CICLOVIA MAIS ALTA DO BRASIL
Um desafio de engenharia a 70 metros acima do nível do mar. A “Ciclovia da Vida Detinha Son”, construída ao lado da Terceira Ponte, no Espírito Santo, é a mais alta de todas as capitais brasileiras. A estrutura atende a uma demanda antiga de ciclistas da Região Metropolitana da Grande Vitória.
Até a inauguração da ciclovia, havia duas formas de chegar à ilha de Vitória de bicicleta partindo de Vila Velha. Na primeira, os ciclistas podem pegar um ônibus específico que atravessa a Terceira Ponte, cuja tarifa está em R$ 2,25. Trata-se do "Bike GV", lançado em 2013 e com uma estrutura interna preparada para a fixação de bicicletas.
Outra ligação para Vila Velha, e também para Cariacica, na Região Metropolitana, é pela Ponte Florentino Avidos, popularmente chamada de Cinco Pontes. Foi a primeira ligação da ilha com o continente, erguida em 1927. O acesso, no entanto, é estreito e compartilhado com pedestres.
Após reivindicações antigas de ciclistas para melhoria do acesso entre as cidades, e a necessidade de se criar uma barreira para impedir que pessoas atentassem contra a própria vida, a Secretaria de Estado de Mobilidade e Infraestrutura (Semobi) decidiu iniciar a construção de uma ciclovia elevada, anexa à estrutura da Terceira Ponte.
O levantamento feito por A Gazeta com as 26 prefeituras das capitais brasileiras e o governo do Distrito Federal, buscou projetos semelhantes, pensados para melhorar a segurança viária de ciclistas.
As medidas das ciclovias mais altas do país podem ser conferidas no infográfico abaixo.
Foi possível constatar que a ciclovia construída na Terceira Ponte é a mais alta do país, com 70 metros de altura. Na sequência aparecem projetos semelhantes em Natal (RN), onde a Ponte Newton Navarro chega a 63 metros, e em Florianópolis (SC), cujo trecho destinado aos ciclistas na Ponte Hercílio Luz está 30,86 metros acima do nível do mar.
Há ainda a ciclovia Tim Maia, no Rio de Janeiro, que tem 12 metros de elevação. A estrutura foi erguida sobre vigas em cima de rochas, para ligar a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, à orla do Leblon e de Ipanema, na Zona Sul. O quinto projeto mais alto é o da Ponte Cidade Universitária, em São Paulo, a 4,8 metros de altura.
Nas outras capitais não foram encontrados projetos semelhantes e as ciclovias acompanham o nível do solo. Ou seja: estão em terra firme e não houve um desafio da engenharia para erguê-las sobre pilares ou pontes.
CIDADES COM MAIS VIAS DESTINADAS A CICLISTAS
Os dados levantados por A Gazeta também abrangem a quantidade de faixas destinadas aos ciclistas em cada capital, seja ciclovia, de uso exclusivo de bicicletas; ciclofaixa, modelo no mesmo nível e não separada das pistas para automóveis, ou ciclorrota, quando a via é compartilhada com pedestres e carros em velocidade reduzida.
Nesse quesito se destacam as cidades de São Paulo (SP), com 699,2 km; Brasília (DF), com 636,89 km; Rio de Janeiro (RJ), com 450,0 km; Fortaleza (CE), com 416,4 km; e Salvador (BA), com 310,0 km.
A quantidade de ciclovias disponíveis, no entanto, não corresponde à facilidade de acesso a essas vias pelos ciclistas. Por isso, é necessário calcular quantos quilômetros estão disponíveis para cada 100 mil habitantes, dividindo os quilômetros pela população de cada município, com base na população estimada de 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A partir desse cálculo, Rio Branco (AC) fica na primeira colocação, com 43,91 km para cada 100 mil habitantes. Na sequência, aparecem Florianópolis (SC), com 32,28 km, Brasília (DF), com 21,79 km, e Vitória, com 21,31 km.
