Técnico em Enfermagem durante atendimento à paciente com a Covid-19
Técnico em Enfermagem durante atendimento à paciente com a Covid-19 . Crédito: Carlos Alberto Silva

Correria, lágrimas e gratidão: a guerra contra a Covid em hospital do ES

Reportagem exclusiva de A Gazeta  acompanhou  durante cinco dias todo o empenho dos profissionais da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para salvar doentes com Covid-19 em estado grave

Publicado em 29/07/2020 às 17h44
Atualizado em 30/07/2020 às 16h42

As luzes se apagam. A escuridão toma conta da UTI por dois segundos, após uma queda da rede elétrica. Nesse exato momento, o corpo de uma jovem acaba de deixar o setor. Apagam-se ali também 25 anos de vida, muitos sonhos e uma luta diária contra o coronavírus.

“Quando deu entrada no hospital, ela ainda tinha 24 anos. Uma paciente sem nenhuma comorbidade, sem doença prévia, mas que acabou evoluindo para a forma extremamente grave e agressiva da doença”, lamenta o médico Otílio Canuto, que cuidou da vítima durante 60 dias de internação.

Essa foi uma das duras perdas sentidas por ele e pela equipe da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Evangélico de Vila Velha, registradas pela reportagem de A Gazeta, que, durante cinco dias, acompanhou o empenho dos profissionais de saúde para salvar doentes com Covid-19 em estado grave.

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EMOÇÃO

Sentada numa cadeira, a enfermeira Laís de Castro, 25 anos, chora abraçada à fisioterapeuta Larissa Giovannetti, de 26 anos. “São meses muitos difíceis. Temos momentos bons, de cura. Mas, infelizmente, também temos perdas. Desmoronar e ganhar um abraço é necessário às vezes”, desabafa.

Um abraço cheio de emoção e de lágrimas. O motivo é a perda de um paciente.
A enfermeira Laís de Castro chora abraçada à fisioterapeuta Larissa Giovannetti pela morte de paciente. Crédito: Carlos Alberto Silva

No semblante de Otílio, de 35 anos, também é visível a tristeza pela morte da moça que fez aniversário dentro da UTI. “Comemoramos os 25 anos dela aqui”, relembra mostrando uma foto no celular, na qual aparece a equipe de saúde em volta do leito dela, enfeitado com bolas brancas e frases carinhosas.

O médico estava tão determinado a ajudar na recuperação da jovem que mandou um e-mail para Laís Souza, ex-ginasta que ficou tetraplégica após um acidente, pedindo que gravasse um vídeo motivacional. “Eu achava que isso faria a nossa menina seguir firme na luta. Mas, infelizmente, ela nos deixou antes que visse a mensagem”, lamenta Otílio emocionado.

O médico Otílio Canuto preparado para mais um procedimento
Médico Otílio Canuto paramentado para realizar procedimento médico na UTI. Crédito: Carlos Alberto Silva

Ele respira, se controla. O dia começou com dor, mas outro doente, neste momento, precisa de seus cuidados. Com o auxílio da acadêmica de Medicina, Bruna Romano Correia, de 23 anos, Otílio faz um pequeno procedimento cirúrgico para iniciar a hemodiálise em um paciente com Covid-19.

Bruna está paramentada com um avental cirúrgico de tecido esterilizado e luvas. Para evitar contato e contaminação, ela mantém as duas mãos para cima. Quem assiste de longe a cena têm a impressão de que está em oração. A universitária, que se forma no fim do ano, foi recrutada por um projeto do Ministério da Saúde, voltado a estudantes de Medicina que querem atuar no combate ao coronavírus.

“Medo de trabalhar em um ambiente com risco de contágio, todo mundo tem. Mas, pelo lado acadêmico, está sendo uma oportunidade incrível viver isso de perto e se sentir útil, principalmente no momento em que estamos conhecendo a evolução de uma doença nova”, comenta.

Para evitar contato e a contaminação do capote e das luvas. Quem vê a cena tem a certeza de que ela está fazendo uma oração.
A estudante de Medicina Bruna Romano se prepara para auxiliar o médico em um procedimento cirúrgico em paciente com coronavírus. Crédito: Carlos Alberto Silva

FAMÍLIA

Em outro box da UTI, Larissa faz o trabalho de atividade muscular em uma paciente idosa. Doentes graves internados com Covid-19 podem ficar longos períodos estáticos. Muitos deles também precisam de ventilação mecânica. “Auxiliamos os pacientes na mobilidade e manutenção das vias aéreas”, explica a fisioterapeuta.

Além das limitações físicas, a equipe de saúde do hospital tenta minimizar o desgaste emocional dos hospitalizados, que, durante a pandemia, não podem receber visita de parentes.

O seu Ilvaldo Balbino da Silva durante a Visita Virtual. Na foto, a reportagem acompanha o bate-papo. Na foto, a reportagem acompanha o bate-papo
O produtor rural Ilvaldo Balbino da Silva, 56 anos, conversa com a esposa por videochamada. Crédito: Carlos Alberto Silva

Para diminuir essa angústia, o Hospital Evangélico criou o Visita Virtual, com conversas por videochamadas entre internados e familiares, viabilizadas por psicólogos. “Além de manter o vínculo familiar, é uma maneira de fornecer apoio psicológico ao paciente durante esse período”, explica Camyla Bastos, coordenadora da iniciativa.

