Dentro dessa realidade de completa opressão, o bombeiro Guy Montag, responsável por queimar livros em seu trabalho, passa a questionar sua atividade. Assim, o personagem se esforça para mudar a sociedade em que vive e ser feliz.
NÓS
Livro "Nós". (Reprodução/ Capa "Nós")
Autor: Yevgeny Zamiátin
Ano: 1924
Sinopse: A distopia do russo Yevgeny Zamiátin narra a percepção de um cientista do mundo em que vive. A sociedade em que se encontra é aparentemente perfeita, mas opressora. Nela um grupo opositor luta contra o regente superior da nação, conhecido como Benfeitor. "Nós" foi proibido em seu país de origem, até então União Soviética. Só passou a ser legal sua leitura na nação em 1988. A obra foi base para diversos outros clássicos do gênero e teve grande valor inspiratório para George Orwell, que escreveu a resenha introdutória de sua nova edição. Uma curiosidade é que a obra esteve em falta durante muitos anos, o que tornou suas versões de capa comum bastante raras e de preço alto.
1984
Livro "1984". (Reprodução/ Capa "1984")
Autor: George Orwell
Ano: 1949
Sinopse: A obra futurista distópica 1984 é um clássico moderno. Tem como tema principal a essência do totalitarismo, retratando uma sociedade completamente dominada pelo Estado. Na narrativa, toda a população é vigilada pelo Grande Irmão, uma personificação do poder opressor. A presença de um homem que desafiou uma grande ditadura e os horrores letais da história foram os ingredientes que conquistaram o público nesse livro do aclamado Orwell. Uma das obras mais comentadas no universo literário, considerada de grande valor entre as distopias.
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Livro "Admirável Mundo Novo". (Reprodução/ Capa "Admirável Mundo Novo")
Autor: Aldous Huxley
Ano: 1932
Sinopse: A realidade criada por Huxley em sua obra retrata um mundo completamente programado, onde tudo é organizado de acordo com princípios científicos. O povo é adestrado para que cumpra seu papel social. Já as artes servem de meio para estabelecer conformismo. A crítica do livro se direciona a sociedade capitalista industrial, regida pela tecnologia e a racionalidade.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
Livro "Ensaio Sobre a Cegueira". (Reprodução/ Capa "Ensaio Sobre a Cegueira")
Autor: José Saramago
Ano: 1995
Sinopse: No clássico de Saramago, uma "treva branca" vai deixando as pessoas cegas. O primeiro caso ocorre com um motorista em trânsito que se encontra subitamente sem visão. Uma quarentena é então estabelecida e a população da cidade se vê reduzida à essência humana, tendo que resgatar a afetividade para lidar com a situação estabelecida. O livro propõe uma nova visão de vida em sociedade, nos fazendo refletir sobre o nosso olhar, muitas vezes cego. Uma obra para pensarmos as nossas atitudes nessa pandemia do novo coronavírus.
O CONTO DA AIA
Livro "O Conto da Aia". (reprodução/ Capa "O conto da Aia")
Autora: Margaret Atwood
Ano: 1985
Sinopse: Esse romance distópico retrata um futuro próximo onde as universidades foram extintas, as mídias não existem mais e nem mesmo as instituições de direito tem lugar. A república fictícia de Gilead, antes Estados Unidos, é completamente totalitária e teocrática. Nela, os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos em praça pública, servindo de exemplo. Para receberem esse destino, basta expressarem sua liberdade da mais simples e inofensiva forma. As mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão cortante.
BOX FRANZ KAFKA
Box Franz Kafka. Com o trio de livros: "A Metamorfose" (1915); "O processo" (1925) e "O Castelo" (1926). (Reprodução/ Capa Box Franz Kafka)
Autor: Franz Kafka
Ano: "A Metamorfose" (1915); "O processo" (1925); "O Castelo" (1926)
Sinopse: O Box com obras de Franz Kafka reúne três livros do autor. No conjunto, está a ficção distópica "O Processo", onde o protagonista se vê envolto em um processo judicial do dia para a noite. A história retrata a burocracia e uma sociedade opressora. O clássico "A Metamorfose" também está no box, ele retrata a história de um caixeiro viajante que se torna um monstruoso inseto. Por fim, o destaque de venda reúne O Castelo ao trio. Neste último é narrada a história de um agrimensor chamado por um conde para prestar seus serviços, o personagem é considerado inferior a todos da vila onde passa a trabalhar, por ser estrangeiro. Ele tenta ter acesso ao castelo, e mais uma vez Kafka acrescenta a burocracia como um fator obscuro.
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
Livro "A Revolução dos Bichos". (Reprodução/ Capa "A Revolução dos Bichos")
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Autor: George Orwell
Ano: 1945
Sinopse: Outro clássico de George Orwell, A revolução dos Bichos se tornou mundialmente famoso após ser usado como panfleto americano contra o socialismo russo. A obra é uma alegoria satírica do regime stalinista e foi diversas vezes dispensada por editoras antes de ser publicada. Uma fábula sobre o poder onde os animais passam a comandar uma fazendo e logo seu governo passa a ser autoritário e corrupto. Um clássico moderno da ficção que retrata grandes assuntos políticos usando de um humor ácido.
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