Os atentados em duas escolas de Aracruz na última semana inflamaram as redes de ódios na internet. Extremistas, supremacistas e simpatizantes comemoram as mortes, debocham das vítimas e se inspiram no adolescente capixaba que matou quatro pessoas a tiros. Outras 12 ficaram feridas no ataque. “Mais um pra gente idolatrar”, diz uma mensagem. “Eu serei o mais novo atirador de 2023”, afirma outro usuário. Todos usam perfis anônimos.
O atirador, de 16 anos, invadiu duas escolas de Coqueiral de Aracruz na manhã da última sexta-feira (25) e alvejou 13 pessoas, sendo dez professoras e três estudantes. Em seguida, foi para casa, almoçou com os pais, e foi preso horas depois do ato.
As mensagens de apoio a ele e de comemoração pelo ato não se restringem apenas a sites e fóruns inalcançáveis pelos navegadores populares e ferramentas de pesquisa, conhecidos como deep web. Elas estão também na superfície da internet, em posts no Twitter e mensagens no Telegram.
“O mlk so matou 3”, lamenta um usuário da rede social. Em resposta, outro diz: “pra school shooting (atentado a tiros em escola) no BR já é um avanço, além do garoto ter ido com estilo”.
No dia do ataque, o ex-aluno de uma das escolas-alvo usava roupa camuflada, como a do Exército, com a suástica nazista fixada em um dos braços. Além disso, tapava o rosto com uma máscara similar à utilizada por um dos atiradores do massacre em uma escola em Suzano, em São Paulo.
O símbolo, segundo especialistas, é usado por supremacistas e se popularizou entre grupos extremistas desde o atentado na escola de Columbine, nos Estados Unidos, em 1999.
“Atos extremistas, como o lamentável caso de Aracruz, podem servir como um elemento de validação de discursos e manifestações de desejo de agir desses indivíduos na dinâmica do grupo”, aponta a doutoranda na Fafich/UFMG e pesquisadora sobre radicalização, discurso de ódio e desinformação, Luiza Bodenmüller.
Ela esclarece que, nos grupos radicalizados, sejam online ou offline, as interações dentro do próprio grupo ou entre grupos distintos fortalece a sensação de pertencimento e a coesão das mensagens.
A coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Direitos Humanos, Segurança Pública e Violência (Nevi) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Adriana Ilha, relata a interação entre extremistas e radicalizados através de grupos abertos no Telegram.
“Começamos a fazer uma pesquisa sobre grupos antivacina e chegamos ao neonazismo, grupos pregando a supremacia branca, a xenofobia, a misoginia. Todos eles são jovens, brancos, que falam abertamente sobre essas questões, pelo menos nos grupos públicos do Telegram. As figurinhas que trocam são de Hitler. Eles defendem uma nova ordem social que é totalmente pautada na ideologia neonazista”, diz.
Grupos neonazistas se proliferam no Telegram, como mostrou reportagem feita pelo Núcleo. Durante monitoramento, a reportagem do site conseguiu entrar em 46 deles, nos quais mensagens antissemitas, racistas, misóginas, com apologia ao nazismo e incentivo a atentados e tiroteios em escolas são enviadas diariamente.
Adriana Ilha vê com preocupação as mensagens que se sucederam ao ataque em Aracruz, principalmente porque os grupos em questão não são regularmente monitorados pelas autoridades. Para a professora, essas postagens e diálogos não devem ser tratadas de forma leviana.
“Não podemos considerar que é falso, que é só brincadeira, porque dentro de um grupo na busca de identificação, de reconhecimento, pode surgir quem leva isso a sério e vai até o final.”
Embora seja possível encontrar grupos extremistas se comunicando nas redes sociais mais “abertas”, é nos fóruns e sites fora do radar de grande parte da população que eles conseguem mais liberdade. Como Luiza Bodenmüller explica, plataformas como Facebook, Twitter e Youtube têm ferramentas de denúncia de conteúdo e moderação ativa, ainda que não sejam totalmente eficazes em conter o discurso de ódio.
O problema, ela aponta, está nas plataformas alternativas, que defendem uma suposta “liberdade de expressão” irrestrita.
"Já sabemos também que indivíduos que passaram pelo processo de deplataformização, ou seja, tiveram suas contas suspensas ou banidas nessas plataformas principais, acabam recorrendo a estes outros espaços, e a falta de controle propicia um ambiente ainda mais tóxico e propenso à radicalização.”
Em relação, ao Twitter, porém, ela aponta que há relatórios internacionais mostrando como as demissões em massa promovidas na plataforma recentemente tiveram impacto direto sobre o aumento de circulação de discursos violentos, especialmente racistas e nazistas, devido à falta de moderação e punição dos perpetradores.
O Telegram também colocou algumas barreiras recentemente contra a proliferação dos grupos extremistas, mas que são facilmente burladas pelos usuários. Por conta da propagação de discurso de ódio no aplicativo de mensagem, países como a Alemanha consideram até em proibir o serviço no país.
FAZER APOLOGIA OU EXALTAR ASSASSINO É CRIME
A especialista em direitos e garantias fundamentais Renata Bravo afirma que os autores das postagens e mensagens que exaltam o autor dos atendados ou comemoram as mortes cometidas por ele estão cometendo um crime.
“Quando coloca o assassino como herói, temos no Código Penal o artigo 287, que criminaliza o ato de fazer apologia a fato criminoso ou autor do crime”, explica.
Além disso, a divulgação de elementos visuais que remetem ao nazismo, como a suástica, com o objetivo de promover essa ideologia também é conduta criminosa, segundo Renata Bravo.
“Qualquer símbolo que tenha relação com o nazismo e que seja divulgado para fomentar isso — e todo mundo sabe o mal que o nazismo foi na sociedade —, qualquer pessoa que use a suástica ou tenha elementos no corpo, na roupa ou veiculando na internet, pode responder criminalmente”, aponta.
Segundo a lei 7.716/1989, fabricar, vender, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo é passível de pena de prisão de até cinco anos e multa.
Já as mensagens em que os autores se mostram “inspirados” em cometer crimes similares devem servir de ponto de investigação para as autoridades.
“Quando a pessoa fala ‘eu serei o mais novo atirador’ é um aviso. Não é um crime, mas é um alerta para investigação ver se existem outros crimes anteriores ao ato praticado. Atos preparatórios não são puníveis, mas esses que estão dando o alerta, é importante investigar para ver se já não praticam outros delitos e ações, como comprar armas irregularmente, por exemplo”, diz.
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