Entre outubro de 2022 e julho de 2023 não foram registrados casos de pessoas que tiraram a própria vida na Terceira Ponte. O período coincide com a instalação, em sua totalidade, das grades de prevenção ao suicídio na Ciclovia da Vida Detinha Son. Os dados levantados pela Rodosol, concessionária que administra a via, a pedido de A Gazeta, mostram ainda que o número de tentativas reduziu no primeiro semestre comparado com o mesmo período de anos passados.
Especialistas ouvidos pela reportagem concordam que a instalação da ciclovia e da grade de proteção contribuiu para a redução de mortes, mas alertam que é necessário encarar o tema como um problema de saúde pública e ressaltam a importância de se conversar abertamente sobre o assunto durante o ano todo.
Os dados da Rodosol mostram que nos últimos quatro anos, 28 pessoas tiraram a própria vida na Terceira Ponte. Foram nove mortes em 2020, 13 em 2021 e seis em 2022. Desde outubro do ano passado não são registrados novos óbitos.
No levantamento da Rodosol é possível ver que também houve diminuição na quantidade de tentativas. Entre janeiro e julho de 2023, foram 31. No mesmo período, em 2022, houve 63 registros. Em 2021, 58. E, em 2020, 59.
Ponte continuará fechada em resgates
O procedimento adotado pelo Corpo de Bombeiros em casos de acionamento para ocorrências de tentativa de suicídio na Terceira Ponte é o de esvaziar todas as pistas e fechar o acesso a motoristas em ambos os sentidos, Vitória e Vila Velha.
Todos os agentes da corporação são treinados para atuar nesse tipo de ocorrência. Ao ser acionado, o chefe de operações aciona os demais profissionais, que se equipam com equipamentos para salvamento em altura. A atuação dos bombeiros consiste em conversar com a pessoa e convencê-la a desistir.
Mesmo observando a redução nos índices após a instalação da grade de proteção, a corporação não prevê mudar esse protocolo de atendimento, como afirma a capitão Andresa Silva.
““Em um episódio do passado, as pessoas ficavam gritando do ônibus contra a pessoa. Então a gente corta o fluxo por causa disso, para não influenciar nesse contato inicial que a gente tem com a pessoa, quando os bombeiros tentam criar um vínculo com ela, para convencê-la de não fazer isso”, contextualiza.”, contextualiza.
Andresa Silva
Capitão do Corpo de Bombeiros
"Pode ser que a conversa seja demorada. As pessoas perguntam por quanto tempo a ponte vai ficar fechada, mas, para a gente, ali é uma vida, então é um trabalho que demanda um tempo"
A foto acima mostra uma ilustração feita no Quartel do Corpo de Bombeiros, na Enseada do Suá, em Vitória. A ilustração retrata um resgate realizado pela corporação em abril de 2021. "Eu estava de serviço nesse dia e fomos acionados pelo Ciodes (Centro Integrado Operacional de Defesa Social) que havia uma tentante na Terceira Ponte", conta a cabo Thais Lauff, que aparece na foto.
A princípio, a ocorrência de resgate era para outra mulher e não a que aparece na imagem, como explica a cabo. "Chegamos para dar apoio e a situação já estava mais controlada com essa primeira tentante. A ponte já havia sido fechada. Porém, nesse período, foi passado pela Rodosol que havia uma segunda pessoa subindo no sentido Vitória".
A cabo e os agentes foram a pé em direção a segunda mulher. Após 40 minutos de conversa, a cabo Thais Lauff estendeu silenciosamente as mãos para a mulher, que ao perceber essa atitude, se voltou para a bombeira, olhou em seus olhos por alguns segundos e disse: "Você pode me dar um abraço?".
"Aquele momento, tanto para ela como para mim, foi muito especial. Acompanhei ela até um hospital de referência e finalizamos a ocorrência com tudo dando certo", relembra a cabo.
Esse momento inspirou a pintura intitulada "Posso te dar um abraço?", na sede da corporação, podendo ser vista por quem passa pela ponte.
Thais Lauff
Cabo do Corpo de Bombeiros
"Me senti abraçada também por conseguir ajudar ela com o abraço que ela pediu "
Por que a Terceira Ponte
O fato de a Terceira Ponte carregar consigo o estigma do suicídio, não significa dizer que é nela onde mortes dessa natureza mais ocorrem na Grande Vitória, como pontua a mestre em psicologia Lorena Schettino.
“A gente tem uma imagem muito forte do suicídio atrelada à Terceira Ponte porque ela é uma via pública”, pontua, ao destacar que durante o resgate do Corpo de Bombeiros a ponte é toda fechada, gerando trânsito e repercussão.
A psicóloga ressalta que a prevalência maior de suicídios é na Região Metropolitana, mas no interior do Estado a situação também é preocupante em cidades como Linhares, São Mateus, Colatina e Cachoeiro de Itapemirim.
“O Estado não tem o maior índice do Brasil, mas também não está com o menor índice. A gente tem cerca de cinco a seis mortes por suicídio a cada 100 mil habitantes. Parece pouco, só que todas essas mortes poderiam ser evitadas. A gente está falando de uma vida, várias pessoas envolvidas, famílias, amigos”, reflete.
