Primeiro o cigarro, depois a maconha e, por fim, o crack. Não tão de repente, a vida perfeita — com casa, comida e roupa lavada — ficou no passado, e a ponte da Vila Rubim virou o único teto sobre a cabeça do capixaba Cloves Leone de Araújo. A mãe passou a orar todo dia pela vida do filho; o pai saía pelas ruas do Centro de Vitória atrás dele, com medo de encontrá-lo morto. O pesadelo que parecia não ter fim, teve. Depois de oito anos, ele conseguiu arranjar forças para deixar as drogas e há mais de uma década vive da música.
Hoje com 48 anos, ele confessa que foi um filho desobediente. "Por volta dos 12, comecei a ir para o caminho errado. Minha mãe falava 'não faz', e eu fazia. Comecei a ficar na rua jogando bolinha de gude e quando um coleguinha me ofereceu um cigarro, passei a fumar por mera diversão", conta.
Aos poucos, ele foi migrando de droga até chegar a uma de grande poder destrutivo. "O que antes era só cigarro passou para maconha. Depois, aos 17 anos, comecei a fumar crack. Fui me perdendo e acabando com tudo o que eu tinha. Andava pela rua, catando lixo, sem saber onde ficar", lembra.
Cloves Leone de Araújo
Cantor e compositor
"A situação precária que eu estava vivendo, não desejo para ninguém. Porque você pega frio e passa fome por causa de uma coisa que só te destrói"
Extremamente viciante, o crack levou Cloves a viver em situação de rua aos 22 anos. "Fiquei oito anos morando embaixo da ponte da Vila Rubim", conta. Sem voltar para a casa por dias e noites, ele deixou o pai e a mãe desesperados — que fizeram o que estava ao alcance para tentar recuperar o filho.
Aos 76 anos, o aposentado Vicente Nunes de Araújo lembra que vivia atormentado. "Corria atrás dele para poder ver se o libertava daquilo, para poder viver tranquilo. Procurava na Vila Capixaba, na Vila Rubim... Uma vez uma mulher me perguntou se eu era o pai dele e falou para eu me esforçar para levá-lo para casa, porque tinha um cara querendo matá-lo. Tive muito medo", desabafa.
Falecida no ano passado, Leonir Dutra de Araújo chegou a dar uma entrevista para a TV Gazeta em 2015 sobre a dura situação do filho e de como se apoiava na fé para não perder as esperanças. "Eu orava tanto que meu joelho minava sangue com a perna baixa. Meu joelho tem a marca das orações", disse.
PULMÃO CORROÍDO E UM ANJO ENVIADO
Praticamente três mil dias se passaram sem que a situação de Cloves mudasse. No entanto, quando completou 30 anos, ele sentiu vontade de sair do fundo do poço em que havia chegado. Naquela época, ele já havia contraído uma doença chamada diverticulite, que consiste em uma inflamação no intestino.
"O crack corroeu tudo por dentro e já sentia dor no meu pulmão. Senti necessidade de sair e pedi uma palavra amiga, que não encontrava. Eu achava que eu ia morrer, que não tinha jeito, mas a Bíblia fala que se nós fizermos nossa parte, Deus ajuda. Até que eu encontrei uma mulher na Vila Rubim", conta.
Como um anjo, a "irmã Creuza" apareceu e pediu um abraço ao capixaba — que, de início, não aceitou porque estava há três dias sem tomar banho. "Mas ela disse que Deus abraça a todos, que ela era filha Dele e me puxou, me deu um abraço e chorou comigo embaixo da ponte", lembra Cloves.
Cloves Leone de Araújo
Cantor e compositor
"A maioria das pessoas, em vez de dar um incentivo, só critica o viciado por estar vivendo aquela situação. Hoje estou aqui para dar um incentivo para que alguém que esteja no mundo das drogas possa sair"
Com as histórias de vida amarradas por um abraço, Cloves e Creuza mantiveram contato após esse primeiro encontro. "Ela é uma mulher baixa e branquinha que prega o evangelho pela região. Na época, ela já era idosa. Eu a vi pela última vez há uns oito meses e estava um pouco adoecida."
Emocionado em recordar, ele garante que aquele momento foi uma clara intercessão divina e que, a partir de então, teve forças para voltar para a casa do pai, onde foi prontamente acolhido e, aos poucos, foi deixando as drogas para trás. Hoje, quase como forma de agradecimento, ele roda o Espírito Santo cantando e tocando música gospel.
MAIS DE UMA DÉCADA NA ESTRADA
Quando saiu das ruas, Cloves buscou no passado uma forma para se sustentar. Nascido em Colatina, ele chegou a tocar forró na Região Noroeste do Estado, ainda adolescente. Assim, a música se tornou o ganha-pão dele — que hoje se apresenta com a esposa e a filha caçula como o "Trio Family".
"Começamos a conversar pelo Facebook e ele sempre me mandava vídeos dele cantando nos ônibus. Achei muito lindo o que ele fazia e logo resolvi morar com ele na Serra. Pedi para me ensinar a louvar, porque não sabia nada, e hoje estamos aí", conta Natália Araújo, de 27 anos, que é de Ibatiba.
Orgulhosa, ela soube do passado do companheiro desde o início. "Ele sempre me contava a história do que viveu, que teve um passado muito triste, mas eu tenho orgulho, porque ele é um vencedor", disse, com a filhinha Nathielly Cristina, de seis anos, no colo — o mais novo talento da família.
Seguindo o exemplo dos pais, a pequena encantou Cloves e Natália a caminho de Guarapari. "Do nada, ela começou a louvar os hinos do nosso CD. Ela tinha só três anos, e estávamos dentro do carro, viajando para trabalhar. Ficamos tão felizes e emocionados que chegamos a chorar", lembra o casal.
Atualmente, o dia a dia da família é acordar cedo para tocar em coletivos e praças. "Não temos patrocínio ou empresário, é pela Graça mesmo. As pessoas vão abençoando. Já passamos por Linhares, Brejetuba, Venda Nova do Imigrante, Irupi, Baixo Guandu e até Belo Horizonte (MG)", elenca Cloves.
FORÇA RECONHECIDA E INSPIRAÇÃO MULTIPLICADA
Totalmente sóbrio desde abril de 2012, Cloves guarda dois momentos especialmente marcantes da trajetória como cantor e compositor. Moradores da Zona Rural de Ibatiba, na Região Sul capixaba, ele e a família têm água em casa graças à doação de uma bomba pela "dona Enir".
No entanto, o episódio que mais emociona Cloves é outro. "Estava tocando nos coletivos da Serra, e um rapaz novo chegou em mim e me falou que estava nas drogas e que queria sair, que não aguentava mais", conta. O momento levou o nosso protagonista às lágrimas.
"Foi marcante porque preguei a respeito da minha vida, que Deus me tirou das drogas, e aquele jovem estava ouvindo. Nem sabia que tinha alguém com toda aquela atenção no meu testemunho. É uma superação que Deus fez na minha vida e ali estava fazendo em outra", comemora Cloves.
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