Peixe-afrodite (Tosanoides sp.) é uma das novas espécies descobertas em Fernando de Noronha (PE)
Peixe-afrodite (Tosanoides sp.) é uma das novas espécies descobertas em Fernando de Noronha (PE). Crédito: Luiz A. Rocha | Divulgação

Cientistas do ES ajudam em descoberta de peixes em Fernando de Noronha

Parceria entre brasileiros e americanos encontrou quatro espécies novas no arquipélago; exploração parecida deve ocorrer na Ilha de Trindade

Publicado em 27/04/2021 às 19h34

Pesquisadores capixabas participaram de uma expedição a Fernando de Noronha (PE), na qual foram descobertas quatro espécies de peixes nunca vistas antes na natureza, e mostraram que a biodiversidade local é muito maior do que se sabia. O estudo teve início em 2019 e foi publicado no final do ano passado, mas ainda tem etapas em andamento.

A principal contribuição do Estado se deu com a disponibilidade e a operação do chamado ROV: uma espécie de mini submarino de operação remota que registrou a vida marinha a 150 metros de profundidade. O equipamento foi dirigido por João Batista Teixeira, aluno de pós-doutorado na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O trabalho mostrou que o arquipélago possui, pelo menos, 250 espécies de peixes, das quais 19 foram registradas pela primeira vez na região – um aumento de 8,2% na riqueza do ecossistema conhecido até então. Desse total, quatro são novos para todo o mundo: o peixe-gobídeo, o peixe-lagarto, o peixe-pedra e o peixe-afrodite.

Doutor em oceanografia biológica, o professor Agnaldo Silva Martins é responsável pelo laboratório da Ufes que disponibilizou o equipamento para a pesquisa e disse que ela só foi possível graças ao avanço da tecnologia, que se tornou mais numerosa e acessível, embora um ROV ainda chegue a custar mais de R$ 200 mil.

Nova espécie de peixe gobídeo
Nova espécie de peixe-gobídeo (Psilotris sp.) também foi descoberta durante a exploração no arquipélago. Crédito: Luiz A. Rocha | Divulgação

"Além do veículo de operação remota, usamos uma câmera fixa que fica no fundo do oceano com uma isca (Bruv) para atrair peixes maiores e tivemos o apoio de mergulhadores, que foram até 90 metros de profundidade. Com essas três técnicas, fizemos a pesquisa em recifes profundos, que são as áreas de maior diversidade marinha", explicou.

Agnaldo Silva Martins

Doutor em oceanografia biológica e professor do departamento de oceanografia da Ufes

"Estudar a biodiversidade em recife é um desafio. Ainda estamos na fase de saber quais animais existem, para depois pesquisar como eles vivem"

O trabalho de pesquisa nas ilhas de Fernando de Noronha durou 17 dias e aconteceu durante o mês de outubro de 2019. "O objetivo não era, necessariamente, descobrir atividades novas, mas conhecer melhor o ecossistema para que possa ser mais protegido. Um trabalho que tem sido feito no mundo todo", contou.

Apesar disso, com a recém-descoberta, um novo estudo precisou ser iniciado pela equipe. "Tem que fazer um detalhamento, uma descrição e outro artigo para ser publicado em um tipo específico de revista. Esse trabalho já está em andamento", disse Agnaldo, sem poder precisar a data na qual ele estará concluído.

Por enquanto, o que se sabe sobre os novos quatro peixes é que são pequenos e vivem nos buracos dos recifes. "Eles pertencem a famílias que têm várias espécies muito parecidas. Com o tempo vai ser possível ver que eles têm um tipo de dente mais especializado para algum tipo de alimento, por exemplo", contou.

Peixe-pedra (Scorpaena sp.)
O peixe-pedra (Scorpaena sp.) vive na reentrâncias dos recifes. Crédito: Luiz A. Rocha | Divulgação

Características como quanto tempo vivem e outros detalhes de comportamento, porém, devem demorar um pouco para serem conhecidos. "Para entender o que se diferencia na biologia é um trabalho mais adiante, porque é um estudo populacional, para saber o que é um padrão", esclareceu o professor.

