Liz Faleiro Valadares tem 4 anos, mas não vive a infância normalmente. Com o diagnóstico de nanismo desde quando tinha quatro meses de vida, ela enfrenta dificuldades no dia a dia, inclusive na hora de brincar. Para diminuir esse sofrimento, a família dela recorreu à Justiça e obteve uma liminar para que o governo federal forneça o remédio Voxzogo, capaz de fazer a menina crescer alguns centímetros e ter mais qualidade de vida. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o custo do medicamento é de R$ 158 mil por mês.
Quando estava próxima do oitavo mês de gravidez, Clarissa Caliman Faleiro, de 36 anos, farmacêutica e moradora de Ibitirama, na Região do Caparaó, foi informada pelo médico de que a bebê estava com uma diferença nos ossos longos. “Havia macrocrania, um indicativo de nanismo. Alguns médicos disseram que só dava para confirmar após o nascimento. Outros falaram que seria incompatível com a vida e Liz não poderia sobreviver", conta a mãe de Liz.
Mesmo assustada com a possibilidade do nanismo e da não sobrevivência da filha, Clarissa não desistiu da gravidez. Liz nasceu e, aos quatro meses, teve o diagnóstico de nanismo confirmado. Os exames mostraram que a doença era do tipo acondroplasia, a forma mais comum da síndrome genética.
Clarissa Caliman Faleiro
Farmacêutica e mãe de Liz
"Fiquei com medo do desconhecido, do preconceito que a Liz sofreria ao longo da vida, mas principalmente preocupada com a saúde dela"
Sem cura, a doença é caracterizada pelo encurtamento dos membros. Os médicos ouvidos pela família afirmaram que 80% das crianças que nascem com essa característica são de pais e mães com estatura normal.
“Qualquer casal pode ter um filho com nanismo. Na nossa família é o primeiro caso. Chegamos a buscar informações sobre os antepassados e confirmamos que ninguém havia tido”, afirma a mãe de Liz.
DIFICULDADES PARA BRINCAR E SE HIGIENIZAR
Liz leva uma vida diferente das crianças da mesma faixa etária e não pode realizar algumas brincadeiras.
“Ela não pode fazer atividades de impacto, como cama elástica ou pula-pula. Também não pode dar cambalhotas. Ou seja, fazer atividades normais que crianças fazem”, lamenta a mãe. “A higiene também é dificultada. O braço encurtado não possibilita que ela coloque a roupa e se limpe sozinha”.
Clarissa Caliman Faleiro
Farmacêutica e mãe de Liz
"O nanismo não é só a baixa estatura. Tem complicações, na maioria ortopédicas"
As limitações também se estendem ao âmbito escolar. Na turma da pré-escola II, foi necessário fazer algumas adaptações na carteira, para não comprometer a postura de Liz ao sentar. Já para ir ao banheiro, é necessária a ajuda das professoras da creche. “Tive que chegar o encosto para frente e colocar um apoio para as pernas dela”, diz a mãe.
DECISÃO JUDICIAL
As dificuldades enfrentadas por Liz podem ser amenizadas com o medicamento Voxzogo (vosoritida). A família entrou com uma ação na Justiça e uma liminar da 5ª Vara Federal Civil de Vitória determinou o fornecimento do remédio pela União.
O governo federal alegou que os efeitos do medicamento não indicaram com precisão o quanto de crescimento anual foi possível incentivar. Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), a aquisição mensal do fármaco custa R$ 158.228,10, o equivalente a quase R$ 2 milhões ao ano.
Na decisão, a magistrada federal Maria Cláudia de Garcia Paula Allemand destacou que o uso prolongado da medicação iniciada na idade mais precoce possível resulta em crescimento sustentado do esqueleto e não há outro medicamento similar incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS) que atue de tal forma.
A mãe de Liz ressalta que a busca pelo remédio para a filha não se resume à estética. Ela destaca que, com o crescimento possibilitado pelo medicamento, as comorbidades diminuem e a pequena poderá ter mais qualidade de vida. O nanismo no estágio atual comprime a medula óssea de Liz, levando ao risco de paralisia dos membros.
“O nanismo gerou um estreitamento da junção craniocervical. Pode levar à paralisia. Ela poderia ficar para ou tetraplégica. Todos os ossos são encurtados. Ela já sofre de lordose, cifose e pode ter uma hiperlordose”, explica Clarissa.
A menina de 4 anos passa por exames rotineiros, como ressonância magnética e polissonografia, para acompanhar a evolução da compressão. Segundo a mãe, pode ser que, no futuro, seja necessária uma cirurgia de descompressão da medula.
Após a liminar, a União entrou com um recurso, o agravo de instrumento. O caso foi encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). O advogado da família de Liz, Sebastião Viganô Neto, explicou que a matéria poderia ter sido recebida em caráter suspensivo, mas não foi o que ocorreu. "Então, a decisão continua valendo, e a União tem que fornecer o medicamento em 45 dias", afirma.
O prazo para a entrega do medicamento termina no dia 10 de setembro. Caso não entregue, a União está sujeita a uma multa de R$ 1 mil por dia. "Caso descumpra a liminar, a gente já vai peticionar pedindo o aumento da multa ou o depósito na conta da mãe, para ela comprar o medicamento direto com o laboratório e prestar conta dentro do processo", destaca o advogado.
COMO O MEDICAMENTO ATUA
A endocrinologista pediatra Mariana Araujo explica que, na acondroplasia, há uma alteração do gene FGFR3, que prejudica o desenvolvimento da placa de crescimento, levando à redução do desenvolvimento ósseo.
Na última avaliação com Mariana, a menina estava com 84,5cm, uma altura abaixo do esperado para a idade de 4 anos. "Esperamos uma estatura média de 105,5cm (ou 1,05 metro) para crianças na mesma idade sem acondroplasia", explica a médica.
"A vosoritida, de nome comercial Voxzogo, é um medicamento capaz de antagonizar a disfunção da via do FGFR3, atuando como um regulador positivo do crescimento do osso", explica a pediatra. A aplicação é subcutânea e o medicamento deve ser utilizado diariamente.
Mariana Araujo afirma que a vosoritida é a única opção terapêutica para essa doença que promova o ganho em altura. "Estudos clínicos randomizados já comprovaram que a medicação promove um aumento sustentado na velocidade de crescimento anual, com acréscimo estimado de 1,57 cm/ano, chegando muito próximo à velocidade de crescimento de crianças sem acondroplasia", complementa a endocrinologista.
O QUE DIZEM OS CITADOS
A reportagem de A Gazeta procurou a Advocacia Geral da União (AGU) e o Ministério da Saúde para comentarem o andamento do caso. O texto será atualizado em caso de resposta enviada pelos órgãos.
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