Geladeira, congelador e freezer: três eletrodomésticos presentes na vida da grande maioria das pessoas e que ajudam na conservação de alimentos por meses e até anos. Obviamente, a facilidade que oferecem não estava disponível aos antepassados e as gerações antigas se viravam com as escassas opções que tinham em mãos para conservar a carne, por exemplo.
Em Castelo, cidade ao Sul do Espírito Santo e de forte colonização italiana, as famílias oriundas do país europeu criavam animais para consumo próprio, entre eles o porco. Do sacrifício do animal se extraía a carne, miúdos e a banha. Deles se faziam produtos como linguiças e outros embutidos, que por meses serviriam de alimentos. Conservar a carne era um desafio, visto que o produto é altamente perecível. Como o sal era caro e dificilmente chegava ao interior, a opção disponível era fritá-la e depois guardá-la na própria gordura em latas.
NO TACHO E NA PRENSA
Da fritura do toucinho e extração da banha se chegava ao torresmo. Os pedaços fritos eram ensacados, rusticamente prensados entre duas pedras e a banha ainda quente escorria para as gamelas. Por muitos anos essa era a rotina de muitas famílias, mas o cenário começou a mudar quando perceberam que, prensando o toucinho ao extremo, a quantidade de banha obtida era muito maior. Foi no período entre os anos de 1888 e 1909, quando as levas de italianos chegaram a Castelo, que surgiu o torresmo prensado. O antes subproduto, atualmente é uma iguaria muito procurada, consumida e marca de Castelo, como conta o castelense Eduardo Destefani, executivo do Instituto Panela de Barro.
10 kg
Para 1 kg de torresmo prensado, são utilizados 10 de toucinho
"Essas famílias que chegaram à região após a Abolição da Escravatura no Brasil foram se instalando em Castelo, especialmente na região do Vale do Caxixe. Ter a carne fresca era uma dificuldade, pois não havia como mantê-la própria para o consumo por muito tempo. Então se fazia a banha e dela sobrava o torresmo. Por isso que se fazia também linguiças e outras partes do animal, chamadas de 'brisola', eram doadas aos vizinhos e outros familiares para que o bicho fosse todo aproveitado", conta Eduardo.
RESGATE E TRADIÇÃO
Com o passar das décadas, as gerações foram deixando o campo e migrando para os grandes centros. A chegada da energia elétrica também contribuiu para que essa tradição familiar fosse aos poucos substituída pelas facilidades da vida moderna. Oriundo de família italiana, Eduardo e outras pessoas da cidade e região perceberam a necessidade de manter a tradição em alta. Foi por meio da produção de um documentário sobre o torremo prensado que se percebeu ainda mais a importância desse produto para Castelo e como ele está culturalmente atrelado ao município.
"Toda a região do Vale do Caxixe é formada por famílias que tinham essa tradição de matar o animal e fazer o torresmo. Então fomos fazendo esse levantamento, indo para essas pequenas comunidades para identificar quem ainda a faça para produzir o material. Queremos mostrar aos próprios como que o torresmo prensado está na história de Castelo. São cerca de 400 famílias que hoje ainda o produzem. O produto é comercializado em pelo menos 15 estabelecimentos da cidade, tem pessoas que se dedicam a confeccionar as prensas. Então há toda uma cadeia envolvida e que precisa ser reconhecida e enaltecida", destacou Eduardo.
DO QUASE TCC À MESA
Nascido e criado na região do Limoeiro, no Vale do Caxixe, e entusiasta do torresmo prensado, o chefe de cozinha Tico Tosi, de 54 anos, viu na formação acadêmica uma oportunidade de valorizar o produto símbolo da cidade natal.
"Trabalho há mais de 30 anos no ramo da construção civil, mas há poucos anos me formei em gastronomia porque cozinhar sempre foi um hábito na minha família. Em casa, meu pai era quem cozinhava e mantive esse apreço. Decidi fazer meu trabalho de conclusão de curso justamente sobre o torresmo prensado por ser algo da terra, mas não encontrava nada. A única coisa que achava era justamente um vídeo meu sobre como ele era feito. Aí, falando com algumas pessoas de fora, eles comentavam que conheceram o torresmo porque fulano de Castelo levou, ou que passou pela cidade e comprou. Acabou que fiz meu TCC sobre a cultura do café (risos), mas depois que me formei, passei a fazer ainda mais o torresmo prensado. Agora estamos nessa iniciativa para reconhecer a iguaria como um símbolo gastronômico nosso da mesma forma que é o socol para a cidade de Venda Nova do Imigrante", conta Tico.
O reconhecimento mencionado por Tico trata-se da Identidade Geográfica homologada pelo Sebrae. Este selo aferido ao produto é uma garantia para o consumidor, pois comprova que o mesmo é genuíno e possui qualidades particulares, ligadas à origem. Para que ele seja obtido, são levadas em consideração a procedência, respeito à forma de produção, relevância local e regional, controle de qualidade entre outros itens analisados.
Torresmo prensado: iguaria que há mais de um século é feita em Castelo
"Já demos o primeiro passo que foi levantar e identificar essa potencialidade. Com o documentário, esperamos mostrar ao nosso povo como o torresmo prensado é importante para Castelo, além de manter viva essa tradição. Se tudo der certo, acreditamos que até o fim de 2021 a gente consiga esse avanço no reconhecimento do nosso produto", salientou Eduardo.
PRODUÇÃO E VENDA
Fazer o torresmo demanda tempo, força, fogo e muito toucinho. Para se produzir um quilo do produto são necessários outros dez de toucinho.
"Tem que cortar o toucinho, colocar no fogo, fritar, depois joga na prensa, espreme, tira a banha para no final se chegar ao torresmo prensado. O que estamos fazendo agora é agregar ainda mais valor e sabor ao produto, então o tempero com sal, pimenta-do-reino, tempero verde e outros condimentos. Há muitas variações e formas de consumo dele. Dá para fazer farofa, risotos, comer com arroz, colocar em massas ou consumi-lo acompanhado de uma boa cachacinha ou cerveja. É bom de qualquer jeito", destaca Tico.
O torresmo prensado é facilmente encontrado nos comércios, açougues e pequenos estabelecimentos da cidade. Além disso, quem quiser fazer a própria versão também encontra prensas à venda e especiais para se espremer o toucinho. A iguaria é vendida em discos compactados de aproximadamente 500 gramas e o preço do quilo varia atualmente entre R$ 60,00 a R$ 100,00 dependendo da forma de preparo. Quem já provou garante: vale cada real pago!
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.