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Crédito: Arquivo/Arte Geraldo Neto

Alexandre Martins: prova sobre morte entra 16 anos depois em ação penal

Em 2021, uma transcrição de 10 horas de gravação foi entregue à Justiça. O material traz depoimento do juiz Antônio Leopoldo Teixeira, documento que até o momento era desconhecido das autoridades

Tempo de leitura: 9min
Vitória
Publicado em 21/03/2023 às 15h54
Atualizado em 23/11/2023 às 09h22

Um depoimento do juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira em 2005 sobre o assassinato do magistrado Alexandre Martins de Castro Filho, em 2003, foi anexado à ação somente em 2021, 16 anos depois, gerando um grande embate na Justiça estadual, que há dois anos avalia se o conteúdo deve ou não ser aceito como prova.

A princípio, o documento foi considerado ilícito pela Justiça, mas recursos do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que avalia o material como importante, e da defesa, que considera ilegal, têm atrasado o processo.

Dos dez acusados pelo assassinato, apenas Leopoldo ainda não enfrentou o banco dos réus. Só no ano de 2021, o julgamento dele foi marcado três vezes e foi novamente adiado por tempo indeterminado, justamente para que a Justiça decida se o documento deve ou não ser considerado válido.

O material anexado à ação penal é um depoimento de Leopoldo prestado ao então delegado da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) Danilo Bahiense — hoje deputado estadual — e um dos que investigaram o assassinato de Alexandre Martins.

Além de 10 horas de áudio, há a degravação (transcrição literal) do depoimento com laudo pericial, que totaliza mais de 250 páginas. Diante do dilema levantado, o conteúdo foi retirado do processo por determinação judicial até que se resolva o impasse. 

Aguardando julgamento desde que foi denunciado, em 2005, o  juiz aposentado nega as acusações de ser mandante do homicídio do ex-colega. Alexandre era auxiliar de Leopoldo, na Vara de Execuções Penais de Vitória, quando descobriu, junto com outros magistrados, irregularidades em transferências de presos e de progressão de pena.

No depoimento, segundo informações apuradas por A Gazeta, Leopoldo teria relatado como foi a trama da morte de Alexandre Martins e detalhado a participação de denunciados no assassinato. Não há informações de que ele tenha confessado autoria ou participação. Ele foi ouvido logo após a sua prisão, ocorrida em abril de 2005. A gravação foi entregue ao MPES em 2021 por Bahiense.

Em decisão judicial existente no processo, é dito que “o ato (depoimento) foi realizado nas dependências do Tribunal de Justiça e por Delegado de Polícia que recebera a incumbência de colher depoimentos ao longo das investigações”. E ainda que houve uma “consensualidade” por parte de Leopoldo no ato (depoimento). O problema é que o material, embora conste a voz de Leopoldo, não foi assinado por ele.

Antônio Leopoldo Teixeira
Antônio Leopoldo Teixeira. Crédito: Gildo Loyola - 09/04/2005
Tarja especial Alexandre Martins - Crimes brutais

O MPES recorreu contra a decisão do juiz Marcelo Soares Cunha, de não aceitar a inclusão da nova prova. Novos recursos foram feitos ao Tribunal de Justiça, onde foram acolhidos, dando aos promotores do caso o direito de apresentarem novos recursos pela manutenção da prova. 

O problema é que essa demora pode acabar levando à prescrição do crime, prevista para ocorrer em setembro de 2027, de acordo com o Ministério Público. Se isso se concretizar, o réu Leopoldo não será julgado.

Leopoldo completará 70 anos em 17 de setembro de 2027. Pelo Código Penal, quando isso ocorre, o prazo para a prescrição do crime é reduzido à metade. Em uma situação normal, esse prazo é de 20 anos. O cálculo é feito com base em algumas datas, sendo a última delas a confirmação da pronúncia — a decisão judicial que o encaminhou para o banco dos réus.

No caso de Leopoldo, essa confirmação aconteceu em 13 de maio de 2009.  Assim, quando ele completar 70 anos, o que acontecerá em 2027, o prazo de contagem cai para dez anos, vencendo então em 2019, tornando o crime prescrito. Para que isso não aconteça, o julgamento terá que ser realizado antes do seu aniversário.

O advogado Flavio Fabiano, que atua na defesa de Leopoldo, diverge do prazo e alega que a contagem deveria ser em relação à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a pronúncia de Leopoldo para ir a júri em 20 de maio de 2014.

"Se você for contar da última data, a última data é de 2014. 2014 mais 20 (anos) daria 2034. Nós estamos em 2023. Teríamos mais 11 anos, pelo menos, o que é impossível (prescrever)", observa Flavio Fabiano.

Para o Ministério Público, a adoção da data sugerida pela defesa não altera a possibilidade de prescrição em 2027, quando Leopoldo fará 70 anos de idade.  "Nessa circunstância, o prazo de prescrição cai para 10 anos, também conforme a lei penal. Por essa razão, o MPES considera setembro de 2027 o termo do prazo prescricional", esclarece o MPES em nota.

