As frutas consumidas por alunos das escolas públicas do Espírito Santo têm no sabor muito de um trabalho cuidadoso feito por diferentes mãos, em várias regiões do Estado. Mas, antes de chegarem aos copos das crianças como suco, garantindo uma alimentação saudável, as acerolas colhidas por Maria Elisa Martins, em Iconha, passam por um processo que liga a agricultura familiar à indústria, do Sul ao Norte do Espírito Santo, antes de entrar em 74 escolas estaduais, algumas na Grande Vitória.
São sete anos desde os primeiros 250 pés de acerola plantados em 2015, quando Maria Elisa entrou na Cooperativa de Valorização, Incentivo e Desenvolvimento Agropecuário Sustentável (Coopervidas) e recebeu o material para plantio cedido pelo Governo do Estado. A história da cooperativa, presidida atualmente pela agricultora, é ainda mais antiga: começou em 2007.
Foi num pequeno terreno no distrito de Itacuruçá, em Iconha, que a agricultora de 59 anos resolveu acatar a ideia de um conhecido: usar a área para a plantação de uma fruta comum na região, a acerola. Anos depois, Maria Elisa avalia que colabora diretamente para a formação dos estudantes.
Maria Elisa Martins da Silva
Agricultora de 59 anos
"Sinto que eu estou contribuindo para a formação das crianças com o meu trabalho na cooperativa. A gente tem um compromisso. E mostra para as crianças que aqueles produtos saem da roça"
Maria Elisa é quem lidera os mais de 60 colaboradores da cooperativa. Ela mora em Iconha, mas a sede da cooperativa fica no Vale do Orobó, em Piúma, uma cidade vizinha. Apesar do cargo ocupado, ela observa que o modelo de cooperativa não está pautado na hierarquia, mas no compartilhamento das ideias. E foram as ideias que levaram a cooperativa ao fornecimento do suco que adoça a vida dos estudantes capixabas.
As acerolas não são colhidas apenas em Piúma e Iconha, mas também em Rio Novo do Sul, Itapemirim, Vargem Alta e Anchieta. A cor vermelha das acerolas colhidas e registradas pelo fotógrafo de A Gazeta Vitor Jubini na propriedade, sugere o sabor do sucesso do negócio. A movimentação econômica gera o desenvolvimento da comunidade, que ganha em renda, empregos e investimentos tecnológicos.
BENEFICIAMENTO
Uma viagem de pouco mais de 200 quilômetros é necessária para que as frutas virem polpas, antes de adoçarem a vida dos estudantes em período escolar. O transporte de toneladas de acerolas congeladas é feito por caminhões que saem do Sul e vão até Colatina, onde está localizada a indústria responsável pelo processamento do material. Após a transformação de fruta em polpa, o material é enviado aos municípios que recebem os produtos nas escolas.
Segundo a Secretaria de Estado da Educação, são 74 escolas estaduais em nove cidades do Espírito Santo que recebem as polpas de frutas produzidas pela Coopervidas.
As polpas de frutas são entregues em escolas estaduais localizadas em:
- Anchieta
- Alfredo Chaves
- Iconha
- Guarapari
- Cariacica
- Piúma
- Serra
- Vila Velha
- Vitória
A acerola previne anemia, aumenta a imunidade, além de melhorar a flora intestinal e favorecer a saúde dos órgãos dos estudantes. A fruta é o carro-chefe da cooperativa, mas não é a única colhida nas cidades em que estão os colaboradores. Há ainda produção de abacaxi, manga, goiaba e maracujá. A produção de uma fruta está ligada à cultura do município, considerando o clima e revelo da região.
As polpas de frutas que levam o nome da Coopervidas carregam na embalagem as histórias de produtores rurais que trabalham em conjunto e que cooperam para o futuro de estudantes capixabas. Uma história que teve início em 2007, atualmente é liderada por uma mulher, com espaço consolidado na agricultura familiar do Estado.
MULHERES AINDA SÃO MINORIA
Quem lidera os colaboradores da Coopervidas atende pelo nome de Maria Elisa Martins da Silva. A capixaba nem pretendia assumir a presidência da cooperativa quando entrou na organização em 2015. Ela ocupou o cargo de conselheira fiscal antes de chegar à presidência.
"Dá muito trabalho estar à frente da cooperativa, é uma responsabilidade muito grande. Eu preciso estar sempre com as encomendas certas, tenho que dar conta de acordo com os prazos", afirma a agricultora.
De acordo com dados do Sistema OCB-ES, em 2021, as mulheres representavam 59,7% do quadro de colaboradores do cooperativismo capixaba, enquanto os homens eram 40,3%. Ou seja, a maioria das pessoas envolvidas no cooperativismo é mulher. Os números, no entanto, são muito menores quando relacionados os cargos de gerência e direção.
Em 2020 e em 2021, os Conselhos de Administração das cooperativas do ES foram compostos, predominantemente, por homens (87,3% em 2020 e 84,8% em 2021). Houve um pequeno aumento no percentual da participação de mulheres.
Nos Conselhos Fiscais, a participação de homens manteve-se predominante e teve aumento, passando de 78,1% em 2020 para 81,9% em 2021, como mostram dados do Anuário do Cooperativismo Capixaba divulgado em 2022.
Maria Elisa reclama da pequena participação das mulheres no cooperativismo.
Maria Elisa Martins da Silva
Agricultora de 59 anos
"Eu sou feliz fazendo o que faço. Mas ao mesmo tempo não sou. Sempre que vou nas reuniões, são apenas homens, eu sou a única mulher. Seria importante ter mais, mas é muito difícil conseguir mulheres para assumir. Não sei se os homens me veem diferente, mas acho que tem um pouco de preconceito"
Apesar de ocupar um cargo de destaque, a agricultora faz questão de lembrar os antigos diretores da Coopervidas: Ady Brunini, Kétyla Bayerl, Ducino Monteiro de Castro, Maria Polonin e Jane de Oliveira Almeida.