A ilha capixaba, apesar de estar na 17ª colocação na quantidade de quilômetros de ciclovia, se destaca em quarto, em relação à facilidade de acesso à população.
SITUAÇÃO PARA OS CICLISTAS NO BRASIL
O consultor e educador André Soares, de 54 anos, coordenador do Observatório da Bicicleta da União de Ciclistas do Brasil, avalia que as condições de uso de bicicleta no país estão um pouco melhores que há 15 anos. Entretanto, é difícil afirmar que a situação seja a ideal, porque o contexto anterior é considerado por ele como muito ruim.
"Nós temos algumas cidades no Brasil que tem se destacado um pouco mais, como Fortaleza (CE), Rio Branco (AC), Praia Grande (SC), Balneário Camboriú (SC), mas, de modo geral, nós não verificamos que no Brasil esteja havendo uma mudança substancial nas políticas públicas municipais", ressalta.
André Geraldo Soares
Coordenador do Observatório da Bicicleta da União de Ciclistas do Brasil
"Precisamos que a cidade seja segura, também para crianças, pessoas idosas, com mobilidade reduzida, ou que não tenham tanta destreza no uso da bicicleta"
Para o educador, a maioria dos municípios não tem setores específicos para tratar da mobilidade e os conselhos de transporte não contam com a participação da sociedade civil.
"Falta empenho do poder público, mas também da população em geral, como o setor econômico, que não compreende a necessidade de favorecer políticas para bicicleta, seja oferecendo bicicletários para os funcionários e clientes, ou então, incentivando a prefeitura e não encrencar quando instalam uma ciclovia na frente da empresa", opina o educador.
André Geraldo destaca ainda que obras como a expansão da Terceira Ponte são importantes porque demonstram que a bicicleta tem recebido uma importância maior por parte do poder público. "Não faz sentido construir uma obra de grande volume, de grande impacto, sem incluir nos projetos também a bicicleta", pontua.
O educador acrescenta que é bastante comum que pontes, viadutos, vias expressas não tenham infraestrutura para o uso da bicicleta. "Além disso, a construção por si só dessas obras piora a vida dos ciclistas, torna tudo mais longe, as travessias mais difíceis, mais perigosas. Então é de suma importância que obras dessa magnitude tenham infraestrutura para o uso da bicicleta."
DESAFIANDO A ENGENHARIA
A "Ciclovia da Vida Detinha Son" faz parte do projeto de ampliação da Terceira Ponte, inaugurada em 1989, período em que as demandas e dinâmicas de trânsito eram bastante diferentes nas cidades da Região Metropolitana. O anteprojeto propõe uma estrutura metálica anexada nas laterais das vias destinadas aos ciclistas, visando a servir de barreira de proteção ao suicídio, além da ampliação no número de faixas para veículos em cada sentido.
A Terceira Ponte chega a 73 metros de altura no vão central e conta com quatro faixas, duas em cada sentido, que fazem a ligação entre Vitória e Vila Velha. Orçado em R$ 127 milhões, o projeto de ampliação consiste em fazer uma diminuição na largura dessas faixas, permitindo a instalação de mais duas, destinadas a ônibus, táxi, veículos de emergência e motos, que não podem mais usar o corredor. As obras foram iniciadas em setembro de 2020 e entregues em agosto de 2023.
É possível notar que as duas faixas se transformaram em seis faixas, o que deverá contribuir para um aumento no fluxo do trânsito em 40%. Como não havia espaço para a instalação da ciclovia, a estratégia pensada foi criar uma estrutura metálica pré-moldada três metros abaixo do nível do asfalto, e ainda um mirante, que permitirá a contemplação da Baía de Vitória.
A inclinação da ciclovia chega a 4,5% em alguns pontos, perto do limite máximo de 5% recomendável pelas normas técnicas de engenharia para a inclinação de rampas. Por ser tão alta, é possível alcançar velocidade de até 70 quilômetros por hora durante a descida, segundo o engenheiro mecânico e também ciclista Paulo Sergio de Bortoli. Isso requer que os usuários tenham bicicletas com bons freios e pneus, além da manutenção em dia.