Frase de Flavio Fabiano, advogado que atua na defesa do juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira

Situação semelhante aconteceu em outros casos de repercussão. Um deles foi declarado prescrito em 2017 pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa. Trata-se do assassinato do padre Gabriel Maire, morto em dezembro de 1989 em um suposto assalto.

O ex-prefeito da Serra Adalto Martinelli também se beneficiou do recurso da idade e ficou livre de ser julgado pela morte de Claudia Novaes 23 dias antes da realização do julgamento. Pelo mesmo motivo, também houve prescrição favorável a Martinelli, em 2015, em relação ao crime do ex-prefeito assassinado, José Maria Feu Rosa. E ainda teve a pena reduzida em um terço na condenação pelo assassinato do advogado Carlos Batista.

Tarja especial Alexandre Martins - Crimes brutais

Pelo crime contra o colega, Leopoldo foi denunciado pelo MPES em 2005. Mas somente 16 anos depois é que a nova prova foi apresentada aos promotores. Durante esse período, ela permaneceu “guardada” com o agora delegado aposentado Danilo Bahiense. Fato considerado grave pela Justiça estadual.

Marcelo Soares Cunha

Juiz responsável pelo caso, em trecho da decisão

"Todo o material não foi colacionado ao inquérito que se desenvolvia, mas mantido em seu poder por aquela autoridade policial que agora, 16 anos depois, o remeteu ao Ministério Público, já nas proximidades do julgamento pelo Tribunal do Júri, e tal circunstância é grave"

O documento foi entregue ao MPES no dia 17 de julho de 2021. Ao receber o material, o órgão requereu a juntada do laudo pericial ao processo em 3 de agosto de 2021, faltando pouco mais de um mês para a realização do julgamento, que já havia sido remarcado para setembro daquele ano.

Pai do juiz assassinado, o advogado Alexandre Martins de Castro está ciente da nova prova apresentada. “Eu não sei exatamente o porquê, mas o Danilo Baiense resolveu mostrar essa prova. Entregou ao Ministério Público, que botou nos autos e o juiz mandou retirar. O Ministério Público recorreu e o tribunal agora manteve aquela aquela prova nos autos”, comentou.

Em entrevista à reportagem de A Gazeta, Bahiense confirmou ter sido o responsável pela entrega do material ao Ministério Público. Ele também detalhou que esse depoimento foi colhido na época em que auxiliava o desembargador Pedro Valls Feu Rosa na investigação e não soube explicar o porquê de apresentar essa prova somente agora. 

"Na realidade, quem deveria fazer o interrogatório era o desembargador. O desembargador tinha viajado para Brasília para verificar a situação do Dr. Antônio Leopoldo junto à Justiça. Perguntei a ele (Leopoldo) se ele ficaria constrangido em eu tomar o depoimento dele. Ele falou que não, que se sentiria muito à vontade. Então eu tomei o depoimento dele, que deve ter durado de 10 a 12 horas, mais ou menos, durante um dia", sustentou Bahiense.

Frase do delegado e atual deputado estadual Danilo Bahiense sobre o julgamento do assassinato do juiz Alexandre Martins

A defesa de Leopoldo foi contrária à inclusão nos autos e, ao analisar o material, o juiz recusou a prova, mandou que fosse retirada e justificou sua decisão apontando alguns motivos.

Um deles foi que, embora Leopoldo tenha concordado com o depoimento e gravação, o juiz da 4ª Vara Criminal de Vila Velha ressalta que, na ocasião, ele estava preso provisoriamente e sem a formal ciência de seus advogados e familiares sobre o que ocorria. Também não foi informado ao acusado sobre as suas garantias e prerrogativas.

Outro ponto considerado grave pelo juiz foi o fato de o depoimento não ter sido assinado. “O termo de depoimento produzido por ninguém foi assinado”, informa o magistrado.

Alunos e amigos em homenagem e protesto contra o assassinato de Alexandre Martins um dia após a morte
Um dia após a morte, alunos e amigos protestam contra o assassinato de juiz. Crédito: Gildo Loyola

Em sua decisão de não aceitar a juntada da prova ao processo, o titular da 4ª Vara Criminal de Vila Velha acrescentou: “Material que haveria de ser considerado ao tempo da investigação policial, provavelmente dispensado naquela época por razões que apenas os envolvidos na produção poderiam esclarecer, mas é certo que a juntada neste momento promove grave quebra da paridade de armas e da lealdade processual, que devem ser preservadas à garantia da perene transparência, seriedade e equilíbrio no julgamento”.

No mesmo texto, acrescenta ainda que a degravação dos áudios só foi feita 12 anos após o depoimento ter sido colhido. “Não me refiro aos ilustres Promotores de Justiça que promoveram o pedido de juntada, mas sim, àqueles que guardaram tais registros por tanto tempo, degravaram a mídia doze anos depois e, ainda assim, no limiar do julgamento, remeteram ao Ministério Público, no mínimo, causando-lhe o constrangimento com tal novidade.”

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