O Espírito Santo criou raízes no manguezal. Sobre o mangue, o Estado nasceu, cresceu e cresceu muito. O problema é que, enquanto as cidades expandiam, a natureza perdia espaço. Em 45 anos, a área desse ecossistema encolheu 120,9 hectares, o que corresponde a 120 campos de futebol.
A constatação é de um levantamento foi feito pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) a pedido de A Gazeta e divulgado com exclusividade. A base do comparativo são registros fotográficos aéreos do Espírito Santo em três épocas diferentes: em 1970, entre os anos de 2007 e 2008 e de 2012 a 2015.
Mas o coordenador de geoprocessamento do IJSN, Pablo Medeiros Jabor, ressalta que o processo de diminuição do mangue é ainda mais antigo. Apesar de o Estado só ter disponível para pesquisa imagens a partir de 1970, as primeiras obras de aterro começaram ainda no início no século XIX, no Centro de Vitória.
O estudo aponta que, dos quinze municípios capixabas margeados pelo mangue, a perda mais significativa foi em Vitória, com uma redução de 39,8 hectares, principalmente nos bairros São Pedro, Grande Vitória e Monte Belo. A Capital cresceu sobre o mangue e estima-se que cerca de 15% da sua população, ou seja, 31 mil pessoas, vivam em área aterrada, de acordo com o Censo de 2010.
Um fator determinante para a expansão do aterramento foi o preconceito, que deu ao mangue fama de insalubre. A mentalidade predominante no poder público da época era de transformar um ambiente “sujo” num espaço saudável, possibilitando o crescimento da cidade. Essa foi a política que suprimiu a área de manguezal e ao mesmo tempo permitiu o desenvolvimento urbano.
Pablo Medeiros Jabor
Coordenador de geoprocessamento do IJSN
"A capital foi totalmente modificada. Jamais poderia ser ocupada como é atualmente se os aterros não tivessem sido feitos. Boa parte dos manguezais deram lugar a eixos viários, áreas de lazer e bairros residenciais. Essas áreas são hoje muito importantes para o sistema viário, nelas encontram-se cerca de 23% das ruas de Vitória, sendo essencial para a mobilidade urbana"
A pesquisadora e arquiteta urbanista Cristina Marinato detalha que os aterros surgiram no Centro da Capital como expansão da primeira área de ocupação, a Cidade Alta. O Largo da Conceição e seu entorno, onde hoje se encontra a praça Costa Pereira, receberam as primeiras obras, no ano de 1755. Já o primeiro registro de aterro em área de mangue do Parque Moscoso foi no século XIX.
HISTÓRICO DE ATERROS EM VITÓRIA NO MANGUE E NO MAR
- 1755 – Largo da Conceição (Praça Costa Pereira)
- 1812/1819 – Porto dos Padres
- 1888 - Parque Moscoso
- 1900 - Praça Oito de Setembro
- 1908/1912 – Porto de Vitória
- 1919 – Forte São João
- 1920/1924 – Jucutuquara
- 1925 – Ilha de Santa Maria
- 1925 – Monte Belo
- 1926 – Praia Comprida
- 1928 – Ilha do Príncipe
- 1936 – Ilha do Boi
- 1951 - Esplanada Capixaba
- 1951 – Bento Ferreira
- 1968 – Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
- 1971 – Enseada do Suá
- 1979/1981 – Grande São Pedro
- 1979/1981 – Jabour
- 1979/1981 –Maria Ortiz
- 1979/1981 – Andorinhas
- 1979/1981 –São Cristóvão
- 1979/1981 – Praia de Camburi
Cristina Marinato
Pesquisadora
"A história de Vitória é rica em fatos que demonstram essa transformação. Os aterros tiveram grande expressão nessa trajetória de mudanças que ocorreram na cidade ao longo do tempo. É notável a brusca alteração que provocaram no espaço físico e na configuração do contorno do município"
ESPÍRITO SANTO
Além de Vitória, outros 14 municípios capixabas possuem área de manguezal: Anchieta, Aracruz, Cariacica, Conceição da Barra, Fundão, Guarapari, Itapemirim, Linhares, Marataízes, Piúma, Presidente Kennedy, São Mateus, Serra e Vila Velha. No total, a área atual de manguezal do Espírito Santo é de 8.808 hectares, contra 8.687 hectares que existiam na década de 1970, uma redução de 1,4%.
No entanto, Jabor pondera: enquanto algumas cidades registram redução, em outras, a área de manguezal cresceu nas últimas quatro décadas, como é o caso de São Mateus, Conceição da Barra e Serra, graças ao grande poder de regeneração desse ecossistema.
Pablo Medeiros Jabor
Coordenador de geoprocessamento do IJSN
"Não há como voltar com o que foi aterrado. No entanto, em locais onde não há nada construído e existe espaço, esse ecossistema pode aumentar ou reduzir em poucos anos. Em períodos prolongados de estiagem, por exemplo. Nessa situação, o pouco aporte de água doce que chega ao estuário favorece o aumento da área de mangue"
Para manter o meio ambiente preservado, desde 2012, por lei, os manguezais não podem mais ser aterrados por serem considerados Área de Preservação Permanente (APP). Além disso, Vitória, Vila Velha, Guarapari, Serra, Cariacica, Conceição da Barra, Aracruz e Anchieta contam com um reforço na legislação de proteção e manejo. Nessas cidades, o mangue está inserido em Unidades de Conservação (UC) dividas em dois grupos: proteção integral e uso sustentável.
As unidades de proteção integral têm como objetivo proteger a natureza, sendo permitido apenas o uso indireto dos recursos naturais – ou seja, aquele que não envolve consumo, coleta ou dano aos recursos naturais. As unidades de uso sustentável, por sua vez, têm como objetivo conciliar a conservação da natureza com o uso dos recursos naturais.
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