Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Crédito: Feu Arquitetura 

A história do arquiteto capixaba e flamenguista que projetou o CT do Flamengo

Em entrevista para A Gazeta, Alexandre Feu contou como foi projetar o espaço onde os jogadores do Flamengo treinam e que virou uma referência no país, e deu detalhes da amizade com Paulo Mendes da Rocha, autor do Cais das Artes, em Vitória

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Vitória
Publicado em 06/07/2023 às 06h45

A proximidade do Espírito Santo com o Rio de Janeiro pode ser contada a partir da divisa entre os dois Estados e também pelo futebol, com times cariocas, como o Flamengo, na preferência dos capixabas. E há outra curiosidade que estreita ainda mais essa relação: o centro de treinamento rubro-negro, referência nacional no segmento esportivo, foi projetado por um arquiteto capixaba e flamenguista.

Nascido em Vitória, Alexandre Feu, de 65 anos, contou, em entrevista para A Gazeta, os bastidores de como foi projetar o Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu – inaugurado em 2018, no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro – e por qual razão não aceitou fazer projeto semelhante para o Vasco.

Na conversa, o arquiteto ainda fala da amizade com o também capixaba Paulo Mendes da Rocha (1928-2021), a quem chama carinhosamente de Paulinho, e curiosidades da época em que o Cais das Artes, na Enseada do Suá, começou a ser pensado e Feu foi, concomitantemente, convidado para a reformulação da Prainha, em Vila Velha, no lado oposto ao Cais.

A Gazeta: como surgiu essa proposta de fazer um projeto tão importante como o CT do Flamengo, hoje reconhecido por todo o futebol do Brasil como um espaço de ponta para os atletas?

Alexandre Feu: a gente tem um escritório de arquitetura bastante representativo, não só no Rio, mas no Brasil afora. Nós somos 38 arquitetos. É um escritório considerado de médio para grande porte no país. Fomos convidados pelo Flamengo para fazer um projeto. Nesse momento, eles tinham recém-inaugurado um CT para o profissional. E eles me chamaram, na verdade, para fazer o CT da base. Fui fazer uma visita, convidado pelo então diretor de imobiliário do Flamengo, Alexandre Wrobel, e um engenheiro, que vieram aqui ao nosso escritório, conversaram comigo e eu fui fazer uma visita ao CT recém-inaugurado.

Como era esse local que o Flamengo havia inaugurado?

Quando eu cheguei e vi o CT profissional recém-inaugurado, eu fiquei surpreso, achei que estava muito aquém do que era o Flamengo. E aí eu fui entender que era um projeto muito antigo desenhado pelo Flamengo e tinha ficado parado. Mas eu fiquei na minha, só ouvi o que tinham para falar e falei que precisava entender um pouco mais de CT. Tinha o médico do Flamengo, o Márcio Tannure. Fomos eu, ele e o Alexandre Wrobel à Inglaterra. Foi uma viagem curtíssima e eu visitei o CT do Chelsea, o do Manchester United e o da seleção inglesa. Eu voltei e, sem explicar nada para eles, projetei então o CT do profissional.

Qual o diferencial dos CTs desses times no exterior?

Quando estive na Inglaterra, vi os CTs e tive a oportunidade de estar com os diretores deles. Eu estava interessado, não no que eu via de bom, eu estava interessado em saber o que não funcionava. E uma das coisas que mais me chamou a atenção foi que os atletas que estavam em recuperação não tinham contato nenhum com os atletas em atividade, fazendo atividade física. Então, quando voltei para cá, projetei uma área de treinamento físico com o pé direito duplo, que é uma área muito vistosa no CT do Flamengo. A fisioterapia dá para essa área e é toda envidraçada, assim como a hidroterapia.

Arquiteto capixaba Alexandre Feu projetou o centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro. Crédito: Feu Arquitetura
Arquiteto capixaba Alexandre Feu projetou o centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro. Crédito: Feu Arquitetura

Alexandre Feu: consegui juntar os atletas em fisioterapia com os que estavam fazendo hidroterapia e treinamento físico, de uma maneira corriqueira, todos eles no mesmo ambiente, cada um na sua atividade. Isso é uma coisa que chama muita atenção quando você vai no CT do Flamengo. E mais: toda essa área de treinamento está toda envidraçada para o campo um, que está na frente e é o principal do treinamento deles.

