Maria das Dores Soares dos Santos com seu filho Davi Wilhas
Maria das Dores Soares dos Santos com seu filho Davi Wilhas. Crédito: Vitor Jubini

Drama da fome: seis a cada 100 crianças estão abaixo do peso no ES

Dados do SUS, compilados pela agência Fiquem Sabendo, mostram que, em 2021, mais de 6% das crianças estavam em situação de magreza e magreza acentuada no Espírito Santo

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 01/08/2022 às 08h10

Colocar grãos de soja de molho, bater no liquidificador com água e depois coar em um pano. Essa é a rotina na vida da mãe do Davi Wilhas, de um ano de idade. Maria das Dores faz isso porque o filho não pode beber leite de vaca e ela não tem dinheiro para comprar o de soja pronto no supermercado.

Infelizmente, esse não é o único alimento que falta na casa deles. Com uma renda mensal de R$ 1.000 para sustentar 5 pessoas (ela, o marido e três filhos), fica difícil incluir carnes e algumas frutas nas refeições diárias. Por isso, ela acredita que o desenvolvimento do filho está sendo prejudicado. Tanto que Davi Wilhas está abaixo do peso, com desnutrição alimentar.

Maria das Dores Soares dos Santos

Mãe do Davi Wilhas

"Temos bastante dificuldade para conseguir dar uma alimentação adequada para o Davi. Eu acho que não ter todos os alimentos que ele precisa em casa atrapalha o crescimento dele. É difícil não ter as coisas adequadas pra ele comer "

Dados compilados pela agência Fiquem Sabendo, com base no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), do Ministério da Saúde, mostram que, em 2021, mais de 6% das crianças estavam em situação de magreza e magreza acentuada no Estado. Isso significa que 6 em cada 100 crianças de até 5 anos atendidas pelo sistema público no Espírito Santo não têm o peso adequado para a idade.

A taxa de crianças abaixo do peso adequado para a idade no Espírito Santo segue a mesma tendência da taxa nacional. No país, o percentual do ano passado foi de 6,45%. Estão sendo consideradas "abaixo do peso" as crianças em situação de magreza e magreza acentuada. Os dados revelam ainda que o número de crianças abaixo do peso não sofreu grandes alterações nos últimos anos.

O Sisvan realiza o registro de peso e altura de crianças que procuram o sistema público de saúde. Os dados se referem, na maioria, a crianças em situação de vulnerabilidade social. O objetivo do sistema é contribuir para definição de estratégias e ações do Ministério da Saúde na área de alimentação e nutrição.

Davi Wilhas é uma dessas crianças. Ele não tem o peso adequado para sua idade e está em situação de vulnerabilidade social. Ele é acompanhado desde junho do ano passado pela Pastoral da Criança da Comunidade Cristo Redentor, em Jardim Tropical, na Serra. Voluntária da Pastoral, Sheila Bonfim conta que descobriram a desnutrição de Davi depois que a médica do posto de saúde do bairro encaminhou o menino para o acompanhamento.

Desde então, o grupo tem ajudado. "Mas a restrição alimentar dele dificulta ainda mais a situação. A família precisa de laudo para conseguir leite de soja gratuito”, explica Sheila. Além do Davi, a Pastoral da Criança ajuda mais de 50 crianças de até 5 anos na região.

Pastoral da criança ajuda crianças em região da Serra
Voluntária exibe caderno com lista de crianças ajudadas pela Pastoral da Criança. Crédito: Vitor Jubini

Sheila Bonfim

Voluntária da Pastoral da Criança

"A Pastoral da Criança faz um trabalho de acompanhar gestantes e crianças. Distribui alimentos, faz pesagem, acompanhamento nutricional, confere a caderneta de vacina e dá apoio à família no que precisar."

A existência de crianças abaixo do peso está diretamente ligada ao empobrecimento e à insegurança alimentar.  Apenas 4 em cada 10 casas no Brasil têm acesso a uma alimentação adequada. Os outros 6 domicílios fazem parte dos grupos que estão preocupados com a possibilidade de não ter alimentos e incluem até aqueles que passam fome. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

125 MILHÕES

de pessoas sofrem com insegurança alimentar no Brasil

O crescimento da fome no Brasil está escancarado na realidade de casas como a da mãe do Davi Wilhas, onde faltam alimentos. Maria das Dores conta que eles sobrevivem como podem , através de doações, e compram o que o pouco dinheiro que ganham possibilita. 

