A água do curral é reutilizada para irrigar o plantio. A energia usada em casa vem de painéis solares. Já a nascente foi cercada e reflorestada e a água aumentou. Iniciativas assim fortalecem não apenas a preservação ambiental, mas também contribuem para o desenvolvimento social e econômico de todo o entorno das propriedades rurais do Espírito Santo.
Entre as árvores e o frio das montanhas da região de Pedra Azul, em Domingos Martins, a família de Sayonara Dias Saleme, 43 anos, produz leite e gerencia uma pousada há 35 anos. Com a crise hídrica e os longos períodos de estiagem, recuperar e proteger as nascentes virou prioridade para os donos da propriedade que tem uma área de 20 alqueires. Há cinco anos, começaram a cercar e recuperar todo o entorno de sete nascentes. Com a preservação veio a surpresa: outras três fontes de água surgiram.
“Hoje vemos uma diferença enorme, não apenas na nossa propriedade, mas também nos nossos vizinhos. Eles viram que mesmo em período de estiagem nunca faltou água para nós e seguiram nosso exemplo começando a preservar o que tinham”, lembra.
A família de Sayonara é associada à Cooperativa Agropecuária Centro-Serrana (Coopeavi), que desenvolve o “Projeto Natureza Nossa”. Nos últimos cinco anos foram plantadas duas mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica nas fazendas dos associados. Outras atividades desenvolvidas são a coleta de óleo usado para transformar em sabão. O produto é doado às instituições sociais de Santa Maria de Jetibá. O programa também incentiva a reciclagem do lixo e o uso de biodigestores, que produzem gás a partir de matéria orgânica como o esterco.
NA PECUÁRIA
Na localidade de Córrego da Providência, em Muniz Freire, no Caparaó Capixaba, o pecuarista Abel César Guimarães, 43 anos, criou um método para reutilizar a água da pecuária na irrigação. Todas as vezes que lava o curral, onde 15 cabeças de gado ficam, a água que escorre é armazenada em um reservatório com capacidade de 20 mil litros. Quando a bomba desse depósito é acionada, ela mistura o conteúdo (água e esterco) e aciona os irrigadores do pasto próximo ao curral.
Abel César Guimarães
associado da Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé)
"Além de não atrapalhar o meio ambiente com a água do curral, também nutro o capim plantado. Isso me gera economia com adubo e um pasto mais verde"
ENERGIA LIMPA
Outro exemplo de sustentabilidade ambiental está sendo desenvolvido no Norte do Estado. Desde o final do ano passado, uma parceria entre cooperativas aproximou o campo do uso de uma fonte alternativa de geração de energia: os painéis fotovoltaicos. Em Ibiraçu, na Região Noroeste do Estado, o Sicoob instalou o maior complexo de energia compartilhada do Brasil no telhado do Complexo Logístico da Coopeavi, projeto que atende a mais de 70 produtores associados às cooperativas.
Com o uso dessa fonte de energia, a estimativa é que a conta de luz no fim do mês reduza entre 15% e 80%. Segundo o vice-presidente do Sicoob Espírito Santo, Arno Kerckhoff, outros complexos fotovoltaicos devem sair do papel em breve. “Eles vão atender São Gabriel da Palha e Cachoeiro de Itapemirim, em parceria com cooperativas. Nós queremos que cada uma das sete regiões do Estado tenha uma usina de geração de energia compartilhada”, explica.
COMÉRCIO JUSTO: CAPIXABAS COM CERTIFICAÇÃO INTERNACIONAL
Realizar o comércio sustentável vem fazendo com que produtores tenham uma vantagem competitiva no mercado internacional. Por isso, os agricultores capixabas estão buscando cada vez mais pelo chamado “Fair Trade”, o selo do comércio justo.
Na localidade de Morgado, em Muqui, o agricultor Luiz Cláudio de Souza, 63, produz café conilon há 14 anos e tem essa certificação internacional. O registro foi conseguido em 2018 pela Cooperativa dos Cafeicultores do Sul do Espírito Santo (Cafesul) da qual ele faz parte. Além dele, outros 164 produtores de café espalhados por sete municípios do Sul do Estado têm a certificação.
“Quem compra o nosso grão sabe que ele foi produzido de forma sustentável. Nós cuidamos da natureza e também das comunidades que estão ao redor da nossa propriedade”, comenta Luiz Claudio.
EXIGÊNCIAS
Para conseguir esse título, os cooperados precisaram atender a três requisitos fundamentais em termos de sustentabilidade para o negócio: ser ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Renato Theodoro, presidente da Cafésul, conta que na parte ambiental, nascentes foram cercadas e foi iniciado um trabalho de proteção ao solo.
“Já na social, incentivamos a diversidade no campo. Criamos um pó de café produzido só por mulheres e um concurso de qualidade de café exclusivo para elas. Queremos que o nosso cooperado cresça, mas que isso ocorra junto com a comunidade ao seu entorno. E na econômica está a melhora de preços para os produtores”, comenta.
Outro exemplo de produção “Fair Trade” é realizada pela Associação Capixaba dos Produtores de Cafés Especiais Sustentáveis (Aprocem), criada dentro da Coopeavi. Segundo Marcela Takiguti, responsável pelo Instituto Coopeavi, cerca de 50 associados têm a certificação conquistada neste ano.
Marcela Takiguti
responsável pelo Instituto Coopeavi
"O mercado internacional vê com bons olhos os produtos que fazem parte do comércio justo. Mas, para isso, ela cobra padrões de sustentabilidade elevados na parte ambiental, trabalhista e social"
CRESCIMENTO COMUNITÁRIO COM BENEFÍCIO
Segundo o diretor-técnico do Incaper, Nilson Araujo Barbosa, a importância maior da sustentabilidade é possibilitar que todos os envolvidos no processo se beneficiem com uma atividade econômica. “O produtor não cresce sozinho, ele tem toda uma vizinhança que se desenvolve a sua volta e isso tem que ocorrer sem destruir os recursos naturais”, aponta.
Lucilio Rogério Aparecido Alves, professor do departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq/USP, complementa que a expansão do mercado de produtos sustentáveis vai contribuir para o desenvolvimento rural.
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