Vitória, 472 anos
Vitória, 472 anos. Crédito: Arte AG

Como era Vitória há 100, 200, 300 e 400 anos? Veja evolução em mapas

No aniversário de 472 anos da Capital do Espírito Santo, confira as mudanças econômicas, sociais e territoriais na ilha nesses quatro séculos

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Vitória
Publicado em 08/09/2023 às 08h08

Vila do Açúcar, Ilha do Mel, Cidade Sol, Cidade Presépio, Vitorinha, Vix... Vários são os apelidos da capital do Espírito Santo, que completa 472 anos nesta sexta-feira (8). E eles são, de certa forma, um reflexo de como se deu a construção de Vitória nestes quatro séculos de existência.

Moradores mais velhos se lembrarão, por exemplo, de quando a praia era, literalmente, no quintal de casa, além das edificações no estilo colonial que rodeavam a cidade.

A modernização acabou levando a Capital para uma outra formatação de terreno, especialmente devido aos aterros na ilha, que "afastaram" o mar das residências e comércios. E hoje, ao andar pelas ruas de Vitória, os nostálgicos ainda poderão encontrar resquícios de outras eras, no entanto, os prédios históricos agora se apertam entre os modernos edifícios.

A estruturação do município foi acolhendo melhor quem ali já residia e trazendo novos moradores. Atualmente, são 322.869 habitantes, de acordo com o Censo 2022. Mas um dos primeiros registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, quando ainda era vila, havia apenas 7.225 pessoas.

Constantes mudanças nos âmbitos sociais, econômicos e de infraestrutura fizeram Vitória chegar ao que é. E, apesar de não ter mais espaço geográfico para aumentar em tamanho, ainda há possibilidades de crescimento dentro da cidade em relação a melhorias e investimentos. 

1500-1600: início limitador

Ilha de Duarte de Lemos. Crédito: Arte AG em imagem do APEES
Ilha de Duarte de Lemos. Crédito: Arte AG em imagem do APEES

Ilha de Santo Antônio. Esse foi o primeiro nome dado a Vitória, que, na época, pertencia ao fidalgo Duarte de Lemos, que recebeu a terra de Vasco Fernandes Coutinho — o primeiro donatário da Capitania do Espírito Santo — em 1537. Até então, o local não passava de uma propriedade de um membro da nobreza, mas, em 1551, tornou-se a sede da capitania. A alteração não foi só de prestígio, mas também no nome, passando a se chamar Villa da Victória.

Esse é o início da história da capital do Estado. Delimitada pelo mar, a cidade começou a ser construída com traços do que seria hoje. As áreas onde ficam atualmente a Cidade Alta e o Morro da Fonte Grande, por exemplo, são as mesmas desde aquela época.

A Cidade Alta é a região onde, nos anos 1500, o núcleo fundacional de Vitória foi erguido, bem em cima de uma encosta de 30 metros de altura. Cercado pelo mar, pelo relevo maciço central — hoje Morro da Fonte Grande — e por áreas alagadiças, seu  crescimento ficou restrito e limitante.

Ladeira Caramuru, na cidade alta, antes da construção do viaduto
Ladeira Caramuru, na Cidade Alta, antes da construção do viaduto. Crédito: Biblioteca Central e Centro de Artes da Ufes

“Apesar de não ser propícia ao desenvolvimento, a escolha do local pelos portugueses para fixação do principal núcleo urbano do Espírito Santo apresentava-se como uma considerável opção devido ao fato de o terreno acidentado servir de defesa à invasão de corsários e aos ataques dos nativos”, explica Gilton Ferreira, doutor em história urbana da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Já as moradias eram casarios contínuos e livres, segundo o livro “Vitória: cidade e presépio; os vazios da capital capixaba”, de Peter Monteiro. Ainda de acordo com a publicação, as residências ficavam em ruas tortuosas, com terrenos e quadras de dimensões irregulares; tudo isso era o reflexo da topografia da colina.

Essa formação permaneceu por longos anos, com pequenos acréscimos, como o Forte São João. Quem morava no local tinha uma visão bucólica devido à prevalência de muitas árvores, morros e do mar.

O desenvolvimento da vila deu-se, na época, pela presença de jesuítas, que implantaram fazendas e aldeias ao longo do litoral capixaba. A intenção era para proveito próprio, mas foi o pontapé para o futuro econômico tanto de Vitória quanto do Espírito Santo — que demorou, mas aconteceu.

Para se ter uma ideia, até a segunda metade dos anos 1800, o Estado ainda apresentava um quadro de desenvolvimento pouco satisfatório. “Não havia nenhum empreendimento marcante. Diante desse quadro, as dificuldades de uma ação empreendedora eram vinculadas não somente à falta de capital, mas também de lideranças comprometidas com o desenvolvimento local”, conta o Ferreira.

