A nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), publicada em um Decreto 10.502, de 2020, assinado no último dia 30 pelo presidente Jair Bolsonaro, preocupa pais, professores e especialistas em educação. O grupo alerta para a possibilidade da volta das escolas especializadas, que poderiam separar alunos com e sem deficiência.
Com o apoio dos governos municipais e estaduais, a União promete implementar programas e ações para garantir os direitos à educação e ao atendimento educacional especializado aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
A PNEE flexibiliza a oferta da educação, por parte dos sistemas de ensino, para os estudantes com deficiência. Na prática, deixa a critério dos pais a definição sobre se preferem matricular seus filhos em escolas ou classes comuns inclusivas, especiais ou específicas para surdos, por exemplo.
Segundo dados do Censo Escolar de 2019, há cerca de 1,2 milhão de alunos com deficiência no país, sendo 92% deles matriculados em classes comuns. No Espírito Santo, o número de matrículas da educação especial chegou a 29.124 em 2019, um aumento de 53% em relação a 2015.
Douglas Ferrari é doutor em Educação, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pessoa com deficiência visual. Militante na defesa dos direitos à pessoa com deficiência, ele destaca que a nova medida indica que as escolas comuns sejam as prioritárias, mas passa a incluir as especiais como opção e destino de recursos públicos.
O professor universitário pontua que o texto do decreto sugere que os pais ou responsáveis pelos estudantes tem a opção de escolher qual o tipo de escola poderá matricular: as comuns ou as especiais, conforme informa o trecho seguinte:
Cinthya Campos de Oliveira Mascena é pedagoga, mestre em Educação e pesquisadora na área da Educação Especial. Mãe do Antônio, de um 1 ano e 6 meses, ela compõe a coordenação do Fórum Permanente da Educação Inclusiva do Espírito Santo. O filho dela tem Síndrome de Down.
A pedagoga explicou que há um movimento local e nacional em busca da revogação do documento presidencial. Segundo ela, dos 27 Ministérios Públicos estaduais, 22 se posicionaram contra a medida do governo. O grupo defende que as medidas sejam adotadas após diálogo com todos os envolvidos.
Segundo Cinthya, a possibilidade de que crianças e adolescentes com deficiência estudem em escolas comuns é resultado de um trabalho coletivo da sociedade civil organizada aliada aos órgãos de proteção aos direitos da pessoa com deficiência.
Na avaliação dela, além de ferir os direitos dos nossos filhos, de uma participação plena na sociedade em igualdade de condições, o decreto é prejudicial à formação do outro, que não tem contato com a diversidade, não aprende princípios de solidariedade, respeito às diferenças e nem a ser cidadão, declara.
O presidente da Federação das Apaes do Espírito Santo, Vanderson Roberto Pedruzzi Gaburo, acredita no processo de inclusão e defende que a luta deve estar voltada à qualificação constante desse percurso, criando ambientes verdadeiramente capazes de lidar com as diferenças e desenvolver as potencialidades da pessoa com deficiência.
Ele afirma que as Apaes e demais entidades do Espírito Santo não são escolas especiais e desenvolvem, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) uma ação de apoio à inclusão que é o Atendimento Educacional Especializado (AEE), um serviço complementar ofertado aos alunos público-alvo da educação especial, no contraturno da escolarização regular.
A assessora de Educação Especial da Sedu, Giovanne Berger, informa que, de acordo com dados do Censo Escolar 2019, 100% das matrículas dos estudantes que são o público-alvo da Educação Especial do Espírito Santo estão nas escolas comuns.
Reconhecendo o direito de todos à educação, ela explica que a Sedu tem feito investimentos com sala de recursos, formação de professores, na acessibilidade e ampliação da oferta de vagas.
Nós nos posicionamos contrários ao decreto, entendemos que é um retrocesso de tudo que estamos desenvolvendo ao longo dos anos. A rede estadual tem autonomia para implementar suas políticas. Nós já temos uma implementada e não vamos mudar. Nossas escolas vão continuar recebendo matrículas de todas as crianças com deficiência, garante.
Ela avalia que o mesmo deva acontecer com as escolas municipais, porque elas são jurisdicionadas e regulamentadas pela rede estadual. Todas as legislações, decretos e portarias que a rede estadual publica, os municípios implementam. Ao nosso ver, não vai mudar nada nesse aspecto também, avalia.
O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) apresentou ao Senado um projeto de decreto legislativo (PDL 437/2020) para sustar os efeitos do Decreto 10.502, de 2020, Para o senador, a PNEE fere a Constituição e outras leis que tratam da educação inclusiva, sendo a seu ver "um decreto excludente e ilegal". A iniciativa de Contarato teve a adesão da senadora .Mara Gabrilli (PSDB-SP).
Para os senadores, a PNEE fere a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (que tem força de lei no Brasil pelo Decreto Legislativo 186, de 2018, e pelo Decreto 6.949, de 2009). Também entendem que o decreto de Bolsonaro contraria o Estatuto da Pessoa com Deficiência, conhecido também como Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146, de 2018).
De acordo com Contarato, a Convenção da ONU "obriga que as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob a alegação de deficiência, e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito, ou secundário, sob esta alegação".
Artigo da Convenção, destaca o senador, deixa claro que "as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem", e que "adaptações de acordo com as necessidades sejam providenciadas, visando a inclusão plena". As informações são da Agência Senado.
Para a Comissão Nacional de Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CDPCD/CFOAB), a nova política do governo apresenta graves retrocessos para a educação inclusiva. A Comissão está elaborando um estudo técnico-jurídico para avaliar um novo posicionamento.
É importante ressaltar que a discussão não versa sobre um direito de escolha, mas sim, em especial, acerca da garantia dos direitos da pessoa com deficiência no sistema educacional, da ampliação da acessibilidade e das adaptações para a permanência em qualquer instituição de ensino e do cumprimento de normas constitucionais e infraconstitucionais, afirma a instituição.
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