Em um ano e meio, 97 procedimentos de interrupção de gravidez foram realizados de maneira legal no Espírito Santo. A média é de mais de cinco casos de aborto legal por mês, somando os números dos três hospitais que realizam os procedimentos no Estado. O levantamento foi feito pelo g1 Espírito Santo.
A proposição de um projeto de lei na Câmara dos Deputados que qualifica como homicídio o aborto a partir de 22 semanas de gestação, mesmo em casos de estupro, reascendeu a discussão sobre o aborto legal. O assunto voltou ao debate público quatro anos depois do caso da menina capixaba de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio e precisou entrar escondida em um hospital para realizar um aborto legal.
No Espírito Santo, o Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam), na Capital, o Hospital São José, em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo, e o Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, garantem o acesso ao abortamento legal.
No Hucam, hospital federal, foram realizados 44 abortos em pacientes vítimas de violência no ano de 2023. Até junho de 2024 foram 18. A unidade não detalhou os procedimentos. Para os casos previstos pela legislação, o hospital realiza o procedimento para interrupção da gravidez de gestações de até 20 semanas. O hospital é o mesmo que negou aborto à criança de 10 anos em 2020.
Já nos dois hospitais da rede estadual – Hospital São José e Himaba, 13 gestações foram interrompidas em 2023. Em 2024, foram 22 procedimentos até a primeira quinzena de junho. Do total, 34 casos eram de gestações com menos de 22 semanas e apenas 1 acima desse período.
No caso em que a paciente tinha mais de 22 semanas de gestação, a interrupção da gravidez foi feita em outro estado, mas a paciente retornou ao hospital capixaba para ser acompanhada.
Por lei, não há limite de tempo de gestação para a realização de um aborto legal em casos de estupro, entretanto, nestes dois hospitais, são realizados procedimentos até 22 semanas do feto, por falta de profissional na rede pública e privada. Segundo a Sesa, passado esse período, o procedimento é feito fora do estado, como já é prerrogativa do SUS em qualquer especialidade.
Nesses dois hospitais, as mulheres que realizaram o aborto legal tinham, em sua maioria, entre 18 a 29 anos, foram 21 casos, representando 60% do total. Nove procedimentos foram realizados em mulheres menores de idade (entre 12 e 17 anos), 25,7% dos casos; e 5 envolveram mulheres com mais de 30 anos, 14,3%.
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), os serviços contam com acolhimento e atendimento de uma equipe multiprofissional, e acompanhamento após a realização do procedimento.
A pedagoga e referência técnica da Vigilância Estadual de Prevenção de Acidentes e Violência da Secretaria de Saúde (Sesa) Edleusa Cupertino explicou que o acolhimento nos hospitais que realizam o procedimento é porta aberta, ou seja, não precisa necessariamente de um encaminhamento. Entretanto, profissionais da educação, assistência social, membros dos conselhos tutelares e a polícia são parceiros nessa condução de pacientes.
Casos de violência aguda, que aconteceram em até 72h, devem ser atendidos emergencialmente, conforme o Ministério da Saúde, para se evitar gravidez e doenças.
"Em 2023, foram 3.564 atendimentos a vítimas de violência sexual em qualquer local de porta aberta do SUS no estado, tanto nas unidades básicas de saúde, como pelo realizados pelos parceiros citados, como escola e conselho tutelar. Destes, mais de 60% foram atendimentos a menores de 14 anos. Em 2024, já são 1.231 casos. Dentro desse número estão estupros, assédio, pornografia, entre outros".
Edleusa também falou sobre a importância da difusão no estado da lei 12845/2013, a chamada 'Lei do Minuto Seguinte', que diz que, logo após a violência, a vítima deve ser atendida no serviço de saúde mais próximo. Mas, normalmente, isso não é o que acontece.
Ela explicou que o lugar da equipe de saúde, especialmente nesses hospitais que são referência, é o de acolhimento, de redução de danos e o de devolver a vítima à rotina com a menor sequela possível.
A equipe especializada é formada por profissionais de múltiplas áreas, como médico, enfermeiro, farmacêutico, psicólogos, assistente social, e o atendimento funciona 24h.
"As menores, sobretudo, as que têm algum transtorno psicológico, se quer sabem o que está acontecendo, muitas vezes a equipe de saúde é que diz que tem um neném na barriga dela, ela não sabe como o neném foi parar lá dentro, é um dificultador muito intenso", contou.
De acordo com a pedagoga, para chegar a decisão do abortamento legal existe uma avaliação completa dessa equipe, e são explicadas todas as possibilidades para a gestante.
"A explicação é global, a equipe fala também sobre o acolhimento da família, a adoção, entre outros. Ninguém da saúde fica feliz por estar fazendo qualquer tipo de redução do organismo, mas o papel da saúde é de redução de danos".
Nos casos envolvendo menores de idade, não havendo diálogo fechado entre família e criança/adolescente, é feito um laudo para o Juizado da Infância e Juventude, e o pedido para que ele tome a melhor decisão, a partir do que foi observado pela equipe de saúde.
Edleusa apontou que o número de abortamentos legais reduziu após a pandemia.
A especialista reforçou que o abortamento legal é amparado pela portaria n° 1.508, de 1° de setembro de 2005, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei.
"As equipes de saúde garantem que o sigilo vai ser completo. Vale ressaltar ainda que não é um único profissional da saúde que decide qualquer coisa, é tudo feito em equipe. Não é qualquer hospital que faz, são unidades acompanhadas, monitoradas, para que a gente tenha a certeza que a legislação está sendo cumprida, que o acolhimento esteja sendo feito da melhor forma. Os casos são avaliados individualmente", encerrou.