Além dos laboratórios de nectologia e ictiologia da Ufes, o trabalho contou com apoio da Academia de Ciência da Califórnia (EUA). Pesquisadores de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro também integram a equipe. A expedição a Fernando de Noronha (PE) foi executada pela ONG Voz da Natureza, com apoio da Fundação O Boticário.

Peixe-lagarto (Synodus sp.) descoberto em Noronha
Peixe-lagarto (Synodus sp.) também foi descoberto em Noronha. Crédito: Luiz A. Rocha | Divulgação

PELA VIDA MARINHA... RISCO DE MORTE

Para que o estudo fosse publicado no dia 14 de dezembro do ano passado na revista científica Neotropical Ichthyology, foi necessário realizar mergulhos profundos, feitos por especialistas do instituto californiano. Apesar de toda a experiência, esses mergulhadores colocaram a própria vida em risco, em nome da ciência.

Com mergulhos de 90 metros de profundidade, o tempo de permanência no fundo do mar precisava ser encurtado: eram apenas cerca de 15 minutos de coletas para três horas de subida lenta, de volta à superfície. Isso, porque o corpo humano precisa passar por um processo chamado de descompressão para sobreviver.

Um dos mergulhadores da equipe explorando um recife mesofótico  (de média luminosidade) em Fernando de Noronha
Um dos mergulhadores da equipe explorando um recife mesofótico (de média luminosidade) em Fernando de Noronha . Crédito: Mauritius V. Bell | Divulgação

Basicamente, é dar o tempo necessário para o organismo expelir o nitrogênio por meio da respiração. "É um mal necessário, que envolve riscos. Fora que existe um limite: se a profundidade for muito grande, ele fica com resíduos de gás e, por isso, não pode voltar a mergulhar naquele dia", afirmou Agnaldo.

Segundo o professor, um ex-aluno dele já faleceu enquanto realizava a volta de um mergulho. "Há uns anos, perdemos um estudante que tinha feito o doutorado na Ufes. Ele passou mal durante a subida e não teve o que fazer. Minha expectativa é que, com a tecnologia, não seja mais necessário mergulho de alto risco", disse.

EXPEDIÇÃO PARA A ILHA DE TRINDADE

Semelhante ao que foi feito em Fernando de Noronha, os pesquisadores esperam explorar a Cadeia Vitória-Trindade — um caminho de vulcões extintos que fica entre a costa capixaba e a Ilha de Trindade e Martim Vaz, que fica a cerca de 1.200 km da Capital e é considerado o ponto mais remoto da costa brasileira.

A expectativa era ter realizado o trabalho no último verão, mas por causa da pandemia o estudo acabou sendo adiado. "O barco é um ambiente confinado, e se alguém passasse mal, seriam pelo menos dez dias de navegação para voltar", explicou Agnaldo. "Estamos nos organizando para o próximo verão", completou.

A Gazeta acompanhou expedição de pesquisadores da Ufes até a Ilha da Trindade
A Ilha de Trindade fica a mais de mil quilômetros da costa do Espírito Santo. Crédito: Carlos Alberto Silva

Apesar das parcerias ainda estarem sendo firmadas e o investimento total ser difícil de calcular, o professor pretende manter a mesma equipe que atuou no arquipélago pernambucano e revelou que a operação do barco "mais barato" já teria um custo de R$ 5 mil por dia. Podendo totalizar mais de R$ 100 mil.

A última expedição do tipo para a Ilha de Trindade e Martim Vaz aconteceu há cerca de dez anos. "Na época só foi feito o mergulho. Com as tecnologias atuais e o ROV, vamos conseguir explorar áreas mais profundas e ir mais longe. É uma região muito menos conhecida que Fernando de Noronha e que pode render a descoberta de várias espécies", adiantou.

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