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Estudo explica relação do racismo ambiental com tragédias das chuvas em Vitória

Estudo explica relação do racismo ambiental com tragédias das chuvas em Vitória

Pesquisa da Ufes identificou regiões da cidade com mais risco de desastres, principalmente após chuvas fortes, e correlaciona com a população em vulnerabilidade social

Publicado em 9 de agosto de 2023 às 11:21

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A incidência de deslizamentos de terra provocados por fortes chuvas em Vitória é maior em bairros com população em vulnerabilidade social. Foi o que identificou um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que apontou uma sobreposição entre áreas socialmente mais vulneráveis com as que apresentam maior risco geológico na cidade.

A pesquisa apontou que umas das explicações para a situação está relacionada ao racismo, mais precisamente o racismo ambiental. Esse fenômeno pode ser explicado como uma forma de desigualdade socioambiental que afeta comunidades marginalizadas, principalmente pessoas negras e pobres, que acabam vivendo em pontos da cidade mais suscetíveis a desastres naturais ou até com falta de acesso a recursos naturais ou saneamento básico, por exemplo. 

Vitória
Região de Gurigica tem alto risco de sofrer deslizamento de terra. (Divulgação)

O estudo, realizado pela doutora em Geografia Julia Effgen, identificou que os locais considerados mais suscetíveis a tragédias estão ao redor do Parque da Fonte Grande e da Pedra dos Olhos, manguezais e colinas costeiras, enquanto os de menor resultado no índice estão mais perto do mar.

“Uma explicação possível para isso é o racismo ambiental, já que as áreas mais vulneráveis abrigam uma parcela considerável de pessoas pardas e pretas. Esse é um processo verificado nacional e internacionalmente, fruto histórico da exclusão e falta de acesso à moradia em áreas seguras”, detalha.

No período de um ano, a pesquisa indicou que 13 bairros têm mais de 50% de chances de presenciar um escorregamento translacional — tipo de deslizamento em que uma massa de terra se desprende e desliza em alta velocidade. No entanto, em alguns locais, a probabilidade é maior. Gurigica e Forte São João têm mais de 90% de chance. As chuvas foram apontadas como o principal deflagrador para ocorrências desse tipo.

Ao relacionar os casos de deslizamento ocorridos de 1999 a 2017 com fatores referentes à vulnerabilidade social, a pesquisadora identificou que o risco aumenta quando as paredes dos imóveis são de baixa qualidade.

Nessas áreas de risco alto e muito alto para deslizamento, também foram avaliados índices como educação, ocupação, raça (ou cor), renda e idade da população, entre os componentes da vulnerabilidade social.

Em geral, os bairros com mais perigo nas áreas montanhosas e de colinas, além de Gurigica e Forte São João, são o Romão, o Cruzamento e a Conquista, Jesus de Nazareth e São Benedito. Também são vulneráveis as zonas de aterros em manguezais, como Nova Palestina, Maria Ortiz e Ilha de Santa Maria. Essas áreas concentram cerca de 60 mil habitantes, o que corresponde a aproximadamente 18% da população da Capital.

Aspas de citação

As áreas mais vulneráveis são as que estão nas encostas dos morros e manguezais. E, no mapa de vulnerabilidade social, há um corte definido que tem como divisão a Avenida Leitão da Silva

Julia Effgen
Pesquisadora e doutora em Geografia pela Ufes
Aspas de citação

Julia Effgen verificou que existe, em Vitória, uma sobreposição entre áreas socialmente mais vulneráveis e a maior frequência de deslizamentos de terra. “Uma explicação possível para isso é o racismo ambiental, já que as áreas mais vulneráveis abrigam uma parcela considerável de pessoas pardas e pretas. Esse é um processo verificado nacional e internacionalmente, fruto histórico da exclusão e falta de acesso à moradia em áreas seguras.”

O que é o escorregamento translacional?

O deslizamento de terra translacional é o tipo de escorregamento mais recorrente em Vitória (89% dos casos observados entre 1999 e 2017). Em ocorrência desse tipo, a superfície de ruptura acompanha alguma descontinuidade do terreno, ou seja, o deslizamento surge ao longo de uma diferença de materiais (entre solo e rocha, por exemplo) e se desloca para baixo e para fora da encosta, em alta velocidade.

Fator idade

Outro dado da pesquisa aponta que a população exposta ao risco muito alto de deslizamento de terra é mais jovem que a exposta aos outros níveis. A razão de dependência (proporção de população com idades inferiores a 5 anos e superiores a 65 anos) aumenta à medida que o risco cresce, com 15,5% da população exposta a risco muito alto nessa faixa etária.

Essa situação tem relação com a facilidade de reagir imediatamente a uma ocorrência negativa. Isso porque uma maior proporção de pessoas nos extremos etários (crianças e idosos) afeta a capacidade de mobilidade das famílias, por exigirem mais atenção da população adulta.

Julia Effgen conta que deslizamento de terra foi um assunto que sempre a instigou, desde criança. E o interesse foi aumentando no ensino médio até chegar ao curso de Geografia. "O deslizamento do Morro do Macaco (tragédia ocorrida em 1985 que provocou 40 mortes) foi algo que sempre provocou curiosidade pois meus pais tinham apartamento em Tabuazeiro", lembra.

Bairros mais propensos

Com base nas ocorrências registradas entre 1999 e 2017, a pesquisadora listou os bairros que apresentam maior ou menor probabilidade de ter escorregamento translacional. Gurigica (56 ocorrências); Forte São João (46); São Benedito (27); e Consolação (25) são as regiões mais propensas. Os bairros de áreas planas, como Praia do Suá, Santos Reis, São Pedro e Vila Rubim (com um registro cada) são os que têm menos probabilidade.

225 casos
de deslizamento foram registrados de 1999 a 2017

Fatores de vulnerabilidade estudados

  1. Educação, estrutura de moradia (baixa qualidade de paredes externas) e organização familiar
  2. Ocupações e dependência social
  3. Cor ou raça (preta e parda), renda e idade
  4. Propriedades (moradia própria ou alugada)
  5. Pobreza extrema
  6. Gênero (população feminina e moradias chefiadas por mulheres)
  7. Renda
  8. Estrutura de moradias (saneamento básico)
  9. Cor ou raça (amarela e indígena) e energia elétrica
  10. Renda de domicílios improvisados

Investimento na prevenção

O secretário de Obras de Vitória, Gustavo Perin, destacou a importância do mapeamento de áreas de risco e afirmou que a administração atua nas vertentes de contenção de riscos e também na reconstrução e em melhorias de residências condenadas nessas regiões de risco, que ficam, em sua maioria, no entorno do maciço central da Capital.

"Identificamos na cidade 57 áreas de risco geológico R3 ou R4 (risco alto e risco muito alto) e estamos investindo R$ 60 milhões em 139 obras de contenção de encostas, com o objetivo de reduzir o riscos", destaca Gustavo.

Outro trabalho que está sendo realizado é a retirada de moradores das casas já condenadas, a partir desses riscos, para reconstrução e melhorias das moradias impactadas. Segundo o secretário, os moradores entram no programa de aluguel social quando têm a residência condenada e, muitas vezes, a prefeitura tem que fazer a demolição para que outra pessoa não ocupe. Para esse trabalho de reconstrução e melhoria nas habitações, estão sendo destinados R$ 50 milhões.

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