Faltando vinte dias para o assassinato da estudante Isabela Negri Cassani completar 21 anos, a Quarta Vara Criminal de Cariacica publicou, no dia 5 de outubro, a última sentença sobre o caso. Trata-se da declaração de extinção da “pretensão punitiva estatal”, ou a prescrição do homicídio, confirmando, assim, a impunidade do crime.
O fato ocorre um ano após a Polícia Civil encerrar as investigações. Em outubro do ano passado, o último delegado do caso, José Lopes, informou que estava encaminhando o inquérito para o Ministério Público do Estado (MPE), para os procedimentos de finalização e arquivamento do caso.
Terminavam os trabalhos, após 20 anos, iniciados logo após o estupro e o assassinato, resultando num compilado três volumes, sem que o assassino fosse identificado. “Deixaram de fazer o básico, o óbvio”, desabafou o delegado, em entrevista concedida para A Gazeta, em outubro de 2019.
O inquérito foi classificado por Lopes como emblemático. "Oitenta policiais estiveram envolvidos nesta investigação. O inquérito tem 875 folhas. Foram ouvidos os depoimentos de 61 pessoas ao longo dos 20 anos. Cinco chegaram a ser presas. Chegou a ser feito até um retrato falado. E ainda tivemos 58 exames de DNAs, mas, infelizmente, para a conclusão do procedimento, todos tiveram resultado negativo", esclareceu na mesma entrevista.
Na época, o delegado-geral da Polícia Civil, José Darcy Arruda, também declarou: "Não há nada o que se possa fazer, ocorreu a prescrição, a perda do direito de punir do Estado".
Segundo o andamento processual do caso, presente no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o “arquivamento definitivo” do processo ocorreu no último dia 9.
INCOMPETÊNCIA DO ESTADO
Para o advogado criminalista Paulo Panaro, promotor de Justiça aposentado que atuou no caso de Isabela Cassani em 2012, a mais recente decisão judicial atesta a “incompetência do Estado em investigar”. “Decorreu 20 anos e o Estado não chegou a uma conclusão sobre o crime, não chegou a autoria, não identificou quem matou a adolescente”, assinala.
De acordo com Panaro, o arquivamento do processo, na prática, significa que o crime está impune. “Pela legislação em vigor, neste tipo de crime, mesmo que a polícia descubra agora quem matou a jovem, ou na hipótese de que um cidadão se apresente ao delegado ou a alguma outra autoridade e confesse o crime, o Estado não pode fazer nada para punir”.
Ele explica ainda que, para todos os tipos de crime, segundo o Código de Processo Penal, existe um prazo determinado para o Estado iniciar a chamada persecução penal - o processo, que vai da investigação ao julgamento. “Há um decurso de tempo para que o Estado inicie a persecução penal e, no caso de homicídio, são duas décadas”.
Mas no caso de Isabela Cassani, não se encontrou o autor do homicídio. “Teve o crime, uma jovem de 15 anos foi assassinada, passaram-se 20 anos, mas sem a identificação do autor, o Estado não pode exercer a persecução penal. E o tempo para que a persecução penal fosse feita se encerrou”, explica.
DESENCONTRO NA INVESTIGAÇÃO
A investigação sobre a morte da estudante Isabela, de 15 anos, passou pelas mãos de 10 delegados, foi marcada por polêmicas e desencontros de informações. E, apesar da realização de 58 exames de DNA, nenhum resultado testou positivo com o material encontrado no corpo da jovem, e a polícia nunca chegou perto de encontrar o assassino.
O inquérito ainda chegou a passar por duas forças-tarefas do Ministério Público Estadual (MPE), para o cumprimento das chamadas Metas. Era uma estratégia do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para a conclusão de todos os inquéritos e procedimentos investigatórios de homicídios instaurados até 31 de dezembro 2007.
Ao todo, 49 pessoas prestaram depoimento no inquérito. Foram expedidos seis mandados de prisão. Um deles para a missionária americana Leann Collen Gridley, amiga da jovem que residia no Centro de Vitória e esperava por Isabela na noite do crime. Porém, um dia antes da expedição do mandado, ela viajou para os Estados Unidos e nunca retornou. A polícia nunca conseguiu confirmar o envolvimento dela no caso.
O ÚLTIMO TRAJETO
O mistério sobre a morte de Isabela teve início no dia 24 de outubro de 1999, quando ela saiu de casa, em Jardim da Penha, por volta das 20h30. Seu destino era o Centro de Vitória, onde passaria a noite na casa de uma amiga missionária, a norte-americana Leann Collin Gridley. Mas a adolescente nunca chegou.
Há indícios de que o percurso inicial foi feito de ônibus, pela linha 213. Mas não se sabe onde ela embarcou. Uma das certezas da polícia é de que Isabela desceu do coletivo na altura do Clube Álvares Cabral.
Logo à frente, no sentido Centro de Vitória, em um posto de gasolina, foram registradas as últimas imagens de Isabela com vida. Era 22h20 quando ela entrou na loja de conveniências em busca de informações. Minutos depois, a adolescente deixa o local.
Dela só se teve notícia na manhã seguinte, dia 25, quando alguns remadores avistaram o seu corpo boiando na região do Tancredão, em Vitória. Por volta das 8 horas, o corpo de Isabela foi retirado da água por um morador de Cariacica, já na Estrada de Porto Velho, próximo à sede da Polícia Federal.
O laudo apontou que ela foi agredida com algum tipo de instrumento contundente na parte de trás da cabeça. A adolescente apresentava ainda escoriações, sinais de agressões em outras partes do corpo e foi confirmado o estupro. Usava as mesmas roupas e o relógio que havia vestido na noite anterior, quando saiu de casa. Outro mistério é que não se sabe o que aconteceu com a bolsa vista com ela nas imagens registradas no posto.
Naquele dia teve início a saga por justiça dos pais da jovem, Robson Antonio Sodré Cassani e Risa Márcia Lopes Negri, e de seu padrasto, Nelson Hespanha Borges Filho. Em outubro do ano passado, quando foi pedido o arquivamento do inquérito, eles foram informados de que o assassino não foi identificado e de que o crime seguiria impune.
O assassinato de Isabela Cassani
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