Entre as várias consequências econômicas da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o impacto sobre os fertilizantes é um dos que mais preocupa o mercado brasileiro, fortemente dependente dos insumos agrícolas trazidos desses países. Isso porque o conflito, que trouxe risco de desabastecimento no mercado nacional, veio a agravar a crise que já era vista no setor nos últimos anos, diante do aumento na produção de alimentos que provocou uma escalada nos preços.
No Espírito Santo, no entanto, empresas têm apresentado alternativas ao adubo importado - sobretudo aqueles que vêm dos países envolvidos no conflito: Rússia, Ucrânia e também a Bieloorrúsia. São negócios que têm apostado em fertilizantes, minerais e insumos para produção “made in ES”. Com a alta demanda, esses negócios inclusive já fazem planos de expansão para ampliar a atuação.
É o caso da Natufert, companhia com sede em Ibatiba e criada em 2011. Focada em fertilizantes de alta performance, a empresa quer dobrar de tamanho em dois anos. Serão investidos R$ 7 milhões para ampliar a capacidade de armazenagem e entrega, que deve saltar de 20 mil toneladas por ano, produzidas no final de 2021, para 40 mil toneladas/ano em 2023.
Maurício Cota, diretor-técnico da empresa, explica que o negócio já vinha em crescimento e o investimento já estava na programação, mas a guerra entre Ucrânia e Rússia, grandes produtores de insumos agrícolas, reforçou a decisão.
“O Brasil é um grande produtor de alimentos, mas tem uma grande fragilidade: 80% do nosso fertilizante vem de fora. Somos dependentes. Isso ficou evidenciado pela guerra, que deixou claro os altos custos dos insumos. É um problema que vem de antes, pelo menos desde 2020, com a alta na produção de alimentos e também por causa da também, que trouxe problemas logísticos. E isso tudo foi agravado pela guerra”, comenta.
BUSCA POR MATERIAL ORGÂNICO CRESCE
A Natufert vende fertilizantes para produtores do Espírito Santo, Minas Gerais, e regiões do Rio de Janeiro, Bahia e Goiás. A intenção é ampliar a presença nesses mercados. O principal insumo da empresa é o material orgânico produzido pelas granjas da região serrana do Espírito Santo.
“O nosso produto é diferenciado e de alta performance porque ele não é uma simples mistura de insumos. A gente faz um processo mais longo. Pegamos o composto orgânico, fazemos a compostagem e transformamos ele em fertilizante. Então a gente precisa armazenar esse produto para passar por esse processo, por isso o investimento para dobrar a capacidade de armazenagem”, explica.
É essa produção própria do principal insumo utilizado na fabricação dos fertilizantes que tem feito a Natufert reduzir a necessidade de importação, ficando menos refém do conflito internacional.
“Vamos aumentar a capacidade reduzindo ainda mais a necessidade do insumo importado. Isso considerando que hoje mais de 50% dos nossos insumos já são nacionais, e a maior parte é capixaba, com nossa tecnologia própria. É uma vantagem competitiva”.
A empresa conta com linhas especiais de fertilizantes para o plantio, formação e produção de todas as culturas e fases. Os principais destaques são as linhas voltadas para as lavouras de café, tanto conilon e arábica, mas também há linhas para produção de hortaliças, frutas e grãos, como milho, soja e feijão, por exemplo.
O modelo adotado, inclusive, permite que os agricultores capixabas encontrem preços mais em conta. “Conseguimos assim entregar um fertilizante com alta tecnologia envolvida, alto desempenho, e um preço competitivo em relação aos convencionais”, cita Cota, que complementa:
“Além da demanda por fertilizantes ter crescido em função da alta na produção das principais commodities, a gente percebeu que nesse mercado os produtores estão cada vez mais buscando por produtos diferenciados, com mais tecnologia, com mais rendimento, porque isso traz aumento de produtividade na plantação atual e ajuda também nos próximos plantios. É nisso que apostamos”.
Tudo isso, segundo o executivo, aliado com a natureza. “A gente reproduz o sistema de nutrição criado pela natureza. É uma forma de garantir a produtividade e fazendo com respeito ao meio ambiente”, comenta o diretor-técnico da Natufert.
INDÚSTRIA EM VIANA JÁ PENSA EM EXPANSÃO
Em meio a crise global do setor, outra empresa com forte presença no Espírito Santo tem se destacado e mostrado crescimento: a Fertilizantes Heringer, que tem unidade em Viana. Recentemente adquirida pela multinacional suíça Eurochem, a empresa conseguiu encerrar, no início de 2022, o processo de recuperação judicial.
O gerente comercial da unidade de Viana, Leonardo Torres, destaca que a empresa tem notado um constante aumento na demanda. Ele explica que o agronegócio capixaba cresce anualmente entre 5% e 8%, o que faz o consumo de fertilizantes ser crescente.
“Outro fator é que os produtores têm buscado produtos especiais para aumentar a qualidade da produção, como por exemplo fertilizantes sem cloro na formulação. Os agricultores estão buscando plantios mais produtivos e também diferenciados, o que demanda maior consumo de adubo por hectare”, comenta.
