Assim como diversos segmentos do setor produtivo do Espírito Santo, o agronegócio enfrenta dificuldades com o agravamento da crise do coronavírus. Com as medidas para tentar conter o avanço da pandemia da doença, a rotina dos agricultores teve que mudar e, com isso, o modo com que realizam o comércio de suas mercadorias.
Ainda não há números sobre as perdas do setor por conta do avanço da Covid-19. Mas, por todo o Estado, é possível encontrar relatos sobre a diminuição dos preços de venda, o aumento no valor dos insumos e a dificuldade para transportar a mercadoria.
De acordo com o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, o Espírito Santo tem mais de 108 mil propriedades rurais. No Estado, quase 80% desses estabelecimentos são familiares. Além disso, mais de 357,2 mil pessoas têm como fonte de renda o trabalho no campo.
108 MIL
PROPRIEDADES RURAIS NO ESPÍRITO SANTO
Segundo o governo estadual, o agronegócio absorve 33% da população economicamente ativa no Espírito Santo e é responsável por 30% do PIB capixaba. Além disso, é a atividade econômica mais importante em 80% dos municípios daqui.
O secretário de Estado de Agricultura, Paulo Foletto, explica que, neste momento, o Espírito Santo não corre o risco de ficar desabastecido de produtos agrícolas. Porém, na Central de Abastecimento do Espírito Santo (Ceasa), em Cariacica, o movimento vem reduzindo drasticamente. Já caiu quase pela metade.
A situação é reflexo tanto da redução do número de pessoas nas ruas, quanto das feiras, que em algumas cidades foram proibidas, e do fechamento do comércio. “Os produtores precisam se adaptar a essa nova realidade”, afirma.
Um exemplo de como o coronavírus vem afetando a vida do campo é o de Santa Maria do Jetibá, na região Serrana do Estado. O município é o maior produtor de ovos e criador de galinhas do país. Nélio Handi, diretor-executivo das Associações dos Avicultores e dos Suinocultores do Espírito Santo (Aves e Ases), conta que, nos primeiros 23 dias do mês de março, o farelo de soja, usado como base da alimentação das aves e suínos, subiu quase 40%. Já o milho, que é outro alimento da dieta desses animais, teve alta de 18% neste mês.
Nélio Handi
diretor-executivo da Aves e da Ases
"Os custos estão se elevando para o produtor e estamos preocupados com o que vai acontecer daqui para frente. Essa preocupação aumenta, principalmente, se for mantido o sistema de quarentena e confinamento, que entendemos ser importante, porém, reflete na queda no consumo. Já o volume de frango de corte para exportação está mantido, mas o preço de venda caiu"
O presidente da Federação da Agricultura do Espírito Santo (Faes), Júlio Rocha, lembra ainda que o transporte é outro ponto fundamental para o agronegócio. “A soja e o milho, por exemplo, vêm do centro-oeste do país de caminhão. Com a suspensão de serviços e com barreiras entre Estados, essa logística fica mais complicada. Se o carro quebrar, a quem o motorista vai recorrer se as borracharias estão fechadas?”, indaga.
Representantes do setor de proteína animal afirmam que o custo de produção está aumentando e que isso deve ser repassado para o consumidor.
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Já em Venda Nova do Imigrante, produtores enfrentam dificuldades para escoar o tomate. Eles não conseguem achar transporte para atender aos clientes. Além disso, a quarentena provocou um recuo da demanda por hortifrúti, levando ao cancelamento de vários pedidos.
Segundo o secretário de Agricultura da cidade, Luis Henrique Pimenta, as agroindústrias do município estão em sua maioria fechadas para preservar a saúde dos funcionários. Além disso, com a quarentena há um fluxo baixo de turistas, o que prejudica o agroturismo. “Quem produz socol, por exemplo, está deixando o produto maturar por mais tempo. Assim, consegue manter a produção. Também estamos orientando os produtores de laticínios e outros produtos.”
