O aumento de infectados pelo novo coronavírus tem provocado uma demanda cada vez maior pelas unidades hospitalares do Espírito Santo. O sistema de saúde é o setor principal de investimentos do governo estadual, mas a ocupação de leitos com doentes graves vem crescendo a cada dia.
Na tarde desta quinta-feira (07), 64,62% dos leitos de UTI para pacientes com Covid-19 estavam ocupados. E o crescimento da demanda na rede hospitalar acompanha a queda de adesão ao isolamento social no Estado. Atualmente, a porcentagem está na média de 46% e, segundo o governo, precisa chegar pelo menos aos 55% para evitar um colapso.
Caso a situação se agrave, o Estado cogita a possibilidade de decretar lockdown, que é o isolamento compulsório da população, com fechamento de comércios, proibição de andar em ruas e paralisação total do transporte público.
"A pandemia é de médio e longo prazo, vamos ter que ter uma mudança na nossa vida até chegar a vacina. Nesse período, não tem alternativa a não ser manter a disciplina e essa convivência. Senão, podemos colapsar e ter a realidade que alguns Estados brasileiros já estão enfrentando", afirmou Renato Casagrande, na última quarta-feira (06).
MAS DÁ PARA EVITAR?
Desde o primeiro decreto governamental, há 53 dias, quando escolas, parte do comércio e bares foram fechados, a população capixaba vem acompanhando o passo a passo das ações necessárias para minimizar os danos da pandemia.
No entanto, especialistas ouvidos por A Gazeta apontam que alguns erros podem contribuir para que o Espírito Santo venha a passar pela experiência do lockdown. Para evitar esse cenário, será preciso novas posturas da população e também dos governos.
Um dos fatores que prejudica a contenção do avanço da doença é unanimidade entre os entrevistados: a falta de empatia dos que não respeitam o isolamento social. Fake news, ausência de uma campanha nacional de conscientização e a crise política também foram listados.
Confira os principais desafios do Estado para evitar o bloqueio total.
FAKE NEWS
Antes mesmo da confirmação do primeiro caso de contaminação no Espírito Santo, no dia 5 de março, já circulavam, pelas redes sociais e aplicativos, diversas informações falsas sobre o coronavírus, quase sempre minimizando os danos sociais, econômicos e de saúde que a Covid-19 provoca.
"As fakes news continuam. Essa propagação de notícias falsas dificulta a lidar com uma doença que é totalmente nova, pois muitas vezes essas informações distorcidas chegam mais rápido do que as corretas", observou Pablo Lira, pesquisador do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
Para o cardiologista Henrique Bonaldi, as fake news incentivam as pessoas a não cumprirem o isolamento social. " Essas correntes colaboram para que a pessoa que já não quer cooperar com o isolamento não fique em casa", observou o médico.
POUCA ADESÃO AO ISOLAMENTO SOCIAL
Segundo o pesquisador Pablo Lira, cerca de 70% da população deixou de sair de casa no início do isolamento social. Atualmente, esse percentual está em 46%. A baixa adesão dos capixabas é um dos maiores problemas para a contenção da disseminação do coronavírus.
Um exemplo é a Praia da Costa, em Vila Velha, que subiu para o primeiro lugar no ranking dos bairros com maior número de casos registrados, superando Jardim Camburi, em Vitória. Andando pelo bairro, não é difícil ver pessoas circulando nas ruas, nas praias e no comércio.
"Estamos falando de uma população que não quer ficar em casa. Tem quem sai de casa porque faz parte dos serviços essenciais. O nosso problema é outro, é quem pode ficar em casa e não fica. E isso colabora para um número maior de pessoas doentes e, consequentemente, mais pacientes em estado grave ao mesmo tempo", explicou Bonaldi, que avalia ainda os impactos econômicos de se chegar ao lockdown.
Para Ethel Maciel, epidemiologista e professora da Ufes, a baixa adesão ao isolamento social revela a falta de solidariedade da população. "Ficar em casa é a possibilidade de salvar vidas. Essa noção de solidariedade é o que faz a diferença. Você doar cesta básica e máscara são ações caridosas. Mas viver no lugar do outro que vai precisar de leito médico, que precisa que essa pandemia acabe, é ter solidariedade", pontuou.
CRISES POLÍTICAS
A politização da saúde e os discursos conflitantes entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e as autoridades de saúde e os governadores também são fatores que dificultam a condução da gestão de crise causada pela pandemia.
"A autoridade máxima do país traz informações e atitudes diversas da saúde, fazendo uma bagunça no que e em quem acreditar, colocando em risco a população ao gerar aglomerações e manifestações", destacou Pablo Lira.
A polarização política foi outro ponto que se somou às dificuldades de contenção da pandemia. " Polarizar saúde versus economia foi um erro. O capixaba está enxergando só o agora. Se está ruim, pode piorar. Não é hora de polarizar, o país precisa estar unido", ressaltou Bonaldi.
Em meados de abril, quando a pandemia do novo coronavírus já apresentava uma escalada de casos confirmados e mortes em todo o país, o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi demitido por Bolsonaro, após divergências públicas entre eles sobre como conduzir a crise epidemiológica.
COMUNICAÇÃO DISTANTE DA PERIFERIA
Segundo a professora Ethel Maciel, o governo do Estado precisa dialogar melhor com os moradores das regiões periféricas, o que não foi feito no início do combate ao coronavírus.
"A comunicação foi concentrada em uma camada da população que tem água e sabonete, que pode comprar álcool em gel. Porém, não houve estratégias para a camada mais vulnerável, que vive em uma casa de dois cômodos e oito pessoas, por exemplo. Como se isolar assim? A realidade impõe limitações para se fazer um isolamento", descreveu.
Ethel também criticou a demora em distribuir máscaras. "No início não havia máscaras para essa população mais vulnerável, que não tem dinheiro para álcool em gel, nem pias, banheiros, e que também não tem a opção de não trabalhar. Foi um erro de estratégia não dirigir ações para esta camada da população", enfatizou.
AUSÊNCIA DE CAMPANHA NACIONAL
A falta de gerenciamento nacional de campanhas de conscientização e a ausência de gestão de crise mais efetiva do governo federal também contribuíram para que o Espírito Santo e os demais Estados tivessem que se organizar sozinhos.
"Falta uma coordenação nacional para uma pandemia muito grave. Não temos propaganda com linguagem simples em canais abertos, é necessário atingir todos os grupos populacionais, pois a pandemia está diretamente relacionada ao comportamento da população", concluiu Ethel Maciel.
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