Grande número de suscetíveis, aglomerações durante o verão e mudanças climáticas. Esses são alguns dos fatores apontados por especialistas para a segunda onda do novo coronavírus que atingiu a Europa nas últimas semanas, o que já provocou a retomada de medidas restritivas em locais como Alemanha, Espanha, França e Portugal. E, como da primeira vez, será que o Brasil e o Espírito Santo vão enfrentar o novo ciclo de casos de Covid-19 na sequência de países europeus? A expectativa é que, se a vacina chegar, a população brasileira não passe pela segunda onda.
O infectologista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Crispim Cerutti Junior, aponta a grande relação de suscetíveis (pessoas vulneráveis à contaminação) e infectados como um dos fatores para o retorno da segunda onda na Europa. Ele diz que as aglomerações causadas pela mobilização do verão no continente aumentaram a transmissão e, consequentemente, o número de casos. Cerutti afirma que esse é um movimento esperado de pandemias de gripe, como aconteceu com a Espanhola, no século XX.
Nesse tipo de transmissão direta de agente respiratório acontece isto: primeiro, a infecção maciça de pessoas suscetíveis, um equilíbrio temporário entre a situação de exposição e de infecção, e novamente ocorre um segundo momento de infecção maciça daqueles que estavam suscetíveis ao primeiro momento, pontua.
De acordo com o também infectologista Lauro Ferreira Pinto, as muitas aglomerações registradas no verão europeu e a chegada do inverno potencializaram a segunda onda em vários países. O médico observa, no entanto, que a contaminação afeta pessoas de faixa etária mais baixa que, associada ao maior conhecimento do manejo da doença, tem resultado no registro menor de mortes. Houve muita aglomeração no verão europeu, e agora está seguindo uma nova onda no inverno. Uma onda com menos mortes, de uma faixa etária mais nova, e que já se aprendeu de certa forma a lidar com vírus em paciente grave", constata.
Os médicos afirmam que uma segunda onda será difícil de ser vista no Brasil e no Espírito Santo, uma vez que a primeira ainda não foi controlada, o que já ocorreu em grande parte da Europa que, agora, passa pelo segundo ciclo.
Estamos tendo um declínio lento da onda epidêmica, e isso pode se estender por alguns meses. Se considerarmos o que está acontecendo na Europa como um prenúncio do que pode acontecer aqui, muito provavelmente não vamos chegar a ter uma segunda onda, mas sim um recrudescimento (agravamento) da onda em andamento, destaca Crispim.
Lauro Ferreira Pinto acrescenta: o vírus está circulando desde sempre, e não fizemos um controle eficaz. Então, ainda estamos na primeira (onda), que desce e sobe. São marolas da mesma onda. Nunca saímos da primeira onda porque nunca controlamos o vírus aqui."
No entanto, o ponto positivo da lentidão da onda de casos no Brasil é a possibilidade de impedi-la com a vacinação, prevista para 2021. Pode acontecer de a gente, ao longo desse processo mais lento, chegar até níveis próximos de zero na frequência de casos e ter uma segunda onda mais tardiamente, ao decorrer do ano que vem. Se isso vai acontecer ou não, vai depender de um outro fator, que é a introdução das vacinas, que a gente espera que ocorra no ano que vem, analisa Crispim.
A mesma constatação foi feita pela doutora em epidemiologia e professora da Ufes, Ethel Maciel, que ressalta ainda a necessidade de as pessoas entenderem a gravidade do vírus ao redor do mundo, e cenários que se repetiram no Brasil, como a primeira onda.
Quanto mais pudermos evitar de entrar numa segunda, é melhor. As pessoas precisam entender que ainda estamos no meio de uma pandemia. Estamos vendo países, com muito mais recursos e menos dificuldades que nós, sem ter o que fazer. As pessoas precisam entender essa gravidade, adverte.
Os especialistas citaram também uma nova cepa - a 20A.EU1 - com registro na Espanha. Trata-se de uma mutação do coronavírus, que se manifesta por uma nova assinatura, como explicam os médicos. No entanto, eles frisam que as informações ainda são preliminares e não há elementos que apontem sobre o grau de transmissão e agressividade do agente infeccioso.
O fato do vírus mudar é uma coisa que se espera que aconteça. Agora, exatamente o quanto houve de modificação, em que sentido essas modificações afetaram a relação dele com o hospedeiro, são coisas que precisam ser melhor estabelecidas, a gente ainda tem pouca evidência a esse respeito, explica Crispim.
Segundo Ethel, os primeiros indícios apontam para uma sorte, visto que as informações preliminares não sugerem uma maior transmissão ou agressividade da variação do vírus.
Pelo que os pesquisadores publicaram até o momento, eles disseram três coisas importantes: que não apresentou uma transmissibilidade maior; não apresentou uma maior frequência de casos graves; e não modificou a estrutura, a ponto de prejudicar a produção da vacina. Isso foi uma sorte, mas a gente não pode ficar dependendo da sorte, sustenta.
Outro ponto destacado pelos especialistas é a diferença do panorama europeu com o asiático. Enquanto países da Europa registram a segunda onda, na Ásia seguem com a doença controlada. A quantidade e agilidade na testagem, e a disciplina dos asiáticos, são os fatores determinantes para apresentarem melhores indicadores.
A principal diferença é a quantidade de testes. Na Coreia do Sul, para cada caso positivo, eles fizeram 100 testes. Nem aqui, nem na Europa chegamos perto disso. A estrutura de testes é mais eficiente na Coreia do Sul, no Japão, em Taiwan, em Hong Kong. A segunda diferença é a disciplina, que o ocidental não tem. Usar máscara está na cultura deles. A explicação é a quantidade e agilidade de testes, rastreamento de casos e disciplina no uso de máscaras, conclui Lauro Ferreira Pinto.
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