Maria das Dores Soares dos Santos

Mãe do Davi Wilhas

"No dia a dia, a gente ganha doação. A nossa renda é de aproximadamente R$ 1.000. A gente paga aluguel e o básico tenta comprar. Dá para sobreviver. Às vezes, não tem biscoito, não tem leite, mas a gente faz o que pode."

As crianças em condição de carência alimentar podem ter suas potencialidades e seu futuro comprometidos. A médica Bruna Junger de Lima Tanure, nutróloga pediátrica que trabalha no Hospital Infantil de Vitória, conta que recebe no local crianças em estado de desnutrição, principalmente pela dificuldade das famílias de conseguir dar uma alimentação adequada.

Bruna Junger de Lima Tanure

Médica nutróloga pediátrica

"A queda do peso é o primeiro sinal de que a criança não está bem nutrida."

A médica esclarece que existem duas condições de desnutrição: a primária e a secundária. A deficiência primária é causada pela falta de acesso a alimentos e a secundária, por uma condição crônica da criança, por exemplo: doença cardíaca, renal, pulmonar, inflamatória intestinal, congênita, câncer e várias outras condições.

No caso do Davi Wilhas, a médica explica que tem dois fatores que o levam a estar abaixo do peso. “Ele tem alergia a leite de vaca e também tem uma condição socioeconômica ruim. Por efeito da alergia, pode existir alguma inflamação intestinal que causa uma desabsorção de nutrientes e, consequentemente, uma desnutrição secundária. A desnutrição primária é decorrente da falta de recursos financeiros que não permite a ele ter acesso a todos os alimentos primordiais para que seja saudável.”

Davi Wilhas está com desnutrição
Davi Wilhas está com desnutrição alimentar, como demonstra o acompanhamento feito pela Pastoral da Criança. Crédito: Vitor Jubini

Maria das Dores Soares dos Santos

Mãe do Davi Wilhas

"Sei que ele é menor que muita criança da idade dele. Ele é menorzinho. Muita gente fala, olha pra ele e diz que ele é pequeno"

As consequências do baixo peso são inúmeras para crianças de até 5 anos. Nessa fase, a criança está em plena fase de desenvolvimento e o déficit calórico reflete no peso, mas gera também uma deficiência de nutrientes. “Além da ausência calórica, existe uma insuficiência nutritiva. Faltam ferro, zinco, cálcio e outros micronutrientes”, explica a nutróloga pediatra.

De acordo com a médica, a queda de peso prejudica o crescimento, caso perdure por muito tempo. Nesses casos, a criança começa a perder ganho em estatura de comprimento também. Tudo isso faz com que ela comprometa o sistema dela como um todo.

Bruna Junger de Lima Tanure

Médica nutróloga pediátrica

"A imunidade, o crescimento ósseo, o sangue, a capacidade de aprender, o desenvolvimento neuropsicomotor... Tudo fica comprometido quando a criança está abaixo do peso."

Como saber se a criança está abaixo do peso?

Organização Mundial da Saúde (OMS) criou gráficos de referência com parâmetros a serem seguidos pelos pediatras. Esses índices foram estabelecidos através da média de pesos de várias populações de crianças saudáveis. Nos gráficos, é possível analisar se a criança está com o peso dentro da normalidade para a sua faixa etária.

“Os parâmetros servem como base para fazermos a avaliação nutricional da criança. Em toda caderneta de vacinação do Ministério da Saúde, os responsáveis podem observar os gráficos e identificar se o peso da criança está bom. Também é possível ter acesso aos gráficos no site da Sociedade Brasileira de Pediatria”, conta a médica.

A nutróloga pediatra alerta que existem outras curvas com parâmetros diferentes para casos específicos. Então, é fundamental que a criança tenha um acompanhamento médico e que os responsáveis mantenham a rotina de consultas, exames e vacinação.

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