No segundo pavimento está toda a área de staff e a sala do técnico, também de frente para esse campo um, e uma ponte que você atravessa por cima dessa área de treinamento e tem uma pequena sacadinha para olhar os jogadores. Uma outra questão também é a parte de imprensa, que entra por uma entrada independente e tem lá uma sala onde os jornalistas podem trabalhar, tem bancadas para eles colocarem os computadores. Podem colocar os equipamentos em um pontinho que dá para ver o campo.

CT do Flamengo
Projeto mostra fachada envidraçada do CT do Flamengo voltada para o campo onde os atletas treinam. Crédito: Feu Arquitetura

Os jornalistas têm esse conforto para trabalhar, mas o trabalho dos jogadores também fica reservado?

Os jornalistas entram no CT sem, na verdade, ter acesso a nada disso que eu fazia anteriormente. Eles não veem nada dos jogadores a não ser o pedacinho do campo, quando é permitido. Você pode ir para lá e tem a sala de imprensa colada a essa sala do jornalista. Quando você vê no jornal todas aquelas entrevistas coletivas, o técnico, a apresentação de jogadores, esse auditório está colado onde estão os jornalistas, que tem todo o conforto lá, todas as bancadas e dentro da sala de imprensa tem toda uma infraestrutura para que os jornalistas possam ligar todos os equipamentos, cada um com o seu.

Em cima dessa sala dos jornalistas, que também têm acesso independente, você tem a sala do patrocinador, que é uma sala em que ele pode convidar pessoas para assistir o treino sem também entrar no CT. Entra, sobe e tem uma varanda no nível superior e os convidados do patrocinador podem assistir o treino do Flamengo, os jornalistas também podem subir nessa varanda quando é permitido.

Na hora da saída do campo tem as salazinhas de materiais, onde eles botam a chuteira e coisas assim, e na volta eles tiram a chuteira, tem uma área para lavagem da chuteira e do material, e também a gente fez uma bancada para eles assinarem as camisas, darem autógrafos. Isso é uma coisa que os patrocinadores pedem e eles pegam os atletas exatamente quando acaba o treino.

Por último, tem a parte de hospedagem, que é bem bacana. Os corredores são com quatro metros de largura, super iluminados, têm iluminação zenital (técnica utilizada para permitir que a luz natural penetre nos ambientes). Cada atleta tem o apartamento dele individual e acesso independente.

CT do Flamengo
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Crédito: Feu Arquitetura

Privacidade total, né?

Privacidade total. Eles têm estacionamento separado, entram direto na parte de hospedagem e aí, ali realmente é uma coisa de hotelaria completa. Você tem o auditório para o treinador faz as preleções, sala de jogos, sala de descanso, tem um mega refeitório uma cozinha industrial, aí tem a parte de serviço dos empregados, enfim, é uma parte de hotelaria bacana. E entre esses dois elementos, a parte de hotelaria, a parte de treinamento, você tem uma entrada de administração e, no fundo disso, uma área externa onde tem churrasqueira, tem umas áreas de sombra para eles se confraternizarem, isso é o CT do Flamengo.

E o senhor é flamenguista?

Ah, tem que ser né.

Porque eu queria saber se o time também foi uma motivação para fazer esse projeto.

Foi uma honra fazer o projeto do Flamengo. Foi uma honra fazer um projeto desse nosso time. O CT realmente é muito impressionante, cara. Eu vou te falar assim, todas as visitas que têm, nacionais e internacionais, é uma coisa que chama a atenção. Depois que eu fiz o projeto que eu levei pra eles, eu falei assim, ó, isso aqui é o CT profissional. ‘Mas, Feu, chamamos você para fazer o CT da base’, aí quando a diretoria viu o que a gente tinha projetado não teve mais dúvida. Construiu-se então um CT profissional e quando ficou pronto o profissional mudou e a base foi para o outro lado.

Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro

Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurad em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Feu Arquitetura
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Feu Arquitetura
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Feu Arquitetura
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurado em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro
Centro de Treinamento Presidente George Helal, o Ninho do Urubu inaugurad em 2018 no bairro Vargem Grande, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Feu Arquitetura
CT do Flamengo
CT do Flamengo. Feu Arquitetura
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CT do Flamengo
CT do Flamengo. Feu Arquitetura
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CT do Flamengo

O Vasco também te chegou a fazer um convite para fazer o CT deles. Você acabou recusando. É por conta dessa ligação com o Flamengo, de ser o seu time?

