Incentivar o filho a fazer uma aula experimental de balé ou dizer que homem pode, sim, chorar e expressar suas emoções são atitudes que fazem parte da rotina do professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ramon Silva Martins. Ele é pai do Murilo, de cinco anos, e do Gael, de um ano e sete meses, e faz parte da geração de pais que querem contribuir para a criação de pessoas com valores baseados no respeito, no amor, na igualdade de direitos e, sobretudo, longe do machismo.
Mas nem sempre foi assim. Com 34 anos de idade e criado em uma outra geração, Ramon acreditava que sua função paterna era a de prover o sustento para a sua família. Quando teve o seu primeiro filho, o engenheiro trabalhava em três turnos, abdicando do convívio familiar de qualidade.
Um dia, ao ser chamado a atenção pela sua esposa, a arquiteta Maíra, ele repensou o exemplo que queria dar aos seus filhos.
"Ela disse que eu estava negligenciando a função de ser pai e vivendo apenas para prover o sustento da família. Inicialmente, isso me machucou. Mas depois que comecei a me informar, passei a olhar para todo o contexto que estamos inseridos de forma diferente", disse Ramon.
Ramon Silva Martins
Pai do Murilo, 5, e do Gael, 1.
"Olhei para a criação do meu pai, para a minha e, felizmente, a geração atual consegue questionar alguns comportamentos em vez de simplesmente reproduzir. Olhei para meu filho, um menino, e decidi fazer o possível para que ele não espere trinta e poucos anos para entender algumas coisas"
Desde então, Ramon começou a escutar podcasts a caminho do trabalho, assistir a documentários sobre criação de filhos e, sobretudo, passou a desconstruir o estigma de que a sua função era apenas garantir recursos financeiros à família.
Entre as mudanças no comportamento do professor para lidar não apenas com os filhos, mas para melhorar a convivência familiar, ele destaca que aprender a expressar emoções e dividir as tarefas domésticas de casa foram as mais importantes.
“A lembrança que eu tenho da minha infância é só da minha mãe arrumando a casa. Era ela sozinha. Hoje, tento mostrar para os meus filhos que as tarefas do lar não são apenas da mulher. Eles até brincam, pegam a vassoura na hora da faxina. Quero dividir mais essas atividades diárias, mas é algo que sei que melhorei”, pontua.
Sobre expressar as emoções, o professor explica que essa é uma das lições que ele mais tenta passar para os seus filhos. “Eu falo com eles que a gente precisa falar sobre o que sente, sobre os nossos sentimentos, sobre o que nos deixa tristes. Em vez de falar ‘homem não pode chorar’, eu digo a eles ‘vem cá, meu filho, pode chorar’, para que eles se sintam amparados e confortáveis dentro de casa”, finaliza.
Na casa da família não tem espaço para uma educação baseada em valores machistas. Exemplo disso foi quando o primogênito teve a oportunidade de fazer aula de balé na escola, mas o pequeno, ao ser questionado se queria fazer, respondeu prontamente que a modalidade era ''coisa de menina".
Ramon Silva Martins
Pai do Murilo, 5, e do Gael, 1
"Sentei com ele, disse que homens também faziam balé e que, inclusive, precisavam ser muito fortes para isso. Também mostrei vídeos de bailarinos renomados ao redor do mudo. Minutos depois, Murilo estava na cozinha de casa, fazendo piruetas. Ele entendeu a mensagem"
O casal busca educar seus filhos de forma a mostrar que as diferenças entre gêneros devem ser respeitadas, mas não se baseiam em cores ou brinquedos.
"Converso com meus filhos desde as coisas óbvias, como as cores rosa e azul, que podem ser usadas por menino e menina, se eles ou elas assim quiserem, até aquelas mais complexas, como o exemplo do balé. Sobre os brinquedos, por exemplo, eu não acho que deveria ter distinção de gênero nas lojas. Brinquedo é pra brincar, não importa se é carrinho ou boneca. E assim vamos aprendendo e descontruindo alguns estigmas."
"VOCÊ PODE SER O QUE QUISER, FILHA"
Para o advogado Carlos Eduardo Amaral, de 44 anos, criar os filhos longe do machismo foi um desafio que começou há 13 anos, quando a sua primogênita, a Eduarda, nasceu.
Para educá-la e prepará-la para o mundo, ele teve como referência a sua infância e adolescência: foi criado em um ambiente majoritariamente feminino, composto pela mãe, por duas irmãs gêmeas mais novas e também pelas primas.
“A minha mãe, apesar de todo o machismo da época, sempre fez questão que as minhas irmãs tivessem um papel maior do que a sociedade esperava. Cresci vendo elas se destacarem e sempre tive um respeito muito grande pela questão de gênero. Por exemplo, eu sabia quais os comentários incomodavam minhas irmãs quanto minhas primas”, comenta.
Para a sua filha, ele também diz a mesma coisa. “Você pode ser o que quiser, filha”, salienta. “Eu vi o exemplo das minhas irmãs. Sempre fiz questão de mostrar à Eduarda que ela nunca vai precisar depender de ninguém, que ela pode se expressar, que ela pode conquistar tudo e que ela sempre deve exigir respeito”, pontua.