Outro produto diretamente afetado pela pandemia foi o mamão. Com o cancelamento de voos, o envio de cargas para outros países teve que ser quase totalmente interrompido. De acordo com Rodrigo Pontini Martins, diretor comercial da Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Papaya (Braspex), 90% da fruta são exportados por esse modal.
O café é o principal produto do agronegócio capixaba e a preocupação com a colheita dos grãos está aumentando. A partir de abril e maio, tradicionalmente, se iniciam os trabalhos para a safra do café conilon e, em junho, do arábica. O problema é que, segundo o Ministério da Saúde, o pico de casos de coronavírus no Brasil ocorrerá entre esses meses.
400 MIL
PESSOAS TRABALHAM COM CAFÉ NO ESTADO
O secretário de Estado de Agricultura, Paulo Foletto, explica que a cultura movimenta 400 mil pessoas rotineiramente no Espírito Santo. No caso das pequenas propriedades, a mão de obra principal é da família e a dos vizinhos. Já as médias e grandes importam trabalhadores de outros Estados.
“Criamos uma cartilha nova com orientações sobre transporte, alojamento e acomodação dessas pessoas nas propriedades. Também estamos aconselhando que a colheita seja adiada em 15 dias, para ter um tempo maior fora do pico da doença”, revela.
Ainda há relatos de suspensão de abastecimento de cafés especiais para torrefadores e casas especializadas por causa da dificuldade de transportar a produção.
MEDIDAS CRIATIVAS PARA VENDER
Em meio ao cenário de redução de consumo, quem trabalha com o agronegócio teve que usar a criatividade. De aplicativo a drive-thru, não faltam alternativas para enfrentar a crise.
O agricultor Thiago Tesh, por exemplo, cuida da comercialização dos produtos orgânicos da família. Segundo ele, devido à situação atual, foi preciso realizar algumas adequações nas entregas. Agora, as embalagens não são mais retornáveis. As entregas são realizadas em sacolas de papel ou em caixas de papelão descartáveis. “Cobramos um adicional pela embalagem, mas não aumentamos os valores dos produtos”, diz.
Outra opção que a família Tesh desenvolveu é a realização de uma espécie de drive-thru. Nesse caso, o cliente pede por telefone ou aplicativo de mensagem, ele separa tudo em casa, e o cliente vai até o local para receber os produtos.
Thiago Tesh
agricultor
"Eu coloco no porta-malas e acertamos via transferência bancária ou aplicativo de pagamento, tudo isso tomando todas as medidas de higienização possíveis. Após cada entrega, é feita a esterilização das mãos com o álcool em gel antes de passar para a entrega do próximo cliente"
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Espírito Santo (Fetaes), Julio Cesar Mendel, aponta que a fruticultura e a olericultura, produtos da horta, estão sendo diretamente impactados pela crise gerada pela pandemia da Covid-19. Grande parte dessa produção era levada para ser comercializada diretamente em feiras ao ar livre e na Ceasa.
Em todo o Espírito Santo são realizadas cerca de 200 feiras livres semanalmente. Para muitos pequenos produtores esse é o único ponto de comercialização dos seus produtos. Com a restrição desse tipo de comércio, as vendas caem.
Em Linhares, os feirantes entregam os produtos vendidos nas tradicionais feiras livres na casa dos seus clientes, de graça. O serviço será realizado sempre sexta-feira e sábado. Os pedidos devem ser realizados por telefone. São três cestas, duas pré-determinadas pelos feirantes com produtos e preços fixos e a personalizada, que cada cliente monta e paga pelo peso. Para conectar os feirantes com os clientes foram desenvolvidas plataformas digitais. Uma delas é administrada pelo Sebrae. Caso tenha interesse em oferecer este serviço de entrega de produtos, basta acessar bit.ly/Sebraees.
Outra opção é o Feira Capixaba, fruto de uma união de empresas de tecnologia do Estado. Para se inscrever, basta que o feirante ou produtor rural envie uma mensagem para o WhatsApp (27) 99904-5656 ou para o e-mail [email protected] onde receberá mais informações.
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