Pesquisadores capixabas participaram de uma expedição a Fernando de Noronha (PE), na qual foram descobertas quatro espécies de peixes nunca vistas antes na natureza, e mostraram que a biodiversidade local é muito maior do que se sabia. O estudo teve início em 2019 e foi publicado no final do ano passado, mas ainda tem etapas em andamento.
A principal contribuição do Estado se deu com a disponibilidade e a operação do chamado ROV: uma espécie de mini submarino de operação remota que registrou a vida marinha a 150 metros de profundidade. O equipamento foi dirigido por João Batista Teixeira, aluno de pós-doutorado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
O trabalho mostrou que o arquipélago possui, pelo menos, 250 espécies de peixes, das quais 19 foram registradas pela primeira vez na região – um aumento de 8,2% na riqueza do ecossistema conhecido até então. Desse total, quatro são novos para todo o mundo: o peixe-gobídeo, o peixe-lagarto, o peixe-pedra e o peixe-afrodite.
Doutor em oceanografia biológica, o professor Agnaldo Silva Martins é responsável pelo laboratório da Ufes que disponibilizou o equipamento para a pesquisa e disse que ela só foi possível graças ao avanço da tecnologia, que se tornou mais numerosa e acessível, embora um ROV ainda chegue a custar mais de R$ 200 mil.
"Além do veículo de operação remota, usamos uma câmera fixa que fica no fundo do oceano com uma isca (Bruv) para atrair peixes maiores e tivemos o apoio de mergulhadores, que foram até 90 metros de profundidade. Com essas três técnicas, fizemos a pesquisa em recifes profundos, que são as áreas de maior diversidade marinha", explicou.
Agnaldo Silva Martins
Doutor em oceanografia biológica e professor do departamento de oceanografia da Ufes
"Estudar a biodiversidade em recife é um desafio. Ainda estamos na fase de saber quais animais existem, para depois pesquisar como eles vivem"
O trabalho de pesquisa nas ilhas de Fernando de Noronha durou 17 dias e aconteceu durante o mês de outubro de 2019. "O objetivo não era, necessariamente, descobrir atividades novas, mas conhecer melhor o ecossistema para que possa ser mais protegido. Um trabalho que tem sido feito no mundo todo", contou.
Apesar disso, com a recém-descoberta, um novo estudo precisou ser iniciado pela equipe. "Tem que fazer um detalhamento, uma descrição e outro artigo para ser publicado em um tipo específico de revista. Esse trabalho já está em andamento", disse Agnaldo, sem poder precisar a data na qual ele estará concluído.
Por enquanto, o que se sabe sobre os novos quatro peixes é que são pequenos e vivem nos buracos dos recifes. "Eles pertencem a famílias que têm várias espécies muito parecidas. Com o tempo vai ser possível ver que eles têm um tipo de dente mais especializado para algum tipo de alimento, por exemplo", contou.
Características como quanto tempo vivem e outros detalhes de comportamento, porém, devem demorar um pouco para serem conhecidos. "Para entender o que se diferencia na biologia é um trabalho mais adiante, porque é um estudo populacional, para saber o que é um padrão", esclareceu o professor.
Além dos laboratórios de nectologia e ictiologia da Ufes, o trabalho contou com apoio da Academia de Ciência da Califórnia (EUA). Pesquisadores de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro também integram a equipe. A expedição a Fernando de Noronha (PE) foi executada pela ONG Voz da Natureza, com apoio da Fundação O Boticário.
PELA VIDA MARINHA... RISCO DE MORTE
Para que o estudo fosse publicado no dia 14 de dezembro do ano passado na revista científica Neotropical Ichthyology, foi necessário realizar mergulhos profundos, feitos por especialistas do instituto californiano. Apesar de toda a experiência, esses mergulhadores colocaram a própria vida em risco, em nome da ciência.
Com mergulhos de 90 metros de profundidade, o tempo de permanência no fundo do mar precisava ser encurtado: eram apenas cerca de 15 minutos de coletas para três horas de subida lenta, de volta à superfície. Isso, porque o corpo humano precisa passar por um processo chamado de descompressão para sobreviver.
Basicamente, é dar o tempo necessário para o organismo expelir o nitrogênio por meio da respiração. "É um mal necessário, que envolve riscos. Fora que existe um limite: se a profundidade for muito grande, ele fica com resíduos de gás e, por isso, não pode voltar a mergulhar naquele dia", afirmou Agnaldo.
Segundo o professor, um ex-aluno dele já faleceu enquanto realizava a volta de um mergulho. "Há uns anos, perdemos um estudante que tinha feito o doutorado na Ufes. Ele passou mal durante a subida e não teve o que fazer. Minha expectativa é que, com a tecnologia, não seja mais necessário mergulho de alto risco", disse.
EXPEDIÇÃO PARA A ILHA DE TRINDADE
Semelhante ao que foi feito em Fernando de Noronha, os pesquisadores esperam explorar a Cadeia Vitória-Trindade — um caminho de vulcões extintos que fica entre a costa capixaba e a Ilha de Trindade e Martim Vaz, que fica a cerca de 1.200 km da Capital e é considerado o ponto mais remoto da costa brasileira.
A expectativa era ter realizado o trabalho no último verão, mas por causa da pandemia o estudo acabou sendo adiado. "O barco é um ambiente confinado, e se alguém passasse mal, seriam pelo menos dez dias de navegação para voltar", explicou Agnaldo. "Estamos nos organizando para o próximo verão", completou.
Apesar das parcerias ainda estarem sendo firmadas e o investimento total ser difícil de calcular, o professor pretende manter a mesma equipe que atuou no arquipélago pernambucano e revelou que a operação do barco "mais barato" já teria um custo de R$ 5 mil por dia. Podendo totalizar mais de R$ 100 mil.
A última expedição do tipo para a Ilha de Trindade e Martim Vaz aconteceu há cerca de dez anos. "Na época só foi feito o mergulho. Com as tecnologias atuais e o ROV, vamos conseguir explorar áreas mais profundas e ir mais longe. É uma região muito menos conhecida que Fernando de Noronha e que pode render a descoberta de várias espécies", adiantou.
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