O ano mudou, mas para muitos pais as preocupações são as mesmas. A maior delas passa, provavelmente, pela relação escola - pandemia. As vacinas começaram a chegar, ainda que de forma lenta, mas o coronavírus está longe de ir embora. Para os que podem escolher, uma dúvida ainda persiste: mandar ou não o filho para escola de forma presencial? Após quase um ano de afastamento da sala de aula, é seguro retornar com as crianças para a escola neste momento?
Especialistas ouvidos por A Gazeta defendem que essa é uma decisão individual de cada família e vai depender, principalmente, da relação de confiança dos pais com a escola. Para o neurologista infantil Thiago Gusmão, o desafio neste momento é equilibrar saúde e educação, sem esquecer das particularidades de cada família.
“O isolamento social é importante. Mas as crianças tiveram perdas gigantescas depois de um ano sem aula presencial. Vai depender muito de cada família, mas é essa balança que a gente precisa equilibrar”, defende.
Celeste Fabris é coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil e concorda com o neurologista. “A educação é soberana, mas a saúde ultrapassou neste momento a questão pedagógica. Sou favorável ao retorno em uma escola que tenha a responsabilidade de cumprir rigorosamente o protocolo. Tem pai querendo uma escola como se não houvesse pandemia. É voltar para uma escola que não é mais a mesma escola, porque se for a mesma, está fazendo errado”, afirma.
No Espírito Santo, algumas escolas - particulares e públicas -, já retomaram as atividades de forma presencial. As escolas que ainda permanecem fechadas deverão reabrir na próxima segunda-feira (01), conforme prazo estabelecido pelo governo do Estado. A Secretaria do Estado de Educação (Sedu) determinou que a partir de 1° de março todas as escolas devem estar abertas e retornarão ao ensino presencial, ainda que de forma híbrida. O funcionamento adotará medidas sanitárias de segurança para evitar a contaminação por coronavírus.
O infectologista Lauro Ferreira Pinto, lembra que, como em qualquer outro lugar, as regras principais na escola são: distanciamento e uso de máscaras. Além disso, vale manter as crianças longe das pessoas do grupo de risco, como os avós.
“O tempo fora da escola é muito complicado para as crianças, interfere no aprendizado, na socialização. As crianças sofrem demais. É não encher a sala, manter os distanciamentos possíveis e usar máscara. Essas crianças que voltam têm que evitar o contato com pessoas de muito risco, especialmente os avós”, orienta.
E se engana quem pensa que as crianças, mesmo as menores, não são capazes de respeitar as regras de saúde. A coordenadora pedagógica Celeste Fabris conta que elas agem conforme a orientação que recebem: tiram a máscara para comer, colocam em local adequado, lavam as mãos, comem, lavam as mãos de novo e colocam uma máscara limpa.
“Outro dia, em uma área aberta da escola, sem mais ninguém por perto, sugeri a um aluno de 4 anos que tirasse a máscara por uns segundos para respirar. Ouvi dele o seguinte: ‘Não, tia. Não está me incomodando. Eu quis voltar para a escola e combinei com a minha mãe que eu ia usar a máscara’”, recorda Celeste.
Além dos prejuízos na escrita, leitura e matemática, a ausência de socialização é, provavelmente, o maior problema enfrentado pelas crianças depois de quase um ano longe da escola.
A psiquiatra Fernanda Mappa, especialista em infância e adolescência, afirma que é durante a infância que a criança tem o primeiro contato com a socialização. "Esse processo tem início em casa, quando a criança começa a compreender que há outras pessoas para conviver além do pai, da mãe e dos irmãos, e é na escola que a socialização é realmente potencializada", explica.
Para a psicóloga Nanda Perim, a Psimama, as crianças filhas únicas que estão há muito tempo em casa, sem outras crianças e sem ter com quem brincar. Para essas crianças, voltar para escola é uma opção. "Elas estão dependendo 100% da atenção dos adultos, que geralmente estão ocupados com muita coisa - tendo que dar conta de trabalho, de comida, de casa. Para essas crianças, para aprender, para alfabetizar, para se socializar, para se divertir, para gastar energia, vale a pena. Isso considerando que é uma escola consciente", pontua.