As mudanças só começaram a acontecer quando as finanças estaduais permitiram, juntamente com a ascensão de políticos mais engajados ao processo nacional de desenvolvimento.

1700: força da Corte X força dos escravos negros

Em 1790, a Villa da Victória tinha cerca de 7 mil habitantes. Crédito: Arte AG em imagem do APEES
Em 1790, a Villa da Victória tinha cerca de 7 mil habitantes. Crédito: Arte AG em imagem do APEES

Com 200 anos de existência, Vitória ainda não era uma cidade. A Villa da Victória, também conhecida como Vila do Açúcar pela prosperidade com o produto, passou por problemas devido a ordens portuguesas, que impediram navios de grande porte de passagem pela costa capixaba de parar no Espírito Santo.

Além disso, em 1759, o Marquês de Pombal, o então todo-poderoso secretário de Estado em Portugal, expulsou os jesuítas. Com isso, as construções dos religiosos que foram o começo da cidade passaram a ser posse da Coroa, como a Igreja de São Tiago — hoje, Palácio Anchieta —, engenhos de açúcar, colégios e fazendas, entre outras propriedades.

Nesse cenário de estagnação econômica e com a proibição da Corte, em 1790, a ilha tinha 7.225 habitantes, dos quais 4.898 eram escravos negros. A força negra faz parte da história da Capital por ser quem ergueu muitos dos prédios e lutou para a construção de referências culturais e religiosas.

Entre elas está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, cuja obra foi iniciada em 1765. Sua estrutura principal foi erguida em apenas dois anos pelos membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Foram eles que reivindicaram ao bispo da Bahia (a quem o Espírito Santo devia obediência) licença para construir o templo. Além de Nossa Senhora, queriam um local para louvar São Benedito, o santo negro. 

Também era pelos ombros dos escravos que o abastecimento de água nas casas era feito nas fontes Grande e da Capixaba, as maiores da época. Apenas o Convento de São Francisco tinha água corrente por conta de um aqueduto ligado à Fonte Grande. Era a única construção da cidade com esse privilégio. As demais casas contavam com poços em seus quintais.

Caminhar pela Vitória dos anos 1700 era como caminhar na mesma região de 100 anos antes. Isso porque as ruas ainda eram tortuosas, estreitas, sem pavimentação. Esgoto e tratamento sanitário eram distantes da realidade de quem morava no local.

À noite, os moradores contavam somente com a luminosidade da lua e das estrelas ou com a luz fraca de lâmpadas a óleo de mamona ou azeite de peixe. As lamparinas ficavam em lugares estratégicos: pórticos de conventos e igrejas, nichos de imagens de santos (feitos por devotos) ou nos portões do forte à beira-mar.

1800: bairros da Serra já foram de Vitória

Planta geral da cidade de Vitória em 1895. Crédito: Arte AG em desenho de André Carloni
Planta geral da cidade de Vitória em 1895. Crédito: Arte AG em desenho de André Carloni

O século de 1800 foi de crescimento para a capital do Estado, tanto de "status" quanto territorial. De vila, ela passou a ser considerada cidade e, em 1823, passou a se chamar somente Vitória. Além disso, anexou novos terrenos. Dois deles hoje, aliás, são do município da Serra. Os bairros Queimado e Carapina foram integrados, respectivamente, em 1846 e 1837 — ambos permaneceram como parte da ilha até 1943. Nesse período, foram erguidos grandes símbolos capixabas, como a Matriz de Queimados, hoje ruínas de São José do Queimado. 

 Nas construções que surgiam por Vitória à época, o "ar provincial" dominava a arquitetura tanto dos edifícios públicos quanto privados. Isso porque a localidade até então se apresentava como uma cidade colonial portuguesa.

Ao dar uma volta no Centro de Vitória nos dias atuais, ainda é possível ver edificações desse período na Rua José Marcelino, na Cidade Alta, por exemplo. Todas são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Casas na Rua José Marcelino, Cidade Alta, Centro de Vitória, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Imóveis na Rua José Marcelino, Cidade Alta, Centro de Vitória, tombadas pelo Iphan . Crédito: Secretária de Estado da Cultura

O processo construtivo, além de representar uma influência dos colonizadores, também era uma das principais fontes de renda. Isso porque o aluguel de escravos como mão de obra nas construções se tornou frequente.

“Isso gerou uma considerável remuneração ao senhor de escravos a ponto de se tornar interessante ao proprietário enviar o cativo para trabalhar em outra província”, explicou o especialista em geografia urbana e regional Vanderson Moreira Silva Alves.

Por essa razão, os preços das habitações começaram a subir e a parcela com menos poder financeiro não conseguia pagar. Então, construía suas casas com as próprias mãos e recursos. Com isso, por volta de 1862, surgiam moradias de pau a pique, adobe, taipa de tijolos, além de pedra e cal. 

