No sofá da sala, a conversa entre os irmãos Luzia e José dura por muito tempo, o assunto parece não ter fim. Quando eles estão na mesa, a animação toma conta de toda cozinha em Baixo Guandu, Noroeste do Espírito Santo. Essas seriam situações comuns de várias famílias capixabas ou do Brasil, mas nesse caso os irmãos estão fazendo isso pela primeira vez depois de um reencontro aguardado por quase 60 anos.
Quando ainda era muito jovem, entre o final da década de 50 e o começo da de 60, a irmã mais velha Luzia Pereira Schmidt de Vasconcelos, hoje com 80 anos, precisou deixar o Espírito Santo e foi para o Rio de Janeiro. Em Baixo Guandu, ficaram os mais jovens. Além de José Pereira Schmidt, 77, Agripino Pereira, 75 e um outro irmão já falecido. Ainda que separados, eles aguardavam pelo reencontro, mesmo que isso parecesse impossível com o passar dos anos. José sonhava por toda vida o dia de encontrar com a irmã.
Com cerca de 18 anos, a dona Luzia deixou o Espírito Santo acompanhando uma patroa. Ela precisou sair do Estado depois de sofrer ameaças de um ex-namorado. Vivendo em terras cariocas, ela mandou algumas cartas para a família nos primeiros anos. Chegou a contar algumas coisas da vida nova, mas rapidamente os contatos foram interrompidos e a família aqui no Espírito Santo ficou por décadas sem qualquer notícia de Luzia.
BUSCAS
O encontro entre os irmãos aconteceu na tarde de quinta-feira (14), em Baixo Guandu. Mas as buscas começaram há alguns anos. Em 2017, o senhor José revelou para as netas, Suerlen e Silmara, o sonho de ver a irmã. Comovidas com o desejo do avô, elas foram para as redes sociais e contaram a história na esperança de encontrar Luzia. Apesar do esforço das meninas, as buscas não tiveram sucesso.
Mesmo assim, José não tinha abandonado o sonho de encontrar a irmã. Ele nunca deixou de acreditar que estariam juntos novamente. E se em 2017 não deu certo, dois anos mais tarde uma doença fez as buscas serem retomadas e novamente com a ajuda das netas.
Suerlen Pereira
Neta de José
"Meu avô estava com câncer e, chorando, ele me disse que não queria morrer sem saber notícias da irmã dele. Então eu e minha irmã decidimos procurar novamente. Dessa vez, para não gerar expectativa, nós fizemos sem contar pra ele ou qualquer pessoa da família"
Com a missão frustrada anos antes, as duas irmãs foram em busca de mais informações que pudessem ajudar ainda mais na procura. Elas também fizeram contato com um grupo da internet especializado em encontrar pessoas e receberam orientações para facilitar a tarefa.
Foram meses de procura até que, na madrugada do dia 21 de dezembro de 2020, o inesperado aconteceu. Como se fosse um presente de Natal antecipado, as netas de José encontraram nas redes sociais duas pessoas que poderiam ser os filhos de Luzia e contaram para eles a história do avô.
As conversas evoluíram e as semelhanças entre as histórias das famílias foram surgindo. Até que não havia mais dúvidas, as netas encontraram a irmã perdida do avô. Agora a missão era avisar toda família e providenciar o encontro. “A ficha de todo mundo demorou para cair”, lembra Suerlen.
Depois de algumas conversas, o encontro foi marcado para este mês de janeiro, e a cidade de Baixo Guandu foi a escolhida. A idosa estava vivendo na cidade de Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro, a quase 700 quilômetros da cidade capixaba.
Mas com os quase 60 anos de espera, a saudade não conseguiu esperar, uma chamada de vídeo foi responsável pelo primeiro contato entre os irmãos. Já nesse primeiro, a emoção transbordou e as lembranças começaram a aparecer. O contato entre as famílias foi se estreitando pela internet, só aumentando a expectativa para o encontro.
ENCONTRO
Na quinta-feira (14), a família do senhor José acordou cedo em Baixo Guandu. Dona Luzia e os seus filhos já estavam viajando para o Espírito Santo. Dos dois lados, a expectativa era muito grande, o trajeto era acompanhado quase em tempo real por um grupo em um aplicativo de mensagens. A cada minuto que passava, uma espera de quase seis décadas estava próxima de ter fim.
Até que no início da tarde, em uma casa decorada para receber os visitantes, o carro trazendo a idosa chegou em Baixo Guandu. Com um buquê de flores, o senhor José aguardava a irmã. E ali, na porta de casa, o primeiro abraço depois de quase 60 anos de sonhos.
“Eu pedi muito a Deus muita força para eu ver minha mana. Agora, quando Ele me chamar eu vou mais tranquilo”, disse José sem conseguir conter a emoção de quem realiza o maior sonho da sua vida.
Primeiro, o encontro foi entre José e Luzia. Em seguida, Agripino se juntou aos dois. E os abraços se repetiram. Emoção de sobra para dona Luzia, que vai ficar por alguns dias matando a saudade da família e do Espírito Santo. Entre os dois irmãos, ela até tentou falar do que sentia, mas as as palavras teimavam em não sair, mas com um gesto ela conseguiu demostrar o que espera daqui pra frente. Dona Luzia segurou forte na mão dos irmãos e não soltou mais.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.