Depois da Eduarda, o advogado tornou-se pai também do Gael, que tem nove anos de idade, atualmente.
Carlos Eduardo Amaral
Pai da Eduarda, 13, e do Gael, 9
"Quando tive o meu segundo filho, um menino, eu vi que precisava desconstruir em mim algumas ideias ainda machistas. A gente precisa entender que esse processo de desconstrução é importante para nossos filhos não repetirem os nossos erros"
Foi aí que o advogado foi em busca de conhecimento não apenas sobre a criação dos filhos, mas também de autoconhecimento para essa desconstrução.
“Quando nos tornamos pais, temos que entender que não sabemos de muita coisa. Na maioria das vezes, vamos repassar aos nossos filhos o que nos foi ensinado porque foi aquilo que aprendemos. Mas nem sempre é o certo. Agora, com o acesso à informação, temos a oportunidade de buscar conhecimento, de melhorar, de desconstruir estigmas e contribuir para que as crianças de hoje sejam adultos melhores amanhã”, pontua.
DIÁLOGO, TRANSPARÊNCIA E LIBERDADE
Quem também fala sobre a importância de estar atento à criação dos filhos é o professor e advogado Marcelo Abelha. Aos 52 anos, ele é pai do Guilherme, 22, da Dominique, 20, e também padrasto do João Pedro, 15, e do Bento, 14.
“Quem é pai vai entender que nenhum sentimento de amor se aproxima da relação entre pais e filhos. A gente só quer o nosso filho feliz”, comenta.
Diante de tanto amor, também há muitos desafios para criar os filhos com valores baseados no respeito e longe do machismo.
“A relação entre pais e filhos tem que ser construída baseada no diálogo, na transparência e na liberdade para que a criança, que vai se tornar um adolescente, depois um adulto, se sinta à vontade para se expressar. A primeira influência vai ser a nossa, em casa, mas depois eles terão outras referências, que serão positivas ou não. Nesse momento, a conversa e a discussão dentro de casa se tornam ainda mais importantes.", comenta.
DICAS PARA EDUCAR FILHOS SEM MACHISMO:
- Admitir que é preciso se desconstruir para educar os filhos. Ter disposição para agir diferente de como os pais ou avós costumavam fazer antigamente.
- Procurar conteúdo sobre educação infantil em livros, sites, podcasts, redes sociais e blogs de credibilidade.
- Participar mais ativamente da vida dos filhos - e de grupo de pais que compartilham as experiências sobre a criação dos filhos e os desafios de cada fase do desenvolvimento;
- Criar um ambiente confortável dentro de casa para que os filhos sintam liberdade de se expressar e compreendam a importância de dialogar sobre qualquer assunto.
CRIANÇAS NÃO NASCEM MACHISTAS
Para a professora Luizane Guedes, doutora em Psicologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a construção de uma educação longe do machismo deve ser ensinada desde cedo às crianças.
“Crianças e adolescentes são influenciados por vários meios, como a casa, escola, familiares e amigos. Crianças não nascem machistas; elas se tornam quando são influenciadas pelo seu meio”, explica.
Luizane Guedes
Doutora em Psicologia e professora da Ufes
"Quando a gente quer criar uma cultura que combate o machismo estrutural na sociedade, a gente tem que pensar no desenvolvimento infantil a partir de uma lógica de que o feminino não se sobrepõe ao masculino, mas o masculino também não é superior a ninguém. É a lógica da igualdade"
A professora diz ainda que essa lógica da igualdade respeita as diferenças entre o corpo de cada gênero. “O corpo da mulher tem várias opressões históricas e, culturamente, ainda é visto por muita gente que é pra ser usado. A gente tem que ensinar a esse menino, que ainda é uma criança, a respeitar um corpo femino. Esse garoto, quando estiver com pessoas machistas, ele vai lembrar dessa lógica de respeito e não vai compactuar dos mesmos comportamentos”, salienta.
A doutora em Educação Cleonara Schwartz concorda com as ponderações acima. Segundo ela, a educação primária, aquela que começa dentro de casa, é fundamental para a construção dos valores da pessoa, além de contribuir para combater preconceito, discriminação e violências.
“O primeiro espaço de socialização de uma criança é dentro de casa com a convivência familiar”, afirma.
Cleonara Schwartz
Doutora em Educação
"A postura dos pais em relação ao machismo e qualquer outro tipo de preconceito vai ser fundamental para que seu filho amplie o comportamento dentro e fora de casa. Por isso, uma educação baseada na lógica do respeito se faz tão necessária atualmente"
A professora explica ainda que, apesar da escola desempenhar um papel importante na educação do ser humano, quando a criança chega na comunidade escolar, apesar da pouca idade, já têm referência sobre a vida.
“A escola é responsável a partir do momento que as crianças chegam até ela, mas elas já chegam com formas de ver e avaliar o mundo, que já foram formadas dentro de casa. Por isso, quanto mais cedo ensinar à criança valores baseados no respeito, melhor", finaliza.
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