Diante desse cenário, a empresa já traça planos de aumentar sua participação no mercado capixaba, reduzindo também o nível de ociosidade da planta de Viana, que foi elevado na recuperação judicial.
“Temos um projeto de crescer e aumentar nosso share no Espírito Santo. Temos uma capacidade fabril grande e vamos focar em produtos especiais que tragam melhor desempenho ao produtor rural, o que consequentemente também trará maior valor agregado para a companhia”, diz Torres.
A Heringer conta uma ampla carteira de produtos, composta por diversas formulações de fertilizantes químicos que atendem a todas as culturas. Os carros-chefe são os chamados NPK, abreviação para nitrogênio, fósforo e potássio. As fórmulas são resultantes da mistura industrial de fertilizantes de acordo com especificações definidas pelos consumidores.
A produção consiste na mistura de macro e micro nutrientes e aditivos, de acordo com a formulação indicada a cada tipo de cultura e necessidade do solo.
A empresa conta ainda com uma linha de fertilizantes especiais, com vantagens agronômicas superiores, que são especialmente desenvolvidos para cada cultura agrícola buscando produtividades mais elevadas.
“A gente tem uma série de tecnologias para aplicar nesses fertilizantes, como para incluir nutrientes por exemplo. Somos a única empresa do setor no Estado que atua com todas as matérias-primas, atendendo assim a qualquer demanda do agricultor", afirma.
Torres explica que apesar do momento delicado vivido pelo setor de fertilizantes, a Heringer tem mantido suas entregas uma vez que não é dependente somente do mercado russo.
“Tem empresas do setor muito mais dependentes que nós, que importamos de fornecedores do mundo inteiro. A gente acaba sendo afetado por causa dos preços, mas não temos tido dificuldade de abastecimento”.
RESÍDUOS DA PRODUÇÃO DE AÇO COMO FERTILIZANTES
Enquanto a guerra entre Rússia e Ucrânia escancarou a dificuldade brasileira em obter insumos para a produção de fertilizantes, uma iniciativa de reaproveitamento de matérias-primas de um setor tradicional da indústria capixaba pode reduzir ainda mais a dependência do Espírito Santo do adubo importado.
Após vários estudos e pesquisas em parcerias com universidades, a ArcelorMittal Tubarão deve iniciar, até 2023, o destinamento de resíduos do processo de fabricação do aço para a produção de fertilizantes. São sobras de matérias-primas ricas em minerais que ajudam nas lavouras, estando presente na composição da maioria dos adubos vendidos.
A novidade deverá impulsionar ainda mais a produção de fertilizantes no Espírito Santo, uma vez que a multinacional pretende fazer parcerias com empresas do segmento para fornecer o material que será reaproveitado.
Leila Kauffmann, gerente de Coprodutos da ArcelorMittal Tubarão, explica que no processo de transformação das matérias-primas para a produção do aço, há um grande excedente, chamado pela empresa de coprodutos, que podem ser utilizados em outras cadeias e processos, como é o caso da agricultura.
Ela explica que os parceiros almejados também são empresas comprometidas com ciclos sustentáveis e economia circular. As conversas com potenciais compradores dos subprodutos agrícolas já foram iniciadas.
“Muitos dos materiais que a gente trabalha são básicos, a base de calcário, que contribui para corrigir a acidez do solo. E eles trazem também alguns micro e macronutrientes para a terra que são muito necessários, como enxofre, fósforo e potássio. São alguns nutrientes que estão presentes em alguns dos coprodutos”, explica.
De acordo com Ricardo Moreira, especialista de Coprodutos da ArcelorMittal Tubarão, há um grande potencial para o negócio, uma vez que para cada tonelada de aço produzida são gerados 600 quilos de resíduos excedentes.
A planta de Tubarão da ArcelorMittal já conta com uma área dedicada a esses produtos secundários, sendo que a maior parte deles já é reaproveitada em indústrias de cimento e siderúrgicas, além de serem usados também no processo de revestimento de estradas, inclusive através de doação da empresa para projetos de recuperação de vias do governo estadual e de prefeituras.
A expectativa inicial da multinacional é fornecer cerca de 50 mil toneladas por ano de coprodutos do aço para a cadeia do agronegócio. Esse volume pode chegar a 200 mil toneladas/ano a depender de fomentos e parcerias que venham a ser fechadas.
“Essa sinergia do uso dos coprodutos do aço no setor agrícola já é mundialmente praticada. Nosso material entra como insumo de fonte de nutrientes para o nosso parceiro comercial, através desse nosso material secundário, fazer o produto final”, explica Moreira.
Para conseguir atuar como fornecedora de insumo agrícola, a ArcelorMittal aguarda agora um parecer e anuência de órgãos ambientais, para então pedir autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que precisa reconhecer o produto como matéria-prima.
A expectativa é que esses trâmites sejam superados ainda em 2022. A empresa destacou que, no momento, tem focado os investimentos em pesquisa. Os valores, no entanto, não foram divulgados.
AGRO CAPIXABA
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