Na verdade, eu fui lá e ajudei porque o pessoal que me chamou do Vasco era um pessoal amigo também. Eu sou amigo de um monte de gente aqui, né? Eu sou um cara low profile(discreto), vamos dizer assim. Mas me chamaram, fui ao Vasco, eles estavam em dúvida quanto a terrenos, eu me prontifiquei a fazer o estudo dos terrenos que eles expuseram para mim, mas disse de antemão: 'Eu vou fazer o estudo para ajudar vocês a comprar terrenos, mas eu não vou fazer o projeto'. Foi uma recusa parcial. Falei que faria o estudo, mas não faria o projeto

Porque quando a gente fez o projeto do Flamengo e as primeiras imagens foram divulgadas, teve um assédio pela internet de torcedores do Flamengo, sabe? É uma torcida muito grande. A gente viu que tinha uma certa pressão e não ia ficar bem a gente fazer o CT do Vasco, que é uma torcida rival. 

Alexandre, e sua relação com Vitória?

Ainda tenho meus irmãos morando em Vitória.  Tenho alguns projetos que eu tinha feito, aquele em frente à universidade (Ufes) é meu, ganhou uma bienal internacional de arquitetura. É um prédio baixo, aí tem um auditório. Depois ele virou o sede da Petrobras e agora é uma outra empresa, mas descaracterizaram um pouco o prédio, mas é um prédio emblemático. Na época que construiu, tinha poucas construções em volta, mas foi um prédio importante. Estou fazendo também uns estudos grandes para umas empresas de Vitória. 

Alexandre, eu queria te perguntar se Vitória é tão bonita como o Rio de Janeiro

Vitória é uma joia, cara, é uma maravilha. Eu adoro Vitória. Acho uma cidade maravilhosa. Realmente é uma cidade muito linda. É uma cidade muito bem cuidada, isso realmente impressiona. Eu olhei essa região da Praia do Canto, está muito bacana. E essa Curva da Jurema aí... está muito gostoso. Eu tive aí recentemente, uns 15 dias atrás, quando fui à Ufes fazer uma palestra e dar um workshop para os alunos da arquitetura. Acordei de manhã, fiz uma caminhada, uma corrida na Curva da Jurema, fui até a Praça do Papa, voltei, fui até o Iate Clube, é uma maravilha isso aí, a cidade tem vida. Alegre, um monte de gente bonita correndo, os quiosques cheios, todos arrumadinhos. Vitória está uma beleza. E a Praia do Canto, à noite, também, viva, muito bacana.

E ali perto da Praça do Papa tem o Cais das Artes, do Paulo Mendes da Rocha, que é um projeto que às vezes as pessoas criticam por ter muito concreto, um projeto que está parado há muito tempo.

Eu acho que é fundamental. Trabalhamos e fizemos alguns projetos juntos. Na época, o Paulinho foi convidado pra fazer o Cais das Artes e eu fui convidado para fazer, ao mesmo tempo, do outro lado da baía, um memorial na Prainha, em Vila Velha, do Vasco Fernandes Coutinho, que foi o primeiro português que chegou aí. Eu fiz esse memorial e o Paulinho fez o Cais das Artes. Paulinho foi patrocinado pela Petrobras, nosso escritório foi patrocinado pela Nestlé. Nós fizemos os projetos juntos e eu fiz um projeto de um ancorador do lado de Vila Velha e o Paulinho fez um ancorador do lado de Vitória. A ideia é que você pudesse sair lá do Memorial do Vasco Fernando Coutinho, pegar um vaporettozinho (barco tradicional de Veneza) e atravessar a baía, chegar no Cais das Artes e vice-versa. Mas teve uma confusão política, a obra do Paulinho andou, a nossa melou.

Projeção de como ficaria a Prainha, em Vila Velha, com o projeto de Alexandre Feu
Projeção de como ficaria a Prainha, em Vila Velha, com o projeto de Alexandre Feu . Crédito: Feu Arquitetura

Alexandre Feu: eu acho uma pena que esse projeto do Cais das Artes parou no meio. O projeto do Paulinho é um belo exemplo de museu. Eu acho realmente uma grande lástima não concluir esse projeto. Paulinho morreu muito triste por conta disso. Traz um teatro de ópera que Vitória não tem, o Espírito Santo não tem um teatro de ópera, não tem um museu. Era para ser um lugar vivo. É muito triste o que tá acontecendo lá.  Ele morreu sem ver a obra dele concluída, muito triste. 

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