Quando cursava o ensino médio há alguns anos, o produtor rural Joelson Wruck, de 22 anos, pensava em ingressar em uma faculdade como muitos adolescentes desta faixa etária decidem fazer. Iniciar um curso superior, porém, implicaria em deixar a propriedade da família no interior de Domingos Martins, onde cresceu em meio ao cafezal que há décadas cultivam com muita dedicação.
O cenário relatado acima expressa bem o êxodo rural observado em muitas regiões capixabas e no restante do Brasil. Para a prosperidade dos negócios da família, ele permaneceu e hoje toma a frente da agroindústria que montou na roça juntamente dos pais e também com a parceria do irmão mais velho, Juliano Adriano, de 37 anos. Juntos. eles não só cuidam da lavoura de café iniciada pelos antepassados, como a modernizaram a ponto de beneficiar por completo todos os processos que a cultura necessita.
Joelson Wruck
Cafeicultor e empreendedor
"Vi uma oportunidade de agregar valor à produção. Isso foi até uma jogada do meu pai, pois ele queria a permanência dos filhos. Inovamos e demos continuidade. Fora que trabalhamos em família, o que propicia um ambiente mais agradável"
"Nasci aqui em 1963. Casei com minha esposa, que também é daqui, tivemos nossos filhos e estamos até hoje com eles. São três filhos, mas a menina não está aqui, mora perto, ela é professora. Para mim, é um sonho realizado (ter os filhos inovando na fazenda). Muitos pais queriam e não tiveram como ter. Hoje, para um pai ter um filho na propriedade, na roça, é muito difícil. Posso dizer que tive muita sorte", conta, com orgulho, o cafeicultor Adriano Orlando Wruck, de 58 anos.
TRADIÇÃO MODERNIZADA
Na comunidade de Rio Ponte, localizada nas áreas mais elevadas do município da Região Serrana do Estado, Joelson, Juliano e os pais, Adriano Orlando e Josélia, estão há anos cultivando as variedades catuí vermelho e amarelo. Os quatro são responsáveis por transformar os grãos de arábica em xícaras provenientes de café especial e 100% orgânico. O cenário que vivenciam atualmente era algo inimaginável em um passado não tão distante.
A cata manual dos grãos maduros se mantém como antes, mas até este processo, aparentemente simples, agora ocorre com mais conhecimento e precisão. O resultado desta sucessão no campo, aliada à modernização, se traduz em uma bebida de altíssima qualidade e que conquista novos públicos a cada dia.
"Sabemos que no modelo tradicional não é fácil, é preciso inovar para buscar o diferencial na qualidade. Trazer as novas tecnologias para a roça sem sombra de dúvidas é a saída para o bem-estar da família e a continuidade da produção", atesta Joelson.
Atualmente, a família Wruck beneficia toda a produção do catuí e vende o pó de café em embalagens especiais estampadas com a marca criada e batizada com o sobrenome deles. A comercialização é feita in loco, mas também é enviada para qualquer local do país nas vendas feitas pelas redes sociais.
O produto diferenciado também é encontrado em pontos de Domingos Martins, feiras de agronegócio, que contam com o apoio de instituições voltadas ao micro e pequeno empreendedor, como o Sebrae, e também na Grande Vitória.
"Aqui começamos o processo em agregar valor ao nosso produto (café) e nós mesmo damos saída a toda produção. Estamos em um estágio onde necessitamos buscar de outras propriedades (café cru) que também trabalham da mesma forma que nós. Em breve também vamos propiciar que nosso consumidor possa não só degustar, como também aproveitar a passagem por aqui. Não é só o café, será uma experiência no campo", almeja o jovem empreendedor, que planeja, em breve, cursar Administração à distância.
NA TERRA E NA ÁGUA
Ter os filhos trabalhando e levando à frente os negócios da família não é exclusividade do casal Adriano Orlando e Josélia na região de Rio Ponte. Fora das lavouras de café, é à beira do tanque de tilápia, a sucessão oxigenada pela juventude também ocorre.
Há anos na lida com o peixe, a piscicultora Claudineia Klein Wruck, de 44 anos, viu na chegada da filha, Kariny, um incentivo a mais para prosseguir na piscicultura. Os novos conhecimentos trazidos pela jovem impulsionam a produção voltada para a obtenção de filés.
