Estudantes cegos de escolas públicas de Vitória ganharam uma nova ferramenta para conciliar diversão e aprendizado. O chamado Lego Braille Bricks, um novo modelo do brinquedo Lego, é customizado com o Sistema Braille, permitindo que crianças e adolescentes com qualquer grau de deficiência visual tenham contato com o item que simula blocos de construção e que marcou gerações ao longo dos anos. Vitória foi a primeira cidade do Espírito Santo a receber o Lego Braille e tem utilizado o brinquedo em todas as escolas onde há ao menos um aluno com deficiência.
O Sistema Braille é utilizado em todo o mundo para a escrita e a leitura de pessoas com deficiência. Nas salas de aula em Vitória, o Braille é apresentado a todos os alunos, inclusive os videntes — termo utilizado para denominar as pessoas que veem. Uma caixa de ovos cortada e bolinhas de isopor servem como uma iniciação antes do contato com o brinquedo.
O Lego Braille tem sido utilizado nas escolas de Vitória com crianças a partir dos 4 anos. Além de serem coloridas e servirem como encaixe, as peças têm a representação das letras e números em formato Braille. Assim, uma criança pode, por exemplo, escrever o próprio nome ou qualquer outra palavra. Tudo isso tateando o alfabeto Braille. Em Vitória, são mais de 70 alunos em escolas públicas municipais com algum grau de deficiência visual.
O alfabeto especial foi criado há quase 200 anos na França. Na prática, a existência de brinquedos com o Sistema Braille permitem uma aproximação dos deficientes visuais com os videntes. Quem diz isso são as próprias mães de deficientes visuais.
Brinquedo com braille é motivo de alegria, segundo mães de alunos
Gabriel Ferri, de 6 anos, e Davi Siqueira, de 11, são estudantes de escolas públicas em Vitória. Gabriel mora na Grande São Pedro, e Davi mora na região do Centro de Vitória. Os dois têm deficiência visual e encontram dificuldades no dia a dia em decorrência da falta de acessibilidade.
As duas crianças, que têm usado o Lego Braille, nunca se encontraram. Ao lado das mães, conversaram com a reportagem de A Gazeta sobre o uso do brinquedo em sala de aula e relataram que o item tem gerado uma aproximação com os outros colegas de turma. Apesar de não se conhecerem, o que os dois têm em comum vai muito além da rotina como estudantes. Estar em sala de aula significa experimentar conhecimento e conhecer um novo mundo.
"Quando uma pecinha do Lego cai no chão, eles pegam para mim", relata Gabriel Ferri sobre o companheirismo dos colegas de sala de aula.
A chegada do Lego foi uma surpresa para Ana Ferri e Pâmella Galante, mães de Gabriel e Davi. Desde que o brinquedo entrou nas escolas municipais, as mães têm se surpreendido com a alegria dos filhos e até a vontade de permanecer em sala de aula depois do horário.
Pâmella Galante
Dona de casa e mãe de Davi Siqueira
"Eu já ouvi que meu filho não seria nada. Ouvi que meu filho não iria desenvolver. Mas eles não sabiam que meu filho teria uma mãe que iria batalhar para ele aprender. Eu não acreditei no que aquela pessoa me disse"
O relato das mães converge com a proposta da Prefeitura de Vitória ao implantar o Lego Braille na rotina dos pequenos. A participação no programa é gratuita e não há dinheiro público envolvido na compra dos brinquedos, que são cedidos pela Fundação Dorina Nowill, além de um curso de formação de professores.
Cada escola recebe quatro caixas do Lego Braille Bricks. Ainda que haja apenas um aluno com deficiência visual em sala de aula, todos os estudantes participam da dinâmica e brincam com as peças coloridas.
Lego Braille foi lançado em 2019 e chegou a 20 países antes do ES
O Lego Braille Bricks foi lançado durante uma cerimônia em Paris, na França, em 2019, após anos de estudos e negociação. Em entrevista à reportagem de A Gazeta, a assistente social e coordenadora do Programa Braille Bricks, Maria Regina Marques, contou que a ideia surgiu inicialmente no ano de 2016. A criação do Lego Braille é resultado de uma parceria da empresa fabricante do brinquedo com a Fundação Dorina Nowill, organização dedicada à inclusão social criada há mais de 75 anos.
O programa prevê a doação do kit e um curso de formação para uso da ferramenta pedagógica em sala de aula. Em Vitória, por exemplo, cada escola onde há ao menos um aluno cego recebe quatro caixas do Lego Braille Bricks. A ideia é permitir que todos brinquem e usem o item, não apenas os estudantes cegos. Uma caixa é composta por 344 peças coloridas. Cada uma das peças representa uma letra ou número, de acordo com o alfabeto Braille. O curso é destinado aos professores que pretendem utilizar o Lego Braille em sala de aula.
Maria Regina Marques
Assistente social e Coordenadora do Programa Braille Bricks
"A cada edição do curso, a gente percebe um aumento do interesse. Com o conhecimento do recurso pedagógico, contribuímos para a educação inclusiva, isso tem sido muito positivo"
Na avaliação da coordenadora do programa, a criação do brinquedo permite que as crianças com deficiência visual tenham garantia à educação inclusiva. O Programa Lego Braille Bricks começou a ser implementado em 2019, ano do lançamento. De acordo com Maria Regina Marques, projetos foram feitos em escolas de Franco da Rocha e Presidente Prudente, cidades do Estado de São Paulo, além de Salvador, na Bahia.
Lego Braille Bricks é utilizado em escolas de Vitória
Atualmente, o brinquedo está em mais de 20 países ao redor do mundo. Segundo números oficiais da Fundação Dorina Nowill, nem todas as capitais contam com o Lego Braille. Ao todo, desde a implementação, 86 cidades já receberam o kit. Vitória era a única cidade capixaba da lista até o início de 2024.
"É preciso reforçar o ensino do Braille", diz especialista
A utilização de brinquedos com o Braille em salas de aula permite e promove a inclusão de estudantes cegos em escolas públicas de Vitória. Mas os brinquedos também são uma forma de aproximar o ensino das crianças, tornando mais leve e informal. Esta é a avaliação do professor do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade Federal do Espírito Santo Douglas Christian Ferrari. Ele também é coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Fundamentos da Educação Especial, da Ufes.
Douglas Christian Ferrari
Professor da Ufes
"O Braille é o responsável pela alfabetização e ortografia de uma criança, por isso é preciso reforçar o ensino. O letramento e alfabetização de uma criança são essenciais e precisam ser feitas de maneira correta"
Ainda segundo o professor, é possível afirmar que as tecnologias e meios de ensino evoluíram nos últimos tempos. Por exemplo, aplicativos, computadores e leitores de tela estão disponíveis para crianças cegas estudarem. O avanço precisa estar no formato, mas principalmente no conteúdo, segundo Douglas Ferrari.
"Vejo que há um acesso maior atualmente do que antigamente, até pelo aparato legal. A Constituição e alguns normas obrigam que o aluno esteja em sala de aula. Mesmo com as dificuldades, houve alguma melhoria. Isso possibilita que pessoas cheguem a níveis mais altos", afirma.
Douglas Christian Ferrari elogiou o material utilizado em escolas de Vitóra. O professor da Ufes opina que as tecnologias têm valor alto, o que compromete o acesso de algumas crianças e adolescentes. Por esta razão, é importante que o poder público, como as prefeituras, garantam o acesso.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.