Ganhador de uma das maiores honrarias da cozinha profissional, o chef Franco Sampogna, de 32 anos, colocou o Espírito Santo em meio aos holofotes internacionais. Ao lado do sócio, o português Bernardo Silva, de 32 anos, o capixaba conquistou em outubro uma estrela Michelin pelo trabalho desempenhado no restaurante "Frevo", cuja sede fica em Nova York, nos Estados Unidos.
Franco é nascido em Vitória, mas se mudou ainda na adolescência para o exterior. Com o objetivo de proporcionar uma experiência diferenciada, criou um empreendimento que fica "escondido" atrás de uma galeria de arte. Do outro lado, os clientes se deparam com uma bancada intimista, local em que também é possível ver, de perto, o chef fazendo as criações.
Em entrevista para A Gazeta, o profissional contou como se descobriu na área, revelou do que mais sente falta do Brasil e deu um recado para quem pensa em criar carreira dentro da cozinha.
Onde você nasceu e há quanto tempo deixou o ES?
Nasci em Vitória, Capital do Estado, e alguns anos depois fui morar em Domingos Martins, na região Serrana. Aos 14 anos, fui para Minas Gerais e, em seguida, Rio de Janeiro. Já aos 17 anos, fui para a França. Eu era muito jovem na época. Minha tia morava na Europa, então me chamou para ficar um ano lá com ela, já que não tinha passado no vestibular (no Brasil). Eu fui dar uma força para ela e acabei descobrindo a Gastronomia. Só acabei vindo para Nova York anos depois.
Como entrou no mundo da Gastronomia?
Sempre quis ser advogado. Pensei em fazer Direito na França, mas minha tia disse que seria praticamente impossível. Eu só conseguiria dominar bem o francês dali uns 5, 6 anos, segundo ela. Então me instruiu a fazer alguma coisa mais manual. Começou a me levar a um restaurante e outro, ficou me incentivando, dizendo que poderia morar em diferentes lugares. Mesmo depois de ser recusado algumas vezes, acabei entrando em uma escola pública de Gastronomia. Foi um ano de estudo só, mas, ao mesmo tempo, você faz estágios. Acabei me apaixonando.
Como surgiu a parceria com o chef português?
Nós nos conhecemos na França, sendo que ele também tinha 17 anos da época. Por ele ser português e a gente ter uma maior facilidade na comunicação, tudo fluiu. Começamos a sair, fizemos amigos em comum e um dia começamos a nos orientar mais para a Gastronomia. Ele se orientou em hotel business (no futuro, vindo a se tornar administrador) e eu pela cozinha. Vim procurar emprego nos Estados Unidos com a cara e a coragem. Certo dia me convidaram para remodelar um restaurante em Long Island e eu disse que só faria isso se o Bernardo viesse comigo. Depois, em Nova York , chegamos sem fundo, dinheiro, nada. A gente trabalhou muito para fazer dar certo. Abrimos o Frevo em 2019.
E como foi receber a estrela Michelin?
São mais de 27 mil restaurantes só em Nova York . Devem exisitir umas 15 milhões de pessoas aqui. Para se sobressair nessa multidão, é um absurdo. Além do mais, é um mercado super competitivo, em que se torna ainda mais difícil se destacar. É um grande reconhecimento do nosso trabalho. Foi um sonho realizado.
Por que o restaurante conseguiu se diferenciar?
Nós temos uma galeria de arte onde exploramos a ''pop culture'', quadros, fotografias, além do próprio restaurante. Somos uma cozinha gastronômica contemporânea. Não posso chamar de capixaba, mineira, francesa, nada. É uma cozinha contemporânea. Trabalham comigo muitas pessoas de outros países, outras culturas, o que gera um intercâmbio muito bacana também. A gente trabalha entre 12 a 16 horas todos os dias. Nos melhores dias, os menos corridos, você chega aqui meio-dia e vai embora meia noite.
Do que mais sente falta no Brasil?
Acho que mais da família. Algumas pessoas moram em Vitória, na Praia do Canto, e outras em Vila Velha. Consigo visitá-las em um intervalo de 2 a 2 anos, por aí. Às vezes três. Queria poder ir mais, mas a rotina é puxada. E, depois disso, acho que a gente é um povo muito carinhoso, simpático, acolhedor. Isso, de certa forma, faz falta, mesmo que você consiga se adaptar a outro país. Também sinto falta da comida da minha mãe, da comida mineira, da moqueca capixaba.
E você consegue colocar a brasilidade nos seus pratos?
Na cozinha profissional, é um jeito muito diferente, muito elevado. Mas a gente consegue acrescentar um elemento ou outro. Estamos colocando picanha e farinha de mandioca no cardário, por exemplo. Porém, é mais o ingrediente em si do que a preparação. Temos uma essência muito contemporânea. Mas, no final das coisas, tudo faz sentido.
Franco Sampogna
Chef de cozinha e um dos proprietários do restaurante Frevo
"O nome 'Frevo' não foi uma homenagem à dança (popular no Nordeste brasileiro), mas sim ao nome 'ferver'. Nova York é uma cidade que nunca dorme, nunca para. Ela ferve. E o restaurante em si não é brasileiro, é um restaurante contemporâneo que utiliza produtos do mundo todo, inclusive do Brasil"
O choque cultural nesses países por onde passou foi muito grande?
Olha, eu li uma frase muito interessante: "Quem tem sucesso na vida nao é quem é melhor, mas aquele que consegue se adaptar mais fácil". Sentimos um choque, sim, mas não foi aquela coisa que chegou a atrapalhar. São só culturas dferentes. Na França, todo mundo gosta de comer junto, eles passam horas e horas na mesa. É uma tradição, um momento sério. Aqui em Nova York é um pouco mais corrido, tem quem coma em frente ao computador. Enfim, são coisas que fomos nos adaptando.
Fora do trabalho, o que mais gosta de fazer em NY?
De hobbie mesmo, só o jiu-jitsu. Eu treino desde os 17 anos, sou faixa preta. Vou treinar durante a semana, trabalho e passo tempo com a família nos tempos livres. Tenho uma esposa e uma filha de 18 meses. Além disso, quem fala que está entediado em Nova York é porque não está aproveitando direito a cidade. Tem tudo aqui! (risos).
Que mensagem/conselho daria para os “novos chefs”?
Trabalhar como cozinheiro é bem difícil, árduo. Tudo que é manual é difícil: ser médico, cozinheiro... São tipos de trabalho que pedem aquela paixão, aquela aplicação. E isso tem que ser feito com amor e vontade. Não dá para confundir a imagem pessoal, o próprio ego, a vontade de se destacar, com a Gastronomia. Cozinheiro não é ator. Existe a consistência do que você precisa servir todo dia, a preparação que deve ser repetida em um prato todos os dias, coisas que não dão certo e precisam ser refeitas. Só ali a sua mão começa a ser treinada de verdade.
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