Os atentados contra o mangue, considerado berço da natureza e também da cultura do Espírito Santo, são visíveis. Entre o final de 2019 e o início de 2020, a equipe de reportagem de A Gazeta percorreu o manguezal capixaba pelos municípios de Vila Velha, Serra, Cariacica, Vitória, Anchieta e São Mateus, registrando as riquezas desse ecossistema e também crimes ambientais.
Esgoto, lixo, ocupação irregular, cata em períodos proibidos e de espécies ameaçadas de extinção, além do uso de redinhas na captura do caranguejo, são flagrantes recorrentes. Mas, diante de tanta destruição, ainda é possível salvar o mangue?
O presidente do Instituto Goiamum, Iberê Sassi, acredita que, para recuperar o ecossistema, é preciso intensificar o controle, porque, da forma como é realizada hoje, a fiscalização não é suficiente para evitar os problemas. Na visão do presidente da organização não governamental (ONG), a Lei Complementar n°140, de 8 de dezembro de 2011, favorece um “jogo de empurra” entre União, Estado e municípios.
MANGUE: DESTRUIÇÃO E RESISTÊNCIA
A legislação não define as atribuições de cada um, mas estabelece que deve haver entre os três cooperação nas ações relativas à proteção das paisagens naturais, do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora.
Iberê Sassi
Presidente do Instituto Goiamum
"A responsabilidade de fiscalização deveria ser compartilhada permanentemente, mas, infelizmente, não é o caso, o que fica é um jogo de empurra e ninguém assume. Os órgãos ambientais têm autonomia para agirem de forma conjunta ou individual. Precisamos mesmo de ação, precisamos salvar nosso manguezais"
O coordenador de gerenciamento costeiro do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Pablo Prata, admite que há o que se fazer para melhorar a situação dos manguezais do Espírito Santo. Entre elas, garantir que a gestão costeira e de recursos hídricos, ambas de responsabilidade do governo estadual, estejam mais alinhadas.
“O que está nessa interface é o manguezal, ele é um belo indicador se essa política está indo bem ou não. É difícil criar políticas de forma integrada, estamos buscando isso. As áreas que ainda não foram ocupadas, com o tempo, podem ser recuperadas, mas é necessário ter um ambiente favorável, sem modificação e estresse”, pontuou.
Intensificar as ações para inibir e coibir a cata irregular tanto do caranguejo-uçá quanto do guaiamum também é fundamental para preservar a vida no mangue, aponta Iberê. O caranguejo-uçá não pode ser capturado durante o período de defeso e andada, já o guaiamum tem a cata proibida em qualquer época do ano por estar na lista de animais em risco de extinção.
Qualquer pessoa que for encontrada catando caranguejo durante os períodos de defeso e de andada pode receber multa, entre R$ 700 e R$ 100 mil, e os animais são apreendidos. Dados do Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) e prefeituras mostram que 3.071 crustáceos foram apreendidos em 2018, enquanto que, no ano passado, foram 3.794, um aumento de 23,5%.
Por causa da cata irregular, somente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou em nove anos 527 multas, sendo 230 pela captura do caranguejo-uçá e 297 do guaiamum. Já as Prefeituras de Aracruz, Anchieta, Cariacica, Vitória, Vila Velha aplicaram, juntas, 102 multas entre 2017 e 2019.
“A cata irregular é um problema sério porque o guaiamum está na lista de animais ameaçados de extinção. Se continuar dessa forma, a extinção da espécie pode ser uma realidade. Até o caranguejo-uçá pode entrar para a lista de extinção, já que o consumo é constante”, destaca o sargento da 1° Companhia do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, Alessandro Telles.
REDINHA: UM PERIGO PARA O MEIO AMBIENTE
Outra irregularidade recorrente nos manguezais é o uso de redinhas, feitas de um emaranhado de fios desfiados de saco de polipropileno. Elas são colocadas na entrada da toca do caranguejo, de forma que o crustáceo fique preso quando subir em busca de oxigênio e alimento.
