Quando viajou para os Estados Unidos, em março de 2019, o produtor rural Rodrigo da Conceição Batista, de 43 anos, não imaginava que as cinco sementinhas que ganhou de um amigo mudariam a vida dele. No pequeno sítio que mantém junto com a família na localidade de Vila Cajueiro, no interior de Cariacica, ele plantou despretensiosamente as sementes. Quatro delas nasceram, se multiplicaram e atualmente os frutos viram molhos e conservas potentes da pimenta Carolina Reaper, detentora do título de mais forte do mundo no Livro dos Recordes.
Rodrigo Batista
Produtor de pimenta
"Fui passear e fazer uma visita para milha filha e, na brincadeira de um amigo, acabei descobrindo ela. Ele me deu cinco sementes para plantar. Coloquei no bolso, voltei para o Brasil e acabei me esquecendo delas, só fui lembrar depois de um mês. Plantei, nasceram quatro pés, fui produzindo outras mudas até chegar a 20 pés"
A espécie foi criada pelo americano Ed Currie, na cidade de Fort Mill, no estado da Carolina do Sul, como resultado do cruzamento da Habanero e Bhut Jolokia, que também estão entre as pimentas mais ardidas do planeta. Para se ter uma ideia da potência da pimenta produzida por Rodrigo, a malagueta, tida como ardida, amplamente consumida e base dos molhos tradicionais encontrados no mercado nacional, possui entre 50 a 100 mil pontos na Escala de Scoville (SHU), um referencial internacional de ardor.
VÍDEO: A CEIFADORA DA CAROLINA
A Carolina Reaper, na marca registrada no Guiness, alcançou incríveis 2.200 milhões de SHU - a versão chocolate pode chegar até 3 milhões de SHU (unidade de calor Scoville em tradução literal). São necessárias aproximadamente 30 malaguetas para atingir a potência da pimenta criada no estado americano que dá nome a ela.
TENTATIVA E ERRO
Quem compra o vidrinho com o molho de pimenta não faz ideia da quantidade de tentativas que o produtor rural e a família tiveram de superar até encontrar a consistência e fórmula ideais. De estouro de vasilha até queimaduras na pele, lidar com um produto tão ardido requer muitos cuidados.
"Tem que usar luva de borracha, óculos e outros equipamentos de segurança. Por lidar com ela já há bastante tempo, acabo que nem sinto muito a ardência, mas as pessoas que ficam próximas quando estou preparando os molhos saem de perto, pois é muito forte. Tem que usar até camisa de manga comprida porque, se pingar na pele, queima mesmo, dá ferida. Quando ela fermenta, produz um gás muito ardido. Antes eu conservava ela no azeite, em vidros, mas estufava a tampa e depois estourava", disse Rodrigo, que pouco conhecia da espécie até a viagem aos Estados Unidos.
Focado em atingir os objetivos traçados, Rodrigo estudou sobre a espécie, comprou cursos de referências na área e também recebeu apoio técnico do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). Mais capacitado, ele conseguiu dar um salto de qualidade na produção.
"Antes eu fazia tudo meio intuitivamente, as podas eram de qualquer jeito, mas a coisa mudou depois que tive o apoio do Incaper. Comprei um curso online de um especialista nesta espécie e aprendi a fazer as 'bombonas' (para conservar os frutos). Agora já sei as técnicas, estoco direitinho e praticamente não tenho perdas de produção", explica.
PRODUÇÃO EM FAMÍLIA
Se na roça é Rodrigo quem coloca a mão literalmente na terra e nas pimentas, em casa ele recebe a ajuda da família para processar os frutos até que eles se transformem em molhos e conservas. É bem verdade que a parte ardida da fabricação fica para ele, mas sem o incentivo da esposa, Rosanea, e do filho, Rodrigo, produzir o molho de ardência elevada seria praticamente impossível.
"Minha mulher (Rosanea) é a maior incentivadora. Ela correu atrás da nutricionista para fazermos a tabela nutricional e me ajuda nos processos de produção. Já meu filho me auxilia na rotulagem das embalagens, organiza as caixas, mas eles não botam as mãos na pimenta, não (risos)", brinca Rodrigo.
5 FATOS SOBRE A CAROLINA REAPER
- É a pimenta mais forte do mundo desde 2013 no Livro dos recordes.
