Colorismo: forma de racismo que classifica pessoa pelo tom da pele
Colorismo: forma de racismo que classifica pessoa pelo tom da pele. Crédito: Arte: Geraldo Neto

Colorismo: negros explicam como tom da pele define o racismo que sofrem

Entenda como o país em que a miscigenação foi um projeto de embranquecimento populacional, discrimina de forma diferente pessoas pretas e pardas

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 19/11/2023 às 08h37

Passados 20 anos formalização do Dia da Consciência Negra no Brasil, celebrado em 20 de novembro, o debate sobre as formas de opressão sofridas entre pessoas negras de diferentes tons de pele ainda é imprescindível. Essa discriminação, conhecida como colorismo, produz impactos na vida de pessoas pretas e pardas todos os dias.

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Considerado como um braço do racismo, o colorismo é a determinação de que a cor da pele define como a pessoa negra é tratada. Ou seja, pessoas de pele mais escura estão mais distantes dos chamados padrões sociais, sendo vistas por parcela da sociedade como inferiores, incapazes, violentas e indignas de amor e qualidade de vida. Já as pessoas negras com tons de pele mais claro, chamadas de pardas, também sofrem com o racismo estrutural, porém, por estarem mais próximas a um padrão social que valoriza pele branca, possuem mais acessos na sociedade.

A empreendedora Winy Fabiano, mulher negra retinta, contou que sente a diferença no tratamento. Além de ter que lidar com as questões do racismo estrutural, pessoas com o seu tom de pele, ressalta, são menosprezadas e sofrem com mais violência na sociedade.

“Passei por várias situações, principalmente em que as pessoas não me associaram à inteligência pelo tom da minha pele. Além de não sermos vistos como inteligentes e capazes, somos vistos sempre em um lugar de servidão e submissão. Quando, com a minha capacidade, ocupei um lugar de destaque, ainda tive que ouvir me chamarem de ‘neguinha afrontosa’”, relata Winy.

Winy Fabiano é empreendedora e idealizadora da Ubuntu Quitutes Produções.
Winy Fabiano é empreendedora e idealizadora da Ubuntu Quitutes Produções. Crédito: Acervo pessoal

Para Felipe Dutra, o preconceito veio de forma diferente. Segundo o estudante de jornalismo, por ser um jovem negro de pele mais clara, a sociedade nem sempre o trata como uma pessoa negra, mas usa termos para ‘clareá-lo’, o que dificultou seu processo de identificação na sociedade.

Ele conta que só teve a certeza de ser uma pessoa negra em 2021, com 19 anos. Ele havia entrado na faculdade e, conversando com outros alunos negros, entendeu que a negritude ia muito além da cor da pele, e tinha muito a ver com traços físicos afrodescendentes, alguns dos quais ele tem.

"Quando nasci, fui registrado como uma criança branca e, ao longo da vida, sempre sofri por não me identificarem como negro. As pessoas até hoje têm dificuldades de me chamarem de negro. Já escutei todo tipo apelido: alguns, como café com leite ou moreninho, sempre eram usados com uma intenção mais afetuosa, mas outros, como 'escurinho', por exemplo, são mais pejorativos”, conta Felipe.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define negro como uma categoria de identificação sociopolítica em que se enquadram pessoas com os tons de pele preto e pardo. Logo, a pessoa parda, apesar de possuir a pele mais clara, também é considerada negra.

Conforme dados do IBGE, pretos e pardos representam 56% da população brasileira e também 73% das pessoas abaixo da linha da extrema pobreza. Mais de 10 milhões de trabalhadores negros estão procurando emprego no país e quase 80% das pessoas que morrem em confrontos com a polícia no Brasil são negras.

Felipe Dutra
O universitário Felipe Dutra se reconheceu como negro somente após ingressar na faculdade. Crédito: Carlos Alberto Silva

Pensando nisso, a artista brasileira Angélica Dass desenvolveu o projeto fotográfico 'Humanae' que busca documentar a diversidade de cores da humanidade para além da das etiquetas“branco”, “vermelho”, “preto” e “amarelo” associadas à raça. O projeto retratou 4,5 mil voluntários em 20 países e, segundo a artista, nessa experiência ao redor do mundo há algo que sempre se repete.

“Não importa onde eu esteja, a narrativa é sempre a mesma: cores escuras são associadas a adjetivos negativos e cores claras a adjetivos positivos. A desumanização dos seres humanos de acordo com a quantidade de melanina que temos em nossa pele é o legado do colonialismo, é a história da humanidade e temos que enfrentar esses problemas juntos. No Brasil, muitas vezes tenho a sensação de que 13 de maio de 1888 foi ontem”, reflete a artista. 

Angélica Dass em palestra sobre o projeto Humanae.
Angélica Dass em palestra sobre o projeto Humanae. Crédito: Bret Hartman

Como surgiu o colorismo

O colorismo é praticado desde o século XVI, porém foi nomeado na década de 1980 pela escritora e ativista afroamericana Alice Walker.

No Brasil, essa opressão tomou diferentes proporções, já que na sociedade brasileira foi propagado o mito da democracia racial que tornou o racismo um preconceito velado, estrutural e institucional. 

 Em 1911, surgiu no Brasil um projeto político de embranquecimento da população, que levou à miscigenação, algo nunca visto no mundo. A intenção era, em até 100 anos, ter um país mais branco, logo, no entendimento dos que o implantaram, mais civilizado. 

Para a historiadora Luciene Carla Corrêa Francelino, é importante compreender que o racismo tem forte fundamentação histórica e foi politicamente pensado e construído. 

Luciene Carla Corrêa Francelino é historiadora e escritora do livro
Luciene Carla Corrêa Francelino escreveu o livro "A construção histórica do racismo e a luta antirracista". Crédito: Acervo pessoal

“O racismo é complexo, cruel e foi historicamente elaborado de forma filosófica, tecnológica e pseudocientífica. Essa opressão não pode ser vista como um sentimento, pois ela é uma ideologia que está sendo disseminada há séculos. Então, combater e entender esse preconceito é também uma tarefa complexa, mas necessária. Achar que em um estalar de dedos apagaremos mais de 400 anos de violência é surreal", analisa Luciene, autora do livro 'A Construção Histórica do Racismo e a Luta Antirracista'.

Então, como combater esse preconceito? Segundo a historiadora, existem diversos caminhos que levam à luta antirracista, mas o principal é a educação. “ Falar sobre esses temas polêmicos é importante para entender o racismo e como funciona. Por isso, o acesso à informação e à educação sobre o racismo e cultura negra, de forma simples e prática, são uma das principais formas de desarticulá-lo.”

O Dia da Consciência Negra no Brasil é celebrado em 20 de novembro e foi formalizado nacionalmente em 2003.
O Dia da Consciência Negra no Brasil é celebrado em 20 de novembro e foi formalizado nacionalmente em 2003. Crédito: Freepik

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