NA ESTRADA ATÉ CHEGAR AOS COLÉGIOS
As frutas são congeladas após a colheita e reunidas na sede da Coopervidas, em Piúma. A cada três toneladas colhidas, o transporte sai do Sul com destino a Colatina.
Na região Norte, as frutas têm um caminho definido: Cooperativa dos Agricultores Familiares de Colatina (Caf Colatina), que tem uma fábrica dentro do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), em Itapina. Se o ditado diz que uma mão lava a outra, é como se a Caf Colatina completasse o trabalho iniciado pela Coopervidas. A associação entre duas cooperativas resulta nas polpas prontas para serem consumida em 74 escolas de diferentes cidades.
De acordo com o gerente da Caf Colatina, Francisley Lucas Correia, a associação com a Coopervidas começou há pouco mais de um ano, quando foi identificada uma capacidade ociosa na fábrica de Colatina. A avaliação era que o potencial não estava sendo aproveitado da devida maneira. O objetivo dos colaboradores da indústria era que a demanda aumentasse, tornando a produção mais lucrativa.
Francisley Lucas Correia
Gerente da Caf Colatina
"A fábrica de polpa já existia, mas foi em 2016 que identificamos que tínhamos uma capacidade ociosa. A partir daí começamos a oferecer o nosso trabalho para outras cooperativas, aos poucos fomos conseguindo os contatos e avançando. Em Piúma, por exemplo, com a acerola"
Foi nesse cenário e com o auxílio do Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Espírito Santo (OCB-ES) que houve o encontro entre Caf Colatina e Coopervidas.
“A OCB-ES é um instrumento muito importante e tem representação para a discussão de pautas relevantes. Há um processo de muita luta e discussão das pautas, não é da noite para o dia. A legislação e a aproximação entre as cooperativas abrem caminho", afirmou à reportagem de A Gazeta.
A Caf Colatina foi criada em 2004. Francisley Lucas, formado em gestão de cooperativas, chegou ao local em 2009, quando assumiu o cargo de gerente. 13 anos depois, o colaborador nascido em Viçosa-MG elogia o avanço do cooperativismo no Espírito Santo e diz que não pretende voltar para a cidade natal.
A indústria produz, em média, 300 toneladas de polpas por ano. Uma vez por semana, sempre às quintas-feiras, um carro da empresa viaja até a Grande Vitória, onde distribui uma quantidade material. Uma parte da polpa ainda volta para o Sul do Estado, inclusive para cidades onde as frutas foram colhidas, para comercialização.
“Cada cooperativa traz o que há de melhor na cidade, dependendo do clima e da economia. Todas têm uma peculiaridade diferente e carregam uma cultura local", diz o especialista.
Perguntado sobre a contribuição dada pela cooperativa aos estudantes de escolas públicas, Francisley Lucas concorda com Maria Elisa: "Vejo que colaboro para a alimentação dos estudantes, o que é indispensável".
PADRÃO DE QUALIDADE
O fornecimento de frutas à educação pública não acontece apenas por conta da qualidade dos produtos. Desde 2009, com força de lei, ao menos 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) devem ser empregados para compra de alimentos provenientes da agricultura familiar no Espírito Santo. A Lei 11.947/2009, na esfera federal, é celebrada por quem participa do processo cooperativista.
Chamadas públicas são realizadas pelo Governo do Estado para aquisição dos alimentos, que posteriormente são servidos em escolas de Norte a Sul. Para concorrer e vencer uma licitação é preciso provar a qualidade do produto em questão.
Segundo a nutricionista da Superintendência de Cariacica, da Sedu, Mariama Carneiro, as frutas que chegam às escolas conseguem incentivar que os alunos façam boas escolhas, mudando possíveis hábitos ruins.
Mariama Carneiro
Nutricionista da Superintendência de Cariacica
"O objetivo do programa de alimentação escolar é levar alimentos saudáveis, mas também incentivar que os alunos façam boas escolhas alimentares fora do período letivo, fora da escola. Os produtos da agricultura familiar formam a base da alimentação saudável"
De acordo com a nutricionista, a forma de produção que funciona sem um atravessador ou vendedor proporciona a chegada às escolas de alimentos mais frescos e melhores.
"A qualidade nutricional desses alimentos costuma ser maior [se comparados aos da iniciativa privada]. Chegam com um tempo menor, vêm com um sabor melhor e mais frescos", detalha.
Procurada pela reportagem de A Gazeta, a Secretaria de Estado da Educação informou que o vínculo entre o governo Estado e Coopervidas é mantido desde 2019. Segundo a Sedu, a cooperativa é uma das organizações que fazem parte da aquisição dos alimentos.
De acordo com o Anuário do Cooperativismo 2022, são 119 organização no Estado em diferentes setores, como agricultura familiar, infraestrutura, saúde e transporte.
Plantação de acerola em Iconha colabora com alimentação de alunos no ES
"A oferta de gêneros da agricultura familiar representada pela Coopervidas contribui em muito com a alimentação escolar, permitindo que os estudantes tenham acesso a alimentos mais saudáveis, bem como a formação de hábitos saudáveis", detalhou a Sedu em nota.
Quem participa do processo relata satisfação ao colaborar com a formação de estudantes da rede pública, garantir alimentação saudável aos munícipes e ainda promover o desenvolvimento sustentável da comunidade.
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