"É um incentivo, até porque o restante da família já estava aqui no interior. Nós decidimos vir também para começar um serviço e estarmos juntos, foi quando escolhemos trabalhar com a tilápia. As crianças também se sentiram estimuladas, gostaram do trabalho e estão conosco. É nosso orgulho e queremos continuar aqui", conta Claudineia.
Kariny, de 26 anos, chegou a morar na cidade, mas não se adaptou. Pesou ainda, na decisão de regressar ao campo, os anos de estudos voltados para o desenvolvimento da agricultura familiar.
"Desde o ensino fundamental, estudei na Escola Família Agrícola. E lá, com o método de alternância, tínhamos a rotina de ficar uma semana em casa e outra no colégio. Com isso aprendemos muito da agricultura, dando valor ao campo e sobre a importância de permanecermos nas propriedades junto aos pais, ajudando e incentivando. Com isso optei em ficar aqui na roça. Tive um período da minha vida em que fiquei por uns dois anos na cidade e vi as dificuldades. Voltei para continuar o trabalho com minha família", disse a piscicultora.
SOLUÇÃO ENCONTRADA
Os exemplos mostrados acima são a solução que muitas famílias encontram para seguirem no negócio, mas também preencher uma lacuna crescente e preocupante: a falta de mão de obra qualificada para produzir e modernizar o campo. Este panorama preocupa a Cooperativa de Empreendedores Rurais de Domingos Martins. Em boa parte das quase 300 propriedades associadas, a ausência de pessoas para trabalhar na roça é uma constante.
José Darli Schaefer
Presidente da Coopram
"Nós incentivamos demais os jovens das comunidades abrangidas porque é um problema real. Fazemos 'dias de campo', estimulamos com cursos, palestras e outras ferramentas onde possam buscar capacitação para agregarem na produção. É natural que o jovem busque oportunidades, mas hoje as facilidades permitem que consigam as coisas sem a necessidade de sair do campo"
José Darli Schaefer ainda aponta outra questão familiar que ocorre na região e que também se coloca como obstáculo entre os cooperados.
"A gente observa ainda que até mesmo a diminuição das famílias influencia. Antes os casais tinham 5, 6 filhos. Alguns saíam para as cidades, mas outros permaneciam. Atualmente é difícil ver mais que 2, 3 filhos, então, se estes saem, os pais ficam sem sucessores. Some a isso a ausência de gente que queira ficar na área rural e a situação se agrava. O que ameniza parcialmente é a modernização de máquinas e processos, pois diminuem a necessidade por tantas pessoas. Além disso, a internet chega em boa qualidade e velocidade na maioria das propriedades. É uma forma de também encarar o cenário", concluiu.
UNIÃO PELO MUTIRÃO
Na linha de pensamento do presidente da cooperativa, Joelson e a família, que também são cooperados, até hoje participam dos mutirões no intuito de colaborar para o desenvolvimento da comunidade e maximizar a produção.
"Sem sombra de dúvidas a questão da mão de obra é o maior problema do produtor, pois não é fácil dar conta daquilo que você estipula como meta de produção. Nesse sentido a cooperativa é de grande contribuição. Entre os associados, a gente vê que ainda acontecem esses mutirões. Para os que tentam caminhar sozinho, os processos são mais complicados", diz Joelson. Ele cita a própria situação para exemplificar como o espírito colaborativo eleva a qualidade de toda a cadeia produtiva.
Pais e filhos prosperam na união de experiência e juventude no campo
"Não vejo como uma competição. Aqui temos nossa agroindústria, nossa produção e marca próprias, mas também trabalhamos com outras cinco marcas de cafés orgânicos. Temos muito mais a ganhar do que perder com essa cooperação entre os produtores. Pode ocorrer de minha produção ser pequena e posso pegar de outro produtor", detalha.
Além de encontrar soluções para os períodos de colheita, com a atuação colaborativa os produtores conseguem negociar melhor os respectivos produtos e, consequentemente, elevam os percentuais de ganhos, o que também contribuiu positivamente para a permanência ou o retorno da gerações mais jovens ao campo.
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