Coveiro Rodrigo Bravim
Coveiro Rodrigo Bravim. Crédito: Arte A Gazeta | Geraldo Neto

Criado em cemitério, coveiro do ES tem medo do coronavírus: "Não imaginava uma situação dessa"

Morador de Linhares, Rodrigo Bravim conta como está o dia a dia com a pandemia. E ele tem uma relação especial com o cemitério: faz parte de uma família de coveiros. Os avós e os sete filhos deles exerciam a profissão, incluindo a mãe dele

Publicado em 14/07/2020 às 08h09
Atualizado em 14/07/2020 às 10h00

Perto do meio-dia o coveiro Rodrigo Bravim procura uma sombra para escapar do calor e mais uma vez vai almoçar no cemitério municipal São José, no bairro Interlagos, em Linhares. A refeição, longe de casa, apesar de incômoda, é um gesto de amor. Essa foi uma das formas encontradas por Rodrigo para ter menos contato com a mãe. Eles moram no mesmo lar, mas ela é idosa e está no grupo mais vulnerável a contrair o coronavírus.

“Eu tenho medo (do coronavírus). A gente tem que ter medo. Tem três meses que minha mãe não sai de casa. Antes de chegar perto dela, eu tomo banho aqui no cemitério e tiro minha roupa no portão da minha casa. Tem hora que ela chora preocupada comigo”, disse o coveiro.

INFÂNCIA NO CEMITÉRIO

Rodrigo tem 37 anos e para falar da relação dele com o cemitério São José é preciso voltar na década de 1970, quando ele ainda nem tinha nascido. O senhor Angelino Bravim e a senhora Izadria Colodetti Bravim foram os responsáveis por começar a história. 

Rodrigo Bravim

Coveiro

"Meu avô e minha avó vieram de Marilândia para Linhares e começaram a trabalhar como coveiros por volta de 1974. Os sete filhos que eles tiveram trabalharam de coveiros também. Minha mãe foi coveira por 25 anos e já se aposentou. Minha tia Nazaré ainda trabalha aqui, mas está afastada por causa do coronavírus"

No celular, o coveiro mostra uma foto de quando tinha apenas 8 anos de idade. O cenário da imagem é o que chama mais atenção: um menino sem camisa, posando apoiado em um túmulo. 

Rodrigo Bravim

Coveiro

"O cemitério sempre foi como um quintal no meu tempo de criança. A gente brincava de pique, corria para lá e para cá. Eu também cresci vendo meus avós preparando corpos aqui. Pode parecer estranho, mas para a gente era normal"
Rodrigo, com 8 anos, no Cemitério São José, em Linhares
Rodrigo, com 8 anos, no Cemitério São José, em Linhares. Crédito: Acervo Pessoal

Depois das brincadeiras, veio o trabalho. Rodrigo atua como contratado no cemitério há 13 anos, mas fazia bicos ajudando a família durante juventude. “A gente fazia o trabalho para ganhar um dinheiro. Meus primos e meus amigos faziam serviços aqui também. Depois eu fiquei fixo como coveiro, dando continuidade aos trabalhos da família”, explicou.

CORONAVÍRUS

Mesmo com todos esses anos trabalhando em um cemitério, os impactos causados pelo coronavírus impressionam o coveiro. “Eu via na televisão aqueles enterros com os coveiros usando roupas de proteção e não imaginava que isso fosse chegar aqui. Já vivi de tudo aqui nesse cemitério, mas não imaginava uma situação dessa”.

Linhares já teve 49 mortes por causa da Covid-19 e 3.214 casos confirmados, de acordo com o último boletim divulgado pela prefeitura da cidade nesta segunda-feira (13). O vírus chegou e deixou a rotina de trabalho mais cansativa. Rodrigo conta que já participou de pelo menos 24 sepultamentos de casos confirmados ou suspeitos de coronavírus - em todos ele precisa usar um traje descartável para se proteger. Em um dos enterros, Rodrigo conta que voltou ao cemitério depois de já ter ido embora.

“Eu já estava em casa, mas o familiar da vítima me procurou e pediu para fazer o sepultamento. Chamei os outros companheiros de trabalho e fizemos o sepultamento às sete e meia da noite”

E para quem pensa que os profissionais responsáveis pelo sepultamento não se emocionam, Rodrigo explica que não é bem assim. “Eu sou emotivo, porque eu sei que é um momento triste. Algumas famílias (de vítimas do coronavírus) chegam aqui achando que o enterro vai ser em uma vala, em uma cova média. Não é assim. A gente explica para eles o procedimento e eles agradecem a atenção”.

Mas também existem familiares de vítimas que causam alguns contratempos. 

Rodrigo Bravim

Coveiro

"A pressão é muito grande. O que eu vejo é que algumas famílias não estão respeitando (o distanciamento). Algumas pessoas colocam em risco a vida delas e a vida da gente. Alguns não estão respeitando o isolamento e chegando muito próximo (do caixão). É triste, é claro que é, mas a gente pede para que eles tenham compreensão"

A torcida do coveiro é para que a pandemia chegue ao fim. “A gente quer que isso acabe, para retomar a rotina do trabalho e também a rotina da minha família. Penso muito na minha mãe e na minha tia, que não se encontram já faz um tempo e estão só conversando pelo telefone. Quero que elas se encontrem”, disse Rodrigo.

72 SEPULTAMENTOS A MAIS

A reportagem de A Gazeta perguntou à Prefeitura de Linhares o número de sepultamentos nos meses de março, abril, maio e junho de 2019 e 2020 nos cemitérios municipais. Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Administração informou que entre os meses de março e junho de 2019 foram realizados 230 sepultamentos nos Cemitérios Santo Antônio (Bairro Planalto), São José (Bairro Interlagos) e Nossa Senhora da Conceição (Centro).

Já no período compreendido entre os meses de março e junho de 2020, os três cemitérios contabilizaram 302 sepultamentos. Então, em 2020, a cidade teve 72 enterros a mais se comparados os dois períodos. 

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