- Foi criada na Carolina do Sul (EUA) e, por isso, tem esse nome.
- É cerca de 30 vezes mais forte que a malagueta.
- Foi oriunda das pimentas Habanero e a Naga Bhut Jolokia.
- A versão chocolate é ainda mais potente que a vermelha.
Nas colheitas que faz semanalmente, o agricultor precisa colher entre 120 a 150 unidades do fruto para obter um quilo da Carolina Reaper. Pouco? Não se engane. A quantidade que os atuais 400 pés produzem são transformados em centenas de garrafinhas de conservas da pimenta, batizadas com o nome da propriedade.
"O molho que hoje produzimos e vendemos é muito forte, porém é bem consumível para quem tem boa tolerância à pimenta. Deixo claro que não é para qualquer pessoa, pois arde bastante. Só que tivemos o cuidado de chegar a uma fórmula que a pessoa consiga sentir a picância característica ao mesmo tempo em que a saboreia", garante Rodrigo, que apesar de produtor, não é um apreciador. "Não como pimenta, nunca gostei. Essa função eu deixo para meu irmão. Só provava mesmo na hora de testar", brincou.
QUASE LÁ
A Mirante da Ilha já não é uma novidade em Cariacica. O perfil criado nas redes sociais deu visibilidade ao produto e despertou o interesse de consumidores e pessoas em comprar as pimentas. Rodrigo, entretanto, está muito próximo de obter todas as certificações sanitárias e necessárias para colocar o produto à venda em supermercados e outros comércios.
30x mais forte
Três dezenas de malagueta equivalem a uma Carolina Reaper
"Nós negociamos por encomendas que chegam pelo perfil e vendemos para pessoas que nos procuram aqui no sítio. Já teve uma empresa grande de temperos aqui da região que nos procurou, mas nossa ideia não é vender a pimenta in natura, queremos beneficiar e agregar valor. Por isso que estamos correndo com toda a parte burocrática para colocar nosso produto em muitos pontos de vendas. Estamos perto de conseguir isso e temos recebido apoio para logo ver nossa pimenta fora também de Cariacica", analisou.
Tendo em mente os próximos estágios, Rodrigo em breve expandirá a plantação visto a crescente demanda pela ardência da Carolina Reaper.
"Atualmente estou com cerca de 300 pés plantados em produção, mas já tenho 220 mudas prontas. Eu mesmo cuido da terra, estou expandindo a área e pretendo chegar, em breve, aos 2 mil pés plantados. Com oito meses a planta já começa a produzir. Quando a pimenta fica bem vermelha ou na cor de chocolate é o ponto certo de colher", detalha ele.
TRADIÇÃO EM PIMENTA
De acordo com o IBGE, desde 2018 o Espírito Santo é o líder nacional na produção de pimenta-do reino, quando ultrapassou o Pará. Atualmente, o Estado corresponde com aproximadamente metade de toda a produção da especiaria (114.749 toneladas) no ano passado. A cidade de São Mateus, no Norte, foi quem puxou a fila na produção (22 mil toneladas). Na sequência aparecem os municípios de Jaguaré, Vila Valério, Rio Bananal e Nova Venécia com produção de destaque.
Anualmente, o número de produtores cooperados cresce em solo capixaba. Apenas na Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel da Palha (Cooabriel), mais de 3,5 produtores comercializam o produto - o que dá uma dimensão da força cultura pimenteira no Norte e Noroeste do ES.
Carolina Reaper: vermelha ou chocolate, as versões da pimenta mais forte do mundo
Ainda que em um estágio bem inicial, o sucesso da "prima distante" da Carolina Reaper inspira Rodrigo e a família a expandirem os negócios. À espera do momento ideal, ele já sabe bem como aumentará a produção.
"Tenho uma área total aqui de 20 mil metros quadrados. Quero em um futuro próximo encher tudo isso aqui de pimenta. Minha meta é produzir bastante para fazer esse ardido chegar longe", almeja o produtor rural, que também produz geleias diversas com a pimenta, preparados de mostarda, barbecue e também linguiça suína caseira.
Para seguir avançando na produção, Rodrigo já ergueu um galpão onde montará a cozinha para processar as pimentas e também dará prosseguimento aos produtos de charcutaria.
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