Cidade mais antiga do Espírito Santo, ponto de chegada dos portugueses para a colonização, Vila Velha completa neste domingo (23) 486 anos. Com marcos que ajudam a contar a sua história, o município também aponta para o futuro, se desenvolvendo em várias direções. Aqui, em um breve passeio por seus recantos, conheça como nasceu e cresceu a cidade dos canelas-verdes.
O DESEMBARQUE
O donatário Vasco Fernandes Coutinho desembarcou na região hoje conhecida como Prainha, em 1535. Ele havia recebido da Coroa Portuguesa o território do futuro Estado como capitania para ocupação.
O poeta e historiador Fernando Achiamé conta que não há registro do dia de chegada, mas foi convencionada no século XIX, como tudo indica, a data de 23 de maio - ainda no calendário juliano, com diferença de 13 dias para o usado atualmente - que, naquele ano, celebrava o dia do Divino Espírito Santo.
“Historiadores nos últimos tempos asseguram que na terra de Vasco Fernandes Coutinho, em Portugal, o culto ao Divino Espírito Santo com festas, capelas e igrejas já era muito forte naquela época e o nome pode ter sido dado à capitania por causa disso, e não pela data da chegada dos portugueses à nova capitania. De qualquer modo, o 23 de maio de 1535 foi consagrado e marca, portanto, o começo da Colonização do Solo Espírito-Santense”, descreve.
Naquele mesmo ano, deu-se início à construção da igreja do Rosário. A obra era uma estratégia comum à época: erguia-se um marco religioso para estabelecer o domínio dos colonizadores sobre as terras. Originalmente, era uma capela dedicada a São João (o rei de Portugal era Dom João III). Somente um tempo depois foi consagrada à Nossa Senhora, e ficou pronta no século XVIII.
A ocupação do município se deu a partir da Prainha, com construções de casas e casebres em volta da igreja, e, segundo aponta Achiamé, Vasco Coutinho também se apropriou do que hoje é o bairro Praia da Costa. No século XVI, chamava-se Fazenda da Costa e áreas foram partilhadas pela família do donatário.
CRESCIMENTO LENTO
Vila Velha foi sede da capitania do Espírito Santo até 1549, quando a capital foi transferida para Vitória por uma estratégia de defesa. Um dos impactos da mudança foi o crescimento lento do município mais antigo do Estado.
Patrimônio de todo o Estado, o Convento da Penha serviu para dar um impulso ao desenvolvimento de Vila Velha. A construção da capela de São Francisco no campinho teve início em 1562. Apenas oito anos depois, ocorreu a primeira Festa da Penha. O aspecto religioso estimulava romarias, atraindo fiéis para a cidade.
Fernando Achiamé
Poeta e historiador
"O convento foi edificado aos poucos, com o uso intenso da mão de obra de escravizados – primeiro dos índios e depois dos africanos – e somente assumiu a feição atual no século XIX"
Também contribuiu para o progresso do município a instalação da Fortaleza de São Francisco Xavier da Barra. Edificação concluída em 1702, tinha o objetivo de proteger a baía de Vitória. Mas, como explica o historiador, a presença em diversos períodos de grupamentos militares ocupando suas instalações e os terrenos ao lado, e ainda interagindo com a população local, colaborou com a expansão gradativa na ocupação de Vila Velha.
DOS TEMPOS DO IMPÉRIO À REPÚBLICA
Ainda com remanescentes da atividade econômica até a atualidade, a pesca era um dos principais recursos de subsistência dos moradores de Vila Velha no período imperial, assim como a produção de farinha de mandioca. Às mulheres cabiam os afazeres domésticos e a produção de rendas de bilro.
Também no Império, foi construído um dos símbolos culturais e históricos da cidade: o Farol de Santa Luzia, que vai fazer 150 anos em setembro. A estrutura foi instalada em 1871 na barra da baía para garantir a proteção do território e orientar os navegantes.
Com a Proclamação da República, em 1889, as mudanças na organização política se refletiram no desenvolvimento, como a implantação da Câmara Municipal da Cidade do Espírito Santo, mas, conforme observa Achiamé, logo a aglomeração urbana registrou um período de decadência. Entre os anos de 1930 e 1940, Vila Velha passou a ser distrito de Vitória. Somente em 1947 o município retomou sua autonomia.
DESENVOLVIMENTO
O professor André Malverdes, do Departamento de Arquivologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), lembra que, até o início do século XX, o Espírito Santo todo tinha cerca de 200 mil habitantes.
Mas o Estado foi marcado por grandes ciclos econômicos no período, que impactaram também Vila Velha. Em 1895, foi inaugurado o primeiro trecho da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, ligando o bairro de Argolas a Viana.
“Cerca de dez anos depois, a companhia inglesa Leopoldina Railway comprou essa ferrovia estadual que dava suporte às movimentações do ciclo cafeeiro e, ainda, favoreceu o desenvolvimento da porção norte da cidade. Somente na década de 1930 a primitiva estação, construída em madeira, foi substituída pela estrutura atual de concreto armado em estilo art decô, que estava abandonada e agora passa por restauração”, revela Fernando Achiamé.
O historiador acrescenta que, em 1903, também em Argolas, teve início a operação da Ferrovia Vitória a Minas, com estação inicial denominada São Carlos, depois Pedro Nolasco – atual Museu Vale.