A psiquiatra infantil Fernanda Mappa lembra que, no período pré-escolar, o desenvolvimento ocorre de modo muito acelerado e depende de interação com outras crianças. "Assim, 7 meses de afastamento da pré-escola, para uma criança de 0 a 3 anos de idade, pode significar um sexto ou mais da sua vida com privação de estimulação e convivência com pares", explica.
O 1° e 2° ano do Ensino Fundamental fazem parte da fase de aquisição e consolidação de leitura, escrita e matemática. "Tenho visto crianças com regressão da parte da matemática, por exemplo, na memorização da multiplicação. Criança que já tinha gravado a tabuada e está esquecendo. Não teve a prática de litura, então tem prejuízos na interpretação de texto, os erros ortográficos aumentaram, com as trocas de letras e omissões de letras na escrita", exemplifica o neurologista Thiago Gusmão.
Crianças com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) ou com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) têm grande dificuldade com sistema on-line ou híbrido. A escola de forma presencial é fundamental para o desenvolvimento e aprendizado dessas crianças. "O reforço pedagógico com o professor, de forma presencial, cativa mais o foco de atenção nessas crianças. E a sustentação dessa atenção provoca melhora no aprendizado. Essas crianças tiveram perdas imensas", afirma Gusmão. Veja como as escolas do ES vão receber os alunos da educação especial
Se o seu filho vai começar em uma escola nova e demonstra grande dificuldade com o processo de adaptação, pode ser melhor deixá-lo em casa. "Se a adaptação da criança estiver muito difícil, muito sofrida, ela passou muito tempo em casa e está chegando em um lugar novo, muitas vezes com pessoas que ela não conhece, tendo que se adaptar na marra, isso pode ser muito difícil para as crianças. Pode ser prejudicial para psicológico delas", afirma a psicóloga Nanda Perim.
Se a criança conseguiu se adaptar facilmente com o formato das aulas on-line e, especialmente, se morar na mesma casa que os avós ou pessoas do grupo de risco, é recomendável que ela continue em casa. "Se não teve prejuízos importantes, os pais conseguem dar uma atenção e ela se adaptou de forma positiva ao estudo on-line, essa criança pode continuar em casa. Se está em contato direto com grupos de risco, como avós, é vantajoso que continue no sistema on-line", defende o neurologista Thiago Gusmão.
Se a escola do seu filho estabeleceu um alto limite de restrições, que vão impedir, por exemplo, que ele brinque com outras crianças, é preciso avaliar se realmente vale a pena voltar ao modelo presencial. "Se é a proposta da criança voltar para a escola, mas ficar de máscara quieta em um canto, em um quadrado, sem poder interagir com outras crianças, sem poder brincar, sem mexer com brinquedo porque contamina, em um desespero total, não é bom para a saúde emocional dessas crianças. Muitas vezes é até pior do que ficar em casa. Se você tem uma escola que está em uma atmosfera pesada, difícil, estressante, com medo constante, com as crianças sem poder fazer quase nada, fica muito complicado", explica a psicóloga Nanda Perim.
Evitar riscos é sempre importante. As crianças podem se contaminar, apresentar pouco sintomas ou mesmo ficarem assintomáticas, mas contaminarem outras pessoas em casa. Esse risco é muito maior para aqueles que têm idosos ou pessoas do grupo de risco vivendo na mesma residência que a criança. "O mais importante é que tenha uma conscientização por parte dos pais. Não dá para chegar de viagem no domingo e levar a criança para a escola na segunda-feira. Não dá para ir em um casamento no sábado e depois levar a criança, na segunda, à escola. São esses riscos, muito maiores para os adultos, que se precisa evitar. A criança chegou da escola, lembrar que ela pode estar com coronavírus no corpo, então é colocar direto para o banho", lembra a psicóloga Nanda Perim.
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