Para conseguir fixar as estruturas metálicas pré-moldadas, os operários atuaram em duas frentes de trabalho, uma em Vila Velha e outra em Vitória, primeiramente, nos acessos da ponte que tocam o solo. Posteriormente, foram para os pontos mais elevados da estrutura, sobre um andaime acoplado à ponte, que em determinado momento da obra chegou a ficar por cima do mar.
Obras de ampliação na Terceira Ponte e construção de ciclovia
O projeto inicial previa a redução da mureta central da ponte de 1,43 metros para 60 centímetros, mas houve uma alteração e ela não foi retirada, para não atrasar o cronograma. Com isso, a ponte ganhará 60 centímetros de cada lado, totalizando 1,2 metro, e as muretas laterais ficaram mais para fora.
Em outubro de 2022, a obra entrou na última fase, faltando apenas a finalização dos acessos à ciclovia e a substituição da barreira de concreto da ponte. Foram construídas novas muretas laterais, no estilo New Jersey e, após serem totalmente concretadas, a antiga foi demolida e as novas faixas pintadas, como mostra a galeria de fotos abaixo.
Largura da Terceira Ponte vai aumentar e trecho contará com seis faixas a partir de 2023
DETALHES INÉDITOS DO PROJETO
O diretor do consórcio Agis-Metalvix, José Emílio Brandão, de 61 anos, explicou que esse é o projeto mais desafiador que a empresa já participou e serviu de referência, inclusive, para outros Estados da federação, interessados em criar construções semelhantes para os ciclistas.
"O grande desafio é executar essa obra de 30 meses exatamente no cronograma. Uma obra dessa envergadura, com aproximadamente um efetivo de 250 pessoas atuando ao longo de seis quilômetros, são três de cada lado, e não tivemos nenhum acidente. Ou seja, a obra transcorreu com preservação de vidas e também no relacionamento com a comunidade", detalhou o diretor.
Aço especial usado em navios
Por ser uma cidade litorânea, o principal complicador para obras primordialmente metálicas são os danos provocados pela maresia. Pensando nisso, o projeto optou por um aço especial na construção das estruturas pré-moldadas, segundo José Emílio Brandão.
"Estamos utilizando um aço especial, o corten, que tem uma resistência à corrosão maior que o aço comum e, além disso, recebeu pintura, uma cobertura adicional de proteção. É o mesmo utilizado no vão central da ponte, há mais de 30 anos, que permanece lá com toda a qualidade e resistência", contextualizou.
O aço corten é utilizado na construção naval e na fabricação de equipamentos ferroviários. No caso dos vagões, o diretor explica que não há pintura, e a ponte também não teria. Mas houve uma modificação nos planos iniciais, a pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
"O órgão solicitou que fosse aplicada uma cobertura com a mesma tonalidade da ponte atual e partimos para a pintura nessa cor cinza", explicou o diretor.
Destacou ainda que o projeto executivo de engenharia apresentado para aprovação indicava que a estrutura metálica, incluindo as proteções laterais das ciclovias, seriam com aço tipo patinável corten, que adquire uma cor marrom avermelhada após ser exposto às intempéries, devido ao processo natural de oxidação.
"Tal cor poderia ser um elemento de contraste com a atual estrutura da Terceira Ponte e, consequentemente, afetar o bem tombado e a paisagem na qual se insere, conforme verificado nas simulações gráficas apresentadas pelos responsáveis pelo projeto", afirmou o Iphan.
"Por esse motivo, após discussões entre os responsáveis pelo projeto e a equipe técnica do Iphan no Estado, foi indicado pela Semobi, em março de 2021, que a estrutura seria pintada na cor cinza-claro. Trata-se do mesmo tom da estrutura existente, de forma a descartar qualquer possibilidade de contraste com a atual estrutura da Terceira Ponte. A sugestão foi acatada pelo Iphan e aprovada no projeto apresentado", destacou, em nota.