A catalogação de Vanderson informa ainda que existiam na cidade dois hospitais (um para ricos e um para pobres), um teatro, uma sala de baile, quatro chafarizes, 310 sobrados, 731 casas térreas, um espaço para tipografia, uma igreja matriz, 12 capelas filiais e quatro praças. A título de comparação, só no bairro Jardim da Penha, em 2023, existem sete praças.

Quem morava na região central era privilegiado com o mar como quintal de casa. As residências eram bem próximas à água em algumas localidades, sendo uma delas a Rua do Ouvidor, conhecida como Rua da Praia — hoje Duque de Caxias. Essa antiga beira-mar teve fim quando os aterros chegaram e, com eles, a obra da Avenida Jerônimo Monteiro.

Vitória, nos anos 1800, ainda foi precursora do protestantismo no Estado. O primeiro salão da cidade foi aberto destinado a pregar o evangelho protestante.

Economia e evolução

O açúcar era até então o principal produto econômico da Capital, mas o café começou a ascender por volta de 1840. Nos anos seguintes, a expansão cafeeira aumentou, assim como sua exportação. A cidade, então, começou a se modernizar devido aos investimentos do governo advindos do crescimento dessa lavoura.

No final do século XIX, 99 novos prédios residenciais foram registrados, além da instalação de fábricas e casas de negócios. O livro "Espírito-Santense" registra, em um período de 15 anos, entre 1874 e 1889, 18 casas de negócios de alto e pequeno varejo, assim como quatro de vendas por atacado: as dos Srs. Wetzel & Cia, José Pinto Guimarães, Madeira & Cia e Figueiredo & Trinxet.

Além disso, havia cinco fábricas em atividade na Capital: a de sabão e velas do Sr. Madeira, a de cerveja dos Srs. Serrat & Schimidt, a de refinação de açúcar do Sr. Pedro Marques, a de objeto de selleiros do Sr. Antonio Guimarães e a fábrica de gás do Sr. Guilherme dos Santos.

Porém a agricultura era o grande segmento da economia, e o mercado de trabalho ainda era focado nesse setor, sendo o destino tanto de escravos quanto de pessoas livres. Os lavradores representavam, ao total, 2.630 profissionais.

1900: aterros dão novas formas à cidade

Mapa de Vitória em 1946. Crédito: Prefeitura de Vitória
Mapa de Vitória em 1946. Crédito: Prefeitura de Vitória

No século XX, Vitória expandiu, chegando a uma população de mais de 209 mil pessoas. A mudança e o crescimento —  econômico, social e territorial — vieram com os grandes aterros e construções, tanto privadas quando públicas, além da implantação de serviços de saneamento.

Com os aterros, praias e enseadas foram ligadas a ilhas e afloramentos rochosos, modificando os limites da cidade com o mar. Em 1970 e 1980, por exemplo, desapareceram as praias Comprida, Santa Helena, do Canto e Suá e ocorreu a incorporação das ilhas do Boi e do Frade. Ambas se tornaram bairros com alto investimento imobiliário, setor que foi parte do foco econômico na época, junto à industrialização.

Aconteceu também, a conclusão do aterro da Ilha do Príncipe com a instalação da nova rodoviária e a construção da segunda ligação da ilha com o continente. Outros aterros e obras também foram essenciais para a urbanização de Vitória, como: 

  • Aterro do mangue no Campinho — atual região do Parque Moscoso — concluído em 1912;
  • Obras de aparelhamento do Porto de Vitória, que possibilitaram a exportação de café, considerado já naquele momento como o principal produto da economia capixaba;
  • Renovação do núcleo antigo da cidade, com a retificação e ampliação de vias, dos serviços de água, drenagem e de limpeza pública;
  • Aterros nas regiões do bairro São João, Ilha de Santa Maria e Jucutuquara, nos anos 20;
  • Implantação do projeto "Novo Arrabalde", de Saturnino de Brito, ampliando em cinco vezes a área da cidade;
  • Melhoria nas estradas de Jucutuquara, Bomba e Goiabeiras;
  • Instalação do bonde elétrico, com a ampliação da linha ligando Santo Antônio até a Praia do Suá e a implantação da linha circular, unindo a cidade alta à baixa;
  • Construção da Ponte Florentino Avidos, possibilitando a ligação de Vitória à Ilha do Príncipe e ao continente.
Aterro do Campinho
Os aterros ajudaram a expandir o território da Capital. Crédito: Arquivo Geral de Vitória

E, já no final do século passado, a industrialização se fortaleceu. Em 1976, ocorre a implantação da Companhia Siderúrgica de Tubarão (1976) ao lado das instalações portuárias da então Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje Vale.

O impacto dessas empresas foi signficativo na cidade: as instalações da CST e da CVRD representaram nada mais do que cerca de 1/3 da mancha urbana total do município. Isso mostra como a chegada de grandes indústrias ajudou a moldar Vitória até suas formas mais recentes.

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