No ciclo industrial, um grande marco foi a implantação da Fábrica de Balas Garoto, que ocupava um galpão perto da Prainha, em agosto de 1929. Após ser transformada em fábrica de chocolates, foi transferida para o bairro da Glória, que anos mais tarde viu nascer o Polo de Confecções - um dos mais importantes do setor têxtil do Estado.
Doutor em Geografia e diretor de integração do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), Pablo Lira destaca que Vila Velha tem vocação portuária e, desde o ciclo cafeeiro, passando pela industrialização até agora, numa fase de maior diversificação da economia capixaba, mostra-se relevante nesse segmento.
Pablo Lira observa que o município também apresenta uma forte aptidão para o turismo, seja religioso, de negócios, seja de lazer, assim como tem importante representação em esportes e cultura. A Barra do Jucu é um exemplo, revelando-se um reduto de prática de surfe, bodyboard e, ainda, de manifestações de grupos de congo.
EIXOS DE CRESCIMENTO
A construção das pontes ligando Vila Velha a Vitória impulsionou, cada uma a seu tempo, o desenvolvimento do município canela-verde. A Florentino Avidos, em 1928; a Segunda Ponte, em 1979; e a Terceira Ponte, em 1989. Esta, por exemplo, teve uma importante contribuição na expansão imobiliária, da Praia da Costa à Praia de Itaparica.
“O vetor do crescimento principal é a Terceira Ponte, que estimula a verticalização muito forte nos bairros da porção leste do município, que se desenvolveu de maneira muto rápida”, constata Pablo Lira.
Ele aponta ainda que, a partir da década de 1990, o município se consolida em atividades do setor secundário, com implantação de portos secos (áreas de retroportos), sobretudo na Avenida Carlos Lindenberg e na Rodovia Darly Santos.
A duplicação da Rodovia do Sol leva o município a crescer na direção Sul, para onde ainda há grande potencial de expansão. O setor imobiliário tem feito muitos investimentos.
Pablo Lira
Doutor em Geografia e diretor de Integração do Instituto Jones dos Santos Neves
"Vila Velha é um dos municípios mais dinâmicos do ponto de vista imobiliário. A pauta da vez desse mercado, com vetor de crescimento para o Sul, são os condomínios fechados horizontais"
Pablo Lira pontua que a Rodovia Leste-Oeste, importante ligação com Cariacica, também impulsiona o desenvolvimento dos bairros no entorno.
CURIOSIDADES
Algumas curiosidades também fazem parte da história de Vila Velha. É no município que está implantado o Instituto de Bem-Estar Social (Ibes), o primeiro conjunto habitacional planejado do Espírito Santo, e um dos primeiros do país, e foi erguido na década de 1950 para atender às classes populares.
Outra história curiosa está relacionada a Coqueiral de Itaparica e quem resgata essa lembrança é Fernando Achiamé. Ele diz que o bairro era uma grande área em que um golpista fez negócio: ele enterrou toneis com óleo diesel, alegando se tratar de petróleo. Os investidores compraram os terrenos dele por um bom preço, mas ao perceberem que tinham sido enganados, resolveram apostar na plantação de coqueiros, que também não deu certo. Por fim, seguiram para a área imobiliária.
Também chama a atenção o fato de a denominação dada a quem nasce em Vila Velha não ter uma origem precisa. Há três hipóteses, com variação dos personagens – indígenas, portugueses e recrutas. A primeira delas aponta a motivação do nome canela-verde para as algas que havia na Prainha e deixavam as pernas de índios e colonizadores tomadas pela cor verde, na época da capitania. Outra história, lembra Fernando Achiamé, se refere aos calções e meias de cor verde que eram vestidos pelos portugueses que andaram ou lutaram na região.
“A terceira versão aponta para uma espécie de gozação praticada por pescadores e moradores locais para implicarem com jovens recrutas do Exército vindos de fora e que marchavam ou andavam pela cidade vestidos com as calças verdes do uniforme. Diferente das outras duas versões, que em tese poderiam ocorrer em outros locais do Espírito Santo, essa última hipótese de criação do nome canela-verde somente tinha condições de acontecer em Vila Velha, que desde o início do século XX abrigou com exclusividade em território capixaba uma unidade militar implantada em Piratininga, origem do atual 38º Batalhão de Infantaria”, completa o historiador.
NOVO MOMENTO
Vila Velha, com estimativa de 501 mil habitantes e o segundo município mais populoso do Estado conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já foi considerada cidade-dormitório, ou seja, boa parte de seus moradores a deixava para estudar e trabalhar em outros municípios, especialmente em Vitória.
Pablo Lira sustenta que a mudança começou a se delinear há 20 anos e se consolidou na última década, com o crescimento e diversificação de setores, como o imobiliário, de saúde e educação.
Para dar a dimensão do novo momento de Vila Velha, o diretor do IJSN cita como exemplo a clientela de apenas uma universidade do município, que reúne 14 mil estudantes - quantidade superior ao número de habitantes de 28 cidades capixabas.
“O potencial do município é muito diversificado. Dos anos 2000 para cá, teve maior concentração de shoppings, grandes geradores de tráfego, de emprego e renda. Há diversos serviços especializados, como em saúde e educação. É um município com dinâmica própria, com margem para crescimento, que hoje atrai trabalhadores de outros municípios. Definitivamente, não pode mais ser chamada de cidade-dormitório”, finaliza Pablo Lira.
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