Peso vai ajudar no equilíbrio da ponte
O diretor explicou que para a construção da ciclovia, foram utilizados 3 mil toneladas de aço e que esse peso adicional vai contribuir para dar mais equilíbrio à estrutura da Terceira Ponte.
"Não que ela tenha algum problema, mas os dois lados da ciclovia vão funcionar como as asas de um avião, fazendo a dispersão de um vento mais uniforme. Anteriormente, a ponte era como um paredão, agora o vento se dispersa de modo mais uniforme e há um super equilíbrio", pontuou.
3 mil
Toneladas de aço utilizadas na ciclovia
No projeto inicial, a proposta era a de que o mirante da ciclovia contasse com proteção em vidro, possibilitando uma visão ainda mais limpa da Baía de Vitória, no entanto, também houve uma modificação, e o trecho ficou com grades, como no restante das pistas.
"O vidro não é um material adequado, porque forma um paredão de 100%, então ele tecnicamente não foi aprovado", contou o diretor. "Os estudos foram muito detalhados, fizemos um modelo reduzido da ponte colocado em um túnel de vento e demonstrou que a ponte fica mais estável com as grades e a ciclovia, mais do que é hoje", completou.
No corpo técnico de responsáveis pela obra, estão projetistas especialistas em estrutura metálica e construção de superestruturas em concreto armado, dentre eles temos o alemão Jürn Maertens, que fez parte da equipe da primeira versão da Terceira Ponte. "Ele é um dos calculistas que acompanhou toda a engenharia de desenvolvimento desde que ela foi criada, há mais de 30 anos, e hoje coroa sua participação no controle de qualidade de projeto", ressaltou José Emílio Brandão.
Referência para outros Estados
Ao longo da execução do projeto, o consórcio Agis-Metalvix recebeu mais de 50 visitas técnicas registradas de empresas de grande porte, como a Vale, ArcelorMittal, Usiminas, e de órgãos públicos. "Teve ainda a visita de outros Estados, como uma equipe da Ponte Rio-Niterói, interessados na execução de uma obra similar", relembrou o diretor.
José Emílio Brandão
Diretor do consórcio Agis-Metalvix
"A Metalvix-Agis tem em seu portfólio várias obras muito desafiadoras, na área de siderurgia, mineração, papel e celulose e infraestrutura, mas nenhum projeto como esse, que é executar uma obra a 70 metros de altura, com 3 mil toneladas distribuídas ao longo de seis quilômetros"
HOMENAGEM À CICLOATIVISTA
Anteriormente chamada de Ciclovia da Vida, devido ao objetivo do projeto em reduzir o índice de suicídios na Terceira Ponte, com as grades de proteção instaladas nas vias destinadas aos ciclistas, a ciclovia ganhou o nome da cicloativista capixaba Detinha Son. A alteração foi sancionada pelo governador Renato Casagrande (PSB) em dezembro de 2022, com a Lei nº 10.975.
A proposta do nome, de iniciativa do Executivo Estadual, foi encaminhada à Assembleia Legislativa no dia 24 de junho do ano passado. A preposição tem o objetivo de homenagear Deusdedet Alle Son, conhecida como Detinha. A cicloativista e educadora ambiental atuava de modo incisivo nos movimentos sociais ligados ao cicloativismo no Estado.
Detinha Son morreu na noite do dia 1º de julho de 2016. Ela estava internada em estado grave no Hospital São Lucas, hoje chamado Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), em Vitória, após sofrer um acidente de bicicleta. Amigos da família relataram na época que, antes do acidente, a cicloativista dava uma palestra sobre mobilidade urbana na 6ª Conferência das Cidades, em Bento Ferreira, Vitória.
Ao sair, ainda no estacionamento, um motorista abriu a porta do carro atingindo Detinha, que se desequilibrou e caiu da bicicleta, batendo com a cabeça no chão. Segundo uma publicação feita no dia do acidente pelas filhas, Nunah Alle e Noran Alle, Detinha foi diagnosticada com traumatismo craniano e ficou em coma.
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