No percurso que havia traçado para sua vida, Samia planejava se tornar engenheira. Amanda, que já vivia com o namorado, queria se casar. Esses não eram os únicos sonhos, mas tudo o que desejavam foi abruptamente interrompido. No meio desse percurso, ambas morreram em acidentes de trânsito. Os motoristas envolvidos são acusados de ter bebido antes de dirigir, e as famílias das vítimas até hoje aguardam pelo julgamento.
O tempo separa uma história da outra, mas as circunstâncias em que morreram Samia Izabella Moreira, de 24 anos, e Amanda Marques Pinto, 20, são bastante semelhantes.
Samia havia saído com três amigas para comemorar o fim das férias em Guarapari e, quando retornavam pela Rodovia do Sol, em 26 de janeiro de 2014, o carro em que estavam foi atingido pelo veículo dirigido por Luciano de Paula Navarro. A jovem, que estava no banco do carona, morreu na hora.
Em 17 de abril de 2021, Amanda tinha passado a tarde com a mãe, Renata Marques. À noite, quando seguia para sua casa de moto com Matheus José Silva pela Avenida Darly Santos, em Vila Velha, foi atingida por Wagner Nunes de Paulo. Ela também morreu no local.
No vídeo a seguir, você confere o relato de familiares, de quem teve que transformar o luto em luta para tentar garantir a justiça.
Contra os dois motoristas pesa a acusação de embriaguez ao volante, embora, desde 19 de junho de 2008, esteja em vigor a Lei Seca, que proíbe o consumo de qualquer quantidade de álcool por quem vai dirigir.
Para o pai de Samia, o empresário Izaias Moreira, 72 anos, é difícil acreditar que a justiça será feita por sua filha. Desde o dia da morte, mostra-se cético por não ver acusados de beber e dirigir irem para a cadeia e, efetivamente, cumprirem a pena de prisão. Ainda assim — ou talvez por isso —, Izaias se engajou em projetos de educação para o trânsito.
Ele faz palestras e se mobiliza em campanhas educativas também como uma espécie de cura da própria dor. Há pessoas do seu convívio que lamentam a perda da Samia, mas, ele conta, insistem em beber e dirigir depois. Izaiais segue no propósito de tentar conscientizar quantos for possível.
Izaias Moreira
Pai de Samia, morta em um acidente de trânsito em 2014
"Não faço apologia contra a bebida. Eu faço, sim, a crítica a beber e pegar a condução de um veículo."
Para Renata, mãe de Amanda, o choro é constante, sinal de um quadro depressivo diagnosticado após a morte da filha. Ela deixou o trabalho, toma uma série de medicamentos e se esforça todos os dias para se levantar da cama para dar assistência ao filho de cinco anos, que é autista, e seguir na luta para levar o acusado da morte a julgamento. Mas ela lamenta a demora do processo.
"O que me causa mais indignação é que eu não tenho mais o que provar na Justiça para mostrar que a minha filha estava certa. Eu não tenho mais o que fazer. Eles sabem que o rapaz estava embriagado, em alta velocidade, estava errado. Então, você tem que mostrar ainda para a Justiça, fica nesse vai e volta, vai e volta. Isso dói muito, machuca. Eles tinham que entender que os mais sofridos somos nós. Uma mãe, que enterrou uma filha inocente, que tinha saído de casa e dali a 10 minutos você recebe uma ligação que sua filha está morta. E a gente ainda tem que ficar correndo atrás da Justiça? Tinha que vir logo esse júri", desabafa.
Para a artesã Ana Valéria Santos Ramos, 57 anos, a certeza já é de impunidade. Ela perdeu o filho Luiz Carlos, a nora Carla e o neto João Carlos, de apenas dois anos, em um acidente na BR 101, em Itapemirim, em junho de 2010. Embora houvesse suspeitas sobre o consumo de álcool pelo caminhoneiro que atingiu o carro da família, ele não foi submetido a exame de sangue.
"Colheram o sangue do meu filho e da minha nora, que estavam mortos, mas não colheram de quem estava vivo e envolvido no acidente. Na época, a polícia diz que fez o bafômetro, mas não imprimiu o resultado porque teria dado negativo. Foi tudo muito estranho", relembra Ana Valéria. Sem provas, o processo que a artesã abriu acabou arquivado.
"Levei cinco anos para sair do luto. A primeira impressão é que a gente não vai sobreviver. A gente sobrevive, mas nunca mais vai ser a mesma coisa. Ficaram traumas para sempre e a dor", desabafa Ana Valéria, que, para amenizar o sofrimento, assim como Izaias, se engajou em projetos de educação para o trânsito, numa tentativa de conscientizar as pessoas a não beber antes de dirigir.
David Metzker, advogado de Wagner, afirma que há divergências sobre o seu cliente estar ou não sob efeito de álcool quando bateu o carro contra a moto em que estava Amanda. Ele sustenta a tese de que não há certeza sobre a embriaguez. Além disso, ainda que estivesse sob efeito de álcool, a legislação garantiria a Wagner o enquadramento por homicídio culposo (quando não há intenção) em vez de doloso (em que ele teria assumido o risco de matar). Esses são dois aspectos ponderados pela defesa em um recurso para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na expectativa de conseguir a liberdade provisória do acusado.
A tentativa da defesa é de que o julgamento de Wagner seja por homicídio culposo, para não ser submetido a juri, ou que seja classificado para homicídio simples, e com isso o crime não ser tratado como hediondo.
Luciano de Paula, acusado de matar Samia, responde ao processo em liberdade. Homero Mafra, que faz a sua defesa, foi procurado para falar do caso, porém não foi localizado.
Sobre a demora na tramitação dos processos, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) informa, em nota, que "está vivendo um momento de digitalização de processos, o que pode causar um prejuízo temporário na marcha processual. Some-se a isso o fato de que há carência de servidores e juízes, o que será minimizado, em breve, com o concurso público."
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