“Mamãe, eu não gosto da minha cor, não gosto do meu cabelo”. A frase parece bastante comum, mas na casa da professora de Ciências, Sylvia Batista, soou como uma marca latente no coração dela.
A confissão é da Ananda, filha de Sylvia. A pequena, hoje com 4 anos de idade, tinha 3 quando começou a perceber seus traços de negritude. A mãe acredita que foi o contato com outras crianças na escola que fez a filha se sentir diferente.
Sylvia Batista
Mãe de Ananda
"Eu falava: ‘ah, meu pai do céu, porque ela está falando isso?’. Fiquei impactada. Lembrei de angústia que passei por causa dessas questões quando eu era criança"
Com muito diálogo, a professora ensinou a filha que a individualidade é a marca registrada da sua humanidade. Também com a ajuda da internet, apresentou vídeos que exaltavam os cabelos, a pele, a cultura e a ciência idealizada pelo povo negro.
“Fico pensando ‘como será na escola?’ Geralmente, ela me conta tudo de lá. Penso que, se houver alguma questão de discriminação, ela vai ser muito mais forte e mais livre do que eu fui na idade dela”, pontua.
O mecanismo está funcionando. Sylvia conta que Ananda criou uma outra relação com o cabelo e com o tom da pele dela.
“Hoje ela até pede para lavar o cabelo para ganhar mais volume. Acho uma graça, mas todo dia eu e o pai dela lidamos com o desafio da criação nesta realidade racista que vivemos”, desabafa.
RESSIGNIFICANDO A ESCOLA
Filho de uma família que sempre discutiu questões raciais, o artista e educador Winny Rocha, de 30 anos, lembra da recepção que teve na escola quando criança.
Winny Rocha
Educador
"O contato que a gente tem com a escola é momento. Com outros iguais, negras e não negras, é que a gente é questionado e começa a reavaliar o que é ser negro. É o espaço de confronto que coloca a gente em xeque para pensar racialmente"
E hoje, enquanto educador, ele pensa a escola como um lugar de acolher as crianças e a juventude preta, transformando a sala de aula em um lugar de potencialidade.
Se a escola, em algum momento, foi esse lugar agressivo para mim, hoje tento contribuir para que ela seja esse espaço acolhedor para outras crianças negras.
LEI DEVERIA GARANTIR ENSINO AFRO
Em uma avaliação da educação oferecida no Brasil, a professora doutora Marluce Leila Simões lembra da lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar. O texto também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira nas instituições de ensino.
Além da experiência na docência, Marluce é membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab/Ufes). Ela observa que as escolas ainda têm professores que não apresentam materiais com a representatividade do povo brasileiro.
“Estuda-se muito sobre a Europa e pouco sobre a diáspora africana, sobre a história de heróis e heroínas negros e da cultura, que não se resume a feijoada ou a que negro é bom no atletismo. Ninguém sabe que o Túnel Rebouças foi construído por engenheiros negros, por exemplo", acrescenta.
Para a especialista em Educação, as crianças precisam conhecer o legado positivo de que ser negro é ser descendente de africanos que produziram ciência e tecnologia para o mundo, e não de escravizados.
“Assim, a criança branca vai ver a criança negra com mais respeito, de forma mais valorizada, e a criança negra vai se ver representada em todos esses conhecimentos por meio de textos, histórias, memória, biografias, reis e rainhas", afirma.
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