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Aids: 40 anos de pandemia teve avanços da ciência, mas preconceito ainda é desafio

Aids: 40 anos de pandemia teve avanços da ciência, mas preconceito ainda é desafio

Cuidados hoje existentes permitem que infectados com o HIV vivam com o vírus sem desenvolver a doença, mas ainda assim eles enfrentam discriminação. No ES, cerca de 14 mil estão em tratamento

Publicado em 6 de dezembro de 2021 às 16:00

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Daniel Sathler, vendedor, vive com o vírus HIV
O vendedor Daniel Sathler convive há quase três anos com HIV e o vírus é indetectável. (Acervo pessoal)

Desde os primeiros estudos publicados sobre uma doença desconhecida, em junho de 1981, até os dias atuais, em muito a ciência avançou no enfrentamento à pandemia da Aids - sigla em inglês para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - possibilitando, inclusive, que pessoas infectadas pelo HIV não desenvolvam a enfermidade, nem transmitam o vírus. Mas, decorridos 40 anos, muitas ainda vivenciam o estigma da infecção e precisam lidar com o preconceito. No Espírito Santo, há atualmente cerca de 14 mil pacientes em tratamento nos serviços de saúde. 

Sidney Parreiras de Oliveira, representante estadual da Rede Nacional de Pessoas vivendo com HIV e Aids (RNP+ES), ressalta que a discriminação é uma das principais dificuldades para essa parcela da população. Mesmo quando a doença não se manifesta, e o vírus é indetectável, o desconhecimento sobre a infecção leva esse público a sofrer o julgamento alheio, frequentemente com uma conotação moralista, considerando que o contágio, na maioria dos casos registrados, ocorre em relação sexual desprotegida. No Estado, esse índice chegou a 99% em 2019. 

Um ponto que Sidney diz ser importante esclarecer é não tratar pessoas com HIV como doentes. Elas estão infectadas, mas, se mantiverem a carga viral não detectável, não vão desenvolver a doença (Aids), nem transmitir o vírus.

Essa situação é possível porque, com o tratamento com medicamento antirretroviral, o HIV deixa de se multiplicar e sua presença no organismo fica em níveis tão baixos a ponto de não ser passado adiante durante o sexo, segundo explica a ginecologista Bettina Moulin, técnica da Coordenação Estadual de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)/Aids. Para ter a segurança nas relações, a população que vive com HIV deve manter o acompanhamento de saúde, com exames e medicação em dia. 

Agora, se não se trata de um relacionamento íntimo, a convivência com infectados, ou já com a doença manifestada, não se difere em nada das relações com outras pessoas. Pelo contrário. No trabalho, na escola, na igreja, ou em qualquer ambiente social, pode sentar ao lado, conversar, abraçar, dividir prato e talheres porque o HIV não é transmitido nesses contatos. Atualmente, muita proximidade só não é recomendada devido a outra pandemia - a de Covid-19

Para a psicóloga Juliana Gebrim, as pessoas que discriminam possuem um certo raquitismo espiritual. "Muitas vezes por serem ignorantes - tanto ignorância da pessoa que é bruta, com instintos bem primitivos e animalescos, quanto de pessoas que não têm a informação correta, que estudam pouco, que leem pouco. É uma tragédia em todos os sentidos."

COMPORTAMENTO DE RISCO

Outro ponto que vale ressaltar é que há bastante tempo a ciência não trata a infecção por HIV como uma condição de grupos de risco, como se acreditava, no início da pandemia, que estava ligada a relacionamentos homoafetivos. O que existe é o comportamento de risco, isto é, qualquer pessoa está suscetível à contaminação se não se proteger, usando preservativos nas relações - até no sexo oral -, e não compartilhando seringas, por exemplo. 

Já do ponto de vista da contaminação, observa Bettina Moulin, não há "preconceito do vírus".

"O HIV não tem preconceito de idade, sexo, orientação sexual, religião ou classe social. A pessoa pode até ter um parceiro fixo e pegar", afirma a médica, numa referência a casais em que um deles não mantém apenas uma relação íntima. 

Mas Bettina também atesta que o medo da discriminação é algo que assombra muitos pacientes que, por essa razão, nem sempre buscam o atendimento nos serviços de saúde para receberem  a assistência adequada. Serviço que é gratuito, tanto para testes quanto para receber remédios e acompanhamento médico, pelo SUS.

DIFÍCIL DE ENFRENTAR

O vendedor Daniel Sathler, 24 anos, se considera privilegiado nesse contexto, se sente forte e empoderado para não esconder o fato de ter HIV, mas reconhece que o preconceito é algo difícil de enfrentar. 

Em fevereiro, completam-se três anos que Daniel recebeu o diagnóstico e, desde que descobriu estar infectado, resolveu falar abertamente sobre sua condição, inclusive em entrevistas de emprego, embora não fosse obrigado a dar essa informação. Algumas pessoas se afastaram, mas tudo muito sutilmente até que, recentemente, foi vítima de homofobia. 

"Eu costumava falar que minha realidade é um pouco diferente, me sinto privilegiado porque trago essa filosofia de empoderamento, de não deixar nenhuma coisa me abater. Principalmente por esse preconceito mascarado, em que as pessoas não falam claramente e, de repente, somem.  Mas o ataque que recebi bateu em mim de forma negativa", lembra.

Esse momento o fez reforçar a ideia de que é preciso falar sobre HIV porque muito do preconceito é resultado da desinformação e, por isso, Daniel participa de palestras e formações contando sua história. 

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A informação é a chave para a prevenção à infecção e também para enfrentar o preconceito. É preciso fugir desses tabus, dessa forma de olhar o outro como alguém perigoso ou errado. É preciso priorizar o cuidado e o amor. Seria melhor viver sem HIV, mas, mesmo com HIV, é possível viver bem

Daniel Sathler
Vendedor, 24 anos, vive com HIV 
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QUEDA NA PANDEMIA

A pandemia da Covid-19  é outro fator que impacta o comportamento da população nos cuidados com a saúde, como demonstrado em um comparativo dos registros da infecção em 2019 e 2020. Isso não significa que menos pessoas se infectaram ou ficaram doentes, mas que deixaram de procurar atendimento. 

No Espírito Santo, no ano passado, houve uma queda acentuada e 249 novos casos de Aids foram notificados frente aos 710 registros em 2019. Somados também os quadros de infecção, foram 1.195 e 813, respectivamente. 

Diante dos números, Bettina Moulin argumenta que nem sempre ter mais notificações é exatamente uma característica ruim, mas pode significar que mais pessoas estão buscando atendimento e recebendo o diagnóstico. Assim, elas têm condições de logo iniciar o tratamento com os antirretrovirais, que podem garantir uma carga viral baixa, tornando o vírus indetectável. 

O Boletim Epidemiológico de HIV/Aids da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) aponta que, entre 1985 e 2020, houve 18.414 notificações no Espírito Santo, sendo que 3.573 pessoas morreram ao longo desse período. Atualmente, portanto, 14.841, convivem com a infecção no Estado.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, foram detectados pouco mais de 1 milhão de casos desde o início da pandemia, mas o ritmo de novos casos começou a desacelerar a partir dos anos 2000. Em um intervalo até 2019,  as infecções tiveram queda de 39% e as mortes relacionadas à infeção reduziram 51%.  A meta é ampliar a resposta sanitária e acabar com a epidemia de Aids e IST nas Américas até o ano de 2030.

Com informações da Agência Brasil

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