“Esse projeto é uma maravilha, nos alivia. Cheguei a passar mal de tanta preocupação, porque fiquei muito ansiosa. Mas me senti melhor só de poder ver meu marido. Saber que ele está bem, foi muito bom”, diz Rousilane Rosa Morais da Silva, casada com o produtor rural Ilvaldo Balbino da Silva, de 56 anos, que foi internado com a Covid-19.

Por telefone, as famílias também recebem informações. Todos os dias, a partir das 10 horas, um médico liga para os familiares de cada paciente para repassar o estado de saúde.

MUDANÇAS

Inaugurado em 1972, o Hospital Evangélico de Vila Velha é referência em urgência e emergência cardiovascular, mas a pandemia do coronavírus mudou o perfil de atendimento. “Antes, nosso trabalho era mais ligado ao cirúrgico, com características voltadas para o um perfil cardiológico. Hoje, por causa da Covid-19, o hospital se tornou basicamente clínico”, explica a superintendente Sirlene Motta.

O quadro de funcionários aumentou para 1.335, com a contratação de 105 profissionais, e dos 69 leitos distribuídos em sete UTIs da entidade filantrópica, 49 foram direcionados para o tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus  - somente 20 são destinados a pacientes com outras enfermidades. 

A fisioterapeuta Rhamyli Dalvi durante o trabalho de atividade muscular nas pernas de uma paciente. Equipe durante a manobra chamada pronar. Essa manobra ajuda o paciente a respirar melhor
Rotina na UTI: Equipe faz manobra de prona para o paciente respirar melhor; a fisioterapeuta Rhamyli Dalvi realiza trabalho de atividade muscular nas pernas do paciente; e enfermeira segura seringas com medicação. Crédito: Carlos Alberto Silva

Cuidados com a assepsia também foram redobrados para afastar riscos de contaminação. Além da máscara convencional, é preciso usar uma segunda máscara de plástico, que cobre toda face, e duas luvas cirúrgicas em cada mão. Ao final, antes de sair do box da UTI, o jaleco de plástico e as luvas precisam ser descartados.

Quando um paciente morre na UTI, a equipe de limpeza é acionada para fazer a lavagem de todas as áreas do box com água, sabão e desinfetante. Tudo dentro dele é desinfetado antes de receber um novo paciente.

Proteção total e muita limpeza na luta contra  o coronavírus dentro das UTIs
Limpeza criteriosa é aliada na luta contra o coronavírus dentro das UTIs. Crédito: Carlos Alberto Silva

O período da manhã nos hospitais costuma ser intenso. É a hora de higienizar os pacientes, trocar as roupas de cama, administrar medicação. Mas, durante a pandemia do coronavírus, o trabalho ficou ainda mais exaustivo.

PLANTÃO

Os preparativos para o plantão de Gedealvares Junior começa às 7h45. Médico intensivista e coordenador das UTIs do hospital, ele troca sua roupa casual pelo traje hospitalar. Coloca também dois tipos de máscara, para evitar ao máximo contaminação, e inicia a ronda diária pelas sete UTIs.

Doutor Junior – como é mais conhecido - ouve da equipe multidisciplinar, formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros profissionais, relatos sobre o estado de saúde de todos os pacientes, um por um. Juntos, eles traçam a melhor estratégia para cada caso.

Doutor Junior ouve o relato sobre o estado de saúde do internado e, depois, traça com a equipe a melhor conduta para o tratamento
Doutor Junior ouve relatos sobre o estado de cada paciente e, junto com a equipe, traça estratégias de tratamento. Crédito: Carlos Alberto Silva

Mas logo esse protocolo é interrompido por um chamado vindo da UTI 2. Ele corre pelos corredores e chega ao box 6, onde já está a doutora Liz Marion socorrendo a paciente: uma mulher de 35 anos teve uma parada cardíaca e está em estado gravíssimo.

Olhares compenetrados cercam a paciente. Mais gente se junta à porta do box para acompanhar os procedimentos, ajudar no que for preciso e torcer para que tudo dê certo. Porém, o esforço da equipe foi em vão. O óbito é constatado e os aparelhos são desligados. Mais uma vida é levada pela Covid.

CURA

Próximo dali, no box 4, ficou internado o servidor publico Levi Passos, 53 anos. Felizmente, ele faz parte do grupo que contraiu coronavírus, mas foi curado. Durante os oito dias que ficou na UTI, diante da possibilidade da morte, ele conta que refletiu sobre toda a sua história e fez um trato com Deus: se conseguisse se curar, teria como propósito de vida ser uma pessoa melhor.

“As pessoas precisam ter empatia. Têm que sentir o que pode acontecer com ao outro ao ser contaminado e pensar, principalmente, nos profissionais de saúde, que estão longe da família e sendo infectados”, analisa.

Para ele, após se recuperar da Covid, tudo ganha novo significado. “Quem passa pelo sofrimento que passei e sai da UTI ganha outra vida. É um vencedor. Sou muito grato por viver”, diz emocionado.

O funcionário público Levi Passos, 53 anos, comemora sua cura de covid-19. Ele passou três dias na UTI
Após passar oito dias na UTI, o funcionário público Levi Passos comemora a cura da Covid-19. Crédito: Carlos Alberto Silva
Ficha técnica para matéria Equipe de saúde chora a morte de jovem que fez aniversário em hospital

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