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Autismo em adultos: capixabas contam como foi receber diagnóstico tardio

Autismo em adultos: capixabas contam como foi receber diagnóstico tardio

Descoberta após a infância decorre, em parte, de mudanças no conceito do Transtorno do Espectro Autista (TEA) e sua abrangência

Publicado em 24 de junho de 2023 às 08:20

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Helder Vieira de Jesus
Helder Vieira diz que, por ser autista, consegue entender melhor as limitações de cada aluno. (Carlos Alberto Silva)

Após sofrer com bullying na adolescência e, constantemente, se sentir deslocado nos ambientes que frequentava até há bem pouco tempo, o professor Helder Vieira de Jesus, de 39 anos, finalmente recebeu um diagnóstico que o ajudou a lidar melhor com o que lhe causava desconforto: ele tem Transtorno do Espectro Autista (TEA). O autismo tardio, como é popularmente descrita a condição de saúde mental por quem a descobre na fase adulta, tem sido cada vez mais revelado a pessoas que já deixaram a infância. 

O neurologista Pedro André Kowacs, médico do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e chefe do serviço no Instituto de Neurologia de Curitiba, aponta que há um número crescente de pessoas que não eram reconhecidas com TEA e recebiam outros diagnósticos, mas descobrem o autismo já na vida adulta. 

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Não que esses indivíduos desenvolvam mais tarde. Só não eram diagnosticados antes dentro do espectro

Pedro André Kowacs
Neurologista
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Pedro André afirma que não existem marcadores específicos para que exames laboratoriais pudessem ter detectado o autismo desde criança. Mas havia uma ideia de que o transtorno afetava somente aquelas pessoas que tivessem uma tendência a movimentos repetitivos observados ainda na infância.

O conceito de TEA, acrescenta o médico, mudou e ficou um pouco mais abrangente. Até a intolerância a alguns tipos de alimentos ou a dificuldade de contato visual com os outros podem ser indicativos dessa condição. 

"Há um fenômeno curioso. Aqueles que têm o espectro autista veem o diagnóstico com um certo alívio porque, antes, não conseguiam explicar uma característica que os desagradava. De certo modo, agora que sabem, sentem-se mais confortáveis", observa o neurologista.

E é assim que se percebe o professor Helder Vieira de Jesus, após receber o diagnóstico em 2019. "Num primeiro instante, foi um choque. Mas, agora, me sinto aliviado", reforça. 

A trajetória do educador até saber que tinha TEA não foi fácil. Com o bullying e o isolamento social forçado, Helder entrou em depressão. Fez tratamento, mas não deixava de apresentar as características que o tornavam alvo do desrespeito e da violência. Quando ingressou no mercado de trabalho, ele notou a situação piorar e, novamente, ficou depressivo. Até que uma amiga lhe apresentou um psiquiatra, que chegou ao diagnóstico de autismo.

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Eu tinha um lado diferente socialmente falando. Passei a respeitar mais esse lado e a entender algumas coisas com a terapia

Helder Vieira de Jesus
Professor
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Uma das características marcantes de Helder, segundo ele mesmo, é o hiperfoco. Antes de saber do autismo e fazer terapia direcionada a essa condição, não conseguia iniciar ou terminar uma conversa, não tinha filtro social — "na minha cabeça, só existia a verdade ou mentira, não tinha meio-termo" — e não se sentia inserido em nenhum local. 

Com o tratamento, usou o hiperfoco para estudar e começou a respeitá-lo, no sentido de que, sabendo que é autista, reconheceu que o contato social muito intenso pode desencadear crises. Assim, reduziu o tamanho das turmas e consegue dar aulas sem dificuldades para a educação especial. O fato de ter TEA, na opinião de Helder, o aproxima mais das crianças e o permite compreender melhor, pelas próprias experiências, as limitações de cada aluno. 

Diagnóstico diferente

Agente de combate às endemias, Igor Valim Sarmento, 30 anos, descobriu há apenas três anos que é autista. Ele revela que, desde pequeno, se sentia diferente de outras crianças. Apresentou um atraso na fala significativo, corrigido a partir dos 10 anos, e tinha um convívio social complicado. Na infância, recebeu o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).  Porém, devido aos recursos financeiros da família, não foi possível investigar o quadro de saúde mais a fundo. 

Chama a atenção que Igor tinha sinais comuns a pessoas com autismo, como os movimentos repetitivos, e, mesmo assim, não foi diagnosticado na infância. Para ele, foi um choque descobrir o TEA já adulto. Tanto que precisou de cerca de um mês para processar a nova informação na sua mente. O agente faz acompanhamento psicológico, mas também considera o seu trabalho uma terapia.

"As visitas que a gente faz às casas exigem interação social. Isso está sendo muito bom para mim. Aprendo a conversar com cada pessoa que me atende. Isso mostra, também, que o autista pode estar em todo lugar", ressalta Igor, que é servidor concursado.

Membro do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), Júlia Carvalho dos Santos explica que o TEA, assim como muitos diagnósticos, passou por uma série de transformações ao longo da história, inclusive com desencontros em termos científicos, que levavam algumas pessoas a serem diagnosticadas com outros problemas de saúde mental. Por um tempo, lembra a psicóloga, o autismo chegou a ser considerado uma espécie de esquizofrenia infantil, mas hoje já se sabe que é um transtorno do neurodesenvolvimento e que o seu aparecimento não é culpa da mãe — outro equívoco que persistiu no meio científico. 

"Hoje, o autismo tardio tem se manifestado mais porque muitos adultos, vendo os filhos com comportamentos parecidos com os seus e já tendo as crianças sido diagnosticadas, vão procurar um profissional para avaliar sua condição", constata. 

Júlia orienta que as pessoas sempre busquem um especialista para se submeter a uma avaliação, que é eminentemente clínica e individual. Ela diz que alguns têm problemas na interação social, e outros, dificuldades sensoriais. Mas cada aspecto, de maneira isolada, não é determinante para um diagnóstico de TEA e somente um profissional de saúde poderá apontar a condição. 

Pedro André ratifica esse posicionamento, destacando que um fenômeno desses, isolado, não produz a condição de saúde. "Em geral, precisamos de um conjunto de fatores. E não se deve fazer um diagnóstico apressado, nem por leigos. A visão simplista é perigosa", adverte o médico, diante da informação de que há uma onda de diagnósticos sendo propagada em redes sociais. 

O neurologista frisa que os médicos estão constantemente indo a congressos porque a medicina evolui muito. Por isso, os profissionais precisam estar atualizados para, assim, se tornarem aptos a fazer a avaliação do quadro apresentado pelos pacientes. 

"O autismo, em adultos, decorre de um diagnóstico mais apurado. Em crianças, está havendo um aumento real. O que quero dizer com isso é que é bem mais prevalente do que há 20 anos. Não se sabe ainda o porquê, mas há uma tentativa de mapear as causas. Hoje, apesar de poucos avanços em termos de tratamento farmacológico, temos tido alguns progressos e, com maior compreensão da genética e do meio ambiente em relação ao autismo, aumentam as possibilidades de tratamento. O futuro é muito estimulante", conclui.

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