O psicólogo Alexandre Vieira Brito, por sua vez, destaca que o suicídio possui fatores sociais, coletivos e culturais. Nesse sentido, essa visibilidade simbólica que a ponte proporciona pode ter relação com a quantidade de tentativas e mortes registradas no local.
“O suicídio tem elementos culturais. Se observar o Japão, por exemplo, existe o suicídio por espada, um tipo de suicídio que nós não encontramos em outros lugares como o Brasil. A Terceira Ponte inclui esse aspecto cultural, acaba sendo uma referência simbólica”, avalia.
Painel pintado no Quartel do Corpo de Bombeiros na Enseada do Suá
Além das grades
Os psicólogos avaliam que a construção de barreiras físicas é importante porque fazem a pessoa refletir sobre a atitude que quer tomar.
“Se a ponte não tivesse com a barreira de contenção, a gente já teria perdido inúmeras vidas que talvez hoje tenham buscando ajuda e não estejam pensando mais no suicídio”, afirma Schettino.
“É possível que ela repense, mas mais importante do que deixá-la repensar sozinha é ela ter uma rede de apoio. Quando ela é encaminhada para o serviço de saúde, a chance de nunca mais tentar suicídio é real”, prossegue a mestre em psicologia.
Há um consenso entre os profissionais sobre a necessidade de um conjunto de outras ações para evitar mais casos de suicídios.
“É importante a realização de obras físicas para buscar evitar o suicídio, coisas materiais, mas junto disso tem que haver campanhas mais persistentes e permanentes, que não sejam restritas apenas ao Setembro Amarelo (mês que tem como foco a prevenção da ocorrência de suicídios). Precisamos falar sobre isso sempre! Falar não incentiva, mas previne e instrui, pois muitas pessoas sofrem em segredo!”, destaca Alexandre Brito.
“O governo pode fazer essa contenção dos lugares ou dos meios que são mais perigosos e também de viabilizar com que essa pessoa consiga ser atendida por uma equipe de saúde mental, porque não adianta só cercar esses meios de suicídio, a pessoa tem que ser encaminhada para algum lugar depois disso”, avalia a mestre em psicologia.
Para os profissionais, a criação de políticas públicas voltadas à saúde mental é importante porque há outras formas de suicídio que precisam ser combatidas e discutidas.
“Não é apenas a Terceira Ponte, encontramos também a overdose medicamentosa e o uso de arma de fogo. A pessoa, ainda que em sofrimento profundo, tem uma força dentro dela que deseja continuar a viver. Então, se aparece uma barreira, essa força pode fazer com que ela entre em dúvida naquele momento e isso pode salvar vidas!”, finaliza Alexandre Brito.
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É importante pedir ajuda
Os psicólogos ressaltam que, independente do problema pelo qual a pessoa esteja passando, é importante procurar acompanhamento psicológico.
“Antes de mais nada, eu falaria em ideação suicida, que é a ideia de suicídio, de tirar a própria vida, a ideia de que a vida não vale mais a pena! É quando você se sente um estorvo para alguém, que as coisas não fazem mais sentido e que a vida não tem sabor, que a sua existência não tem mais valor”, contextualiza Brito.
O psicólogo explica que essa ideia de suicídio tem vários graus e pode ser provocada por uma perda significativa e uma busca por eliminar essa dor.
“Visando a eliminar uma dor, às vezes, surge a ideia de eliminar tudo. Mas a ideação suicida tem vários graus: a pessoa com um baixo risco de suicídio e tirar a própria vida, ou tem um médio risco, quando ela começa a verbalizar isso de modo a dizer frases como ‘não gostaria de acordar mais, não queria mais levantar da cama, minha existência incomoda’. E o grau mais elevado é quando a pessoa já planeja o suicídio, escreve carta de despedida ou fez uma tentativa anterior”, explica.
Alexandre Brito
Psicólogo
"Psicólogo não tem contraindicação, você pode buscar ajuda para lidar com um sofrimento ou mesmo se desenvolver em algum aspecto, alguma virtude"
“Você pode procurar um psicólogo quando você sente que a sua vida começa a se paralisar, as suas funções começam a desativar, e começa ter a prejuízos na sua capacidade de amar e produzir, afeta a sua capacidade de trabalhar e se relacionar”, continua Brito.
Na mesma linha, a mestre em psicologia Lorena Schettino destaca a importância do acompanhamento por uma equipe de saúde mental.
“Esse atendimento pode ser feito pelo SUS (Sistema Único de Saúde), nos Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Se a pessoa não consegue acesso ao Caps da sua cidade, pode ir até uma unidade básica de saúde, relatar o acontecimento ou então relatar o que ela está sentindo para a equipe e essa equipe vai redirecionar a pessoa para o dispositivo de saúde mais próximo que seja mais adequado”, pontua.
Para quem tem plano de saúde, Schettino destaca que os convênios são obrigados a fornecer profissionais aos credenciados.
Existe ainda o Centro de Valorização da Vida (CVV). A ONG funciona 24 horas e disponibiliza apoio emocional pelo telefone 188. A ligação é gratuita e o sigilo garantido.
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