As inúmeras violências sofridas por Araceli Cabrera Crespo, que tinha apenas 8 anos quando foi sequestrada, estuprada e morta, revelam que, naquele período da década de 1970, a legislação brasileira praticamente não previa normas de proteção a crianças e adolescentes. Mas, no decorrer dessas cinco décadas, mudanças significativas ocorreram, ampliando os direitos de meninos e meninas e buscando resguardá-los de agressões e outros abusos.
Professor de Direito Penal e Constitucional da Ufes, Ricardo Gueiros aponta que, na época do desaparecimento e morte de Araceli, estava vigente no país o 1º Código de Menores. Tanto essa legislação, de 1927, quanto o 2º código, editado em 1979, se restringiam àqueles que estavam em “situação irregular”, isto é, crianças abandonadas ou infratoras, do ponto de vista da lei.
“Os Códigos anteriores ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispensavam o mesmo tratamento às crianças órfãs, abandonadas, fora da escola e aos adolescentes que haviam cometido atos infracionais. Prevalecia a perspectiva de confinamento, segregação social”, observa.
A Constituição Federal de 1988 trouxe, segundo o professor, uma mudança de paradigma em seu artigo 227, deixando de utilizar o termo menores e tratando o público infantojuvenil como prioridade e com direitos. Dois anos depois, o ECA regulamentou o artigo e, assim, instituiu uma nova doutrina de proteção a crianças e adolescentes.
Ricardo Gueiros lembra que, após o estatuto, outras leis foram aprovadas para complementar os princípios e propósitos do ECA.
- Lei 13.010/2014 - conhecida como Lei Menino Bernardo, incluiu no Estatuto dispositivos para vedar o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina ou educação.
- Lei 13.431/2017 - protege criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência, regulamentando os instrumentos do depoimento especial e a escuta especializada.
- Lei 14.344/2022 - conhecida como Lei Henry Borel, prevê mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.
Na avaliação do professor da Ufes, o ECA foi o primeiro grande marco na legislação para meninos e meninas. “O Estatuto definiu a criança e o adolescente como sujeito de direitos e reconheceu a condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram, reforçando a necessidade de prioridade absoluta. A proteção é tratada com maior relevância que a punição”, valoriza.
O ECA, ressalta Ricardo Gueiros, instituiu uma nova ordem onde os direitos de crianças e adolescentes geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. É a partir do estatuto que são criados os conselhos de direitos e os conselhos tutelares que, conforme frisa o professor, são fundamentais para implementação das políticas de atendimento e proteção.
Outra lei importante é a 9.970/00, que instituiu o 18 de maio, dia do desaparecimento da Araceli, como uma data simbólica de combate ao abuso e exploração sexual infantil.
“A existência da data simbólica estimula o debate sobre o tema e ajuda o aumento no número de notificações nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Imprescindível a necessidade do aumento da visibilidade do problema e a importância da denúncia anônima para que a rede de proteção da criança e adolescente seja notificada.”
O professor diz que a falta de denúncia dificulta o entendimento do problema e a formulação de políticas públicas, programas e projetos, bem como a responsabilização dos agressores. Em sua opinião, a prevenção da violência sexual infantil ainda é uma das melhores formas de enfrentar esse cenário.
Mais recentemente, em agosto do ano passado, foi instituída a campanha Maio Laranja, também destinada à promoção de ações de enfrentamento à violência sexual contra meninos e meninas. Entre as iniciativas propostas para este mês, estão a realização de palestras e atividades educativas, campanhas publicitárias de conscientização e iluminação de prédios públicos com a cor indicada.
Já em maio de 2014 foi sancionada a lei 12.978, que tornou hediondo o crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de crianças e adolescentes. Com a medida, o autor não pode obter anistia, indulto ou pagar fiança e a pena é de reclusão de 4 a 10 anos de prisão. Anteriormente, o estupro de menores de 14 anos também já estava classificado na lei do Crime Hediondo, de 1990.
Para Ricardo Gueiros, a legislação atual é abrangente e ele não vislumbra que o incremento de novas leis possa ser a solução para enfrentar a violência infantil.
“Falo de uma forma geral. O que importa, sem dúvida, são políticas públicas que visem à conscientização e, principalmente, à proteção da criança e do adolescente, segundo as lei já existentes. Jogar as esperanças em lei futuras apenas nos fazem ter a sensação que estamos na velha história daquele que persegue o peixe que já está na vara de pescar.”
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