Diego Libardi
Superintendente do Ibama no Espírito Santo
"O uso de redinha é proibido, mas é utilizado pela grande maioria dos catadores capixabas. Os pescadores precisam adotar métodos menos impactantes para protegerem o recurso que é fonte de renda e alimento para eles mesmos. A redinha, além de prejudicar o estoque de caranguejo - já que não é seletiva porque captura caranguejos jovens e fêmeas ovadas - polui os manguezais com plástico"
A prática também é condenada por catadores mais antigos, como Rubens Antônio Leandro Victor, de 59 anos, que atua em Anchieta e está às vésperas de se aposentar. “Isso mata muito caranguejo. É um jeito mais fácil para pegar, mas o mangue fracassa porque ela prende qualquer tipo de caranguejo - pequeno, médio, grande. Eu cato na mão mesmo, enfio a mão dentro do buraco. Deito na lama com vontade", diz o catador.
A cata de caranguejo de forma irregular já está comprometendo a produção dos crustáceos no Estado. A população desses animais está reduzida e a carapaça cada vez menor, muitas vezes não chega a 6 centímetros, tamanho mínimo para captura. Mas a professora da pós-graduação em Oceanografia Ambiental da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Mônica Maria Pereira Tognella, destaca que é possível recuperar o tamanho e quantidade do caranguejo-uçá, desde que haja proibição de sua cata, assim como aconteceu com a espécie guaiamum, em 2017. Ela ressalta, porém, que, iria demorar cerca de cinco anos para essa população se recuperar e, para isso ocorrer, é necessário que uma política pública dê sustentabilidade econômica aos catadores.
CONSTRUÇÃO IRREGULAR, ESGOTO E LIXO
Embora os aterros terem sido proibidos por lei desde 2012, quando o mangues se tornou Área de Preservação Permanente (APP), a ocupação irregular ainda é um desafio a ser combatido. O coordenador de Recursos Naturais da Prefeitura de Cariacica, Wolmen Oliveira dos Santos, diz que esse é um dos principais problemas nos manguezais do município. “A maioria de infrações é por aterro, supressão de vegetação e construção irregular. Nesses casos, primeiro notificamos, depois aplica a multa”, detalha.
De acordo com os especialistas, um trabalho de educação ambiental, que dê a dimensão da importância desse ecossistema também pode mudar a relação da comunidade com manguezal, que hoje recebe lixo e esgoto. Os mangues estão repletos de sacolas plásticas e garrafas pet, mas em Maria Ortiz, Vitória, por exemplo até um sofá foi descartado nele.
Rubens Antônio Leandro Victor
Catador de caranguejo em Anchieta
"O mangue antes era mais limpo. Hoje se vê muita sacola, muita garrafa. Isso mostra a falta de cuidado e responsabilidade das pessoas"
A Companhia Espírito Santense de Saneamento, por nota, informou que o esgoto que chega aos manguezais é proveniente de ligações irregulares de esgoto às redes de drenagem pluvial, que são projetadas para escoar apenas a água das chuvas. A manutenção e a fiscalização são feitas pelas prefeituras municipais.
Os municípios de Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Anchieta, entretanto, dizem que não há rede coletora em toda a cidade. Nos locais que ela existe, é realizada a fiscalização e, quem não faz a ligação é multado. Já em São Mateus a responsabilidade do esgoto é do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) que informou, por nota que, não tem poder de investimentos, por isso está priorizando garantir a água tratada. A fiscalização fica por conta da secretaria de Meio Ambiente, que primeiro notifica e depois aplica multa.
Todas as seis prefeituras dizem que fazem a limpeza e ações educativas para conscientizar a população. "Nós sempre fazemos a manutenção da Baía de Vitória, mas as pessoas jogam muito lixo. Já pegamos geladeira e fogão”, explica o gerente de Pesquisa e Monitoramento de Ecossistemas da Prefeitura de Vitória, Marco Bravo.
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