Em Vitória, o Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual (Pavivis), oferece acompanhamento médico, psicológico, social e laboratorial a pessoas em situação de violência sexual, além de suporte e orientação também aos familiares por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), no Hucam, que é ligado à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e também garante o acesso ao abortamento legal.
Desde a sua criação, há 25 anos, o Pavivis já atendeu mais de 4 mil pessoas de todo o Espírito Santo, sendo que, em média, 12 novos casos de vítimas de violência sexual surgem todos os meses.
Os encaminhamentos das pacientes são feitos pelas delegacias da Mulher e de Proteção à Criança e ao Adolescente, pelo Departamento Médico Legal (DML) ou por iniciativa da própria vítima.
O atendimento é 24 horas, o que é urgente é realizado pelos plantonistas na maternidade do Hucam, enquanto os demais serviços, como agendamento de consultas e acompanhamento, são feitos das 8h às 16h.
O programa é um projeto de extensão do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). A equipe de atendimento possui ginecologistas e obstetras, psiquiatra, enfermeiro, psicólogos e assistente social.
A paciente, em geral, é acompanhada por seis meses, repetindo exames de sangue para rastreio de doenças sexualmente transmissíveis.
As prefeituras da Grande Vitória não realizam o procedimento de interrupção de gravidez, e encaminham os casos que chegam à rede básica de saúde para os três hospitais referência no estado. Mas, existe um serviço de atendimento psicológico a vítimas de violência sexual.
Normalmente, a porta de entrada para o atendimento é a unidade básica de saúde e não existe um tempo limite estabelecido para realização do acompanhamento.
Vitória
Vitória conta com a Casa Rosa, um Centro Especializado em Saúde da Mulher e Famílias em Situação de Violência. O atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais, enfermagem e terapeuta ocupacional.
O atendimento engloba escuta qualificada com avaliação de risco, atendimento médico e psicossocial e avaliação integral das condições gerais de saúde.
Além disso, há a oferta de cuidados em saúde mental. A porta de entrada é a unidade básica de saúde. Todas as 29 unidades de saúde do município contam com equipes formadas por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, educadores físicos na saúde, farmacêuticos, dentre outros.
A vítima pode buscar a US ou a Casa Rosa para atendimento. Nos casos de violência sexual que ocorreram em até 72 horas, é importante procurar o serviço de saúde quanto antes para serem realizados exames e administrados medicamentos para prevenir a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Casos que ocorrem nos finais de semana ou feriados são atendidos nos prontos atendimentos da Praia do Suá e de São Pedro.
Na Casa Rosa, 80% dos atendimentos são de casos de violência contra meninas e mulheres. Cerca de 60% dos casos são de violência sexual contra crianças e adolescentes, praticados na maioria das vezes por familiares ou pessoas próximas.
A prefeitura não informou quantas pessoas fazem o acompanhamento especializado na cidade.
Vila Velha
O município oferece atendimento psicológico vítimas de violência sexual. O acompanhamento é realizado no Centro de Acolhimento à Vida (CAV), localizado na Av. Castelo Branco, 1803, Olaria- Vila Velha/ES, de segunda a sexta-feira, das 7h às 18h. Os agendamentos também podem ser feitos pelo telefone 27 99316-6550.
O serviço atende tanto encaminhamento da rede de serviços, como Unidades de Saúde, PAs, Hospitais, Escolas, CREAS, Delegacias e Varas Especializadas, como também atende por demanda espontânea.
Para crianças e adolescentes até 18 anos, a violência pode ter ocorrido em qualquer momento da vida que o acompanhamento será ofertado. Para adultos, o serviço realiza acompanhamento da violência sexual aguda, ou seja, que ocorreu recentemente.
Atualmente 102 pessoas – entre jovens, adolescentes, crianças e adultos – são acompanhadas pelo CAV.
Serra
Na Serra, o Serviço de Atenção à Pessoa Vítima de Violência Sexual (SASV) está localizado nas dependências do Hospital Municipal Materno Infantil, situado no bairro Colina de Laranjeiras. O atendimento funciona 24h por dia, incluindo sábados e feriados.
O SASV é um serviço porta aberta, ou seja, não precisa necessariamente de um encaminhamento. Contudo, os serviços do município (unidades de saúde, CRAS, CREAS, delegacias, escolas e afins) o fazem por uma questão de organização. Mas, se uma pessoa chegar ao SASV sem o encaminhamento, será atendida normalmente.
O serviço oferece atendimento médico, social e psicológico e cada profissional vai determinar o prazo do seu acompanhamento mediante as demandas apresentadas pelo paciente. Considerando que o atendimento mais prolongado é o atendimento psicológico, que deve ocorrer até que seja sanada a questão da violência sexual.
Atualmente, 448 pacientes são atendidos, entre os que foram acolhidos neste ano de 2024 e aqueles que já estavam em acompanhamento.
Cariacica
A Prefeitura de Cariacica informou que, no município, os prontos atendimentos dispõem de material para atendimento imediato à vítima sexual (profilaxia das infecções sexualmente transmissíveis e profilaxia da gravidez). Foi ressaltado, entretanto, que, em primeiro lugar, as vítimas devem procurar a Delegacia da Mulher ou o plantão de atendimento à mulher, no caso de ser feriado ou final de semana.
Na área da Assistência Social, está disponível o acompanhamento psicossocial nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), que em Cariacica estão em Campo Grande e em Itacibá.
O Creas oferta o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (Paefi), cujo objetivo é ofertar atendimento psicossocial e promover o fortalecimento dos vínculos familiares às vítimas de violação de direitos.
A porta de entrada ocorre por meio de encaminhamentos realizados pelos Serviços de Saúde, Educação, Conselho Tutelar, Delegacias Especializadas, Judiciário e Ministério Público.
*Com informações da repórter Ana Elisa Bassi, do g1ES
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