Quando começou a se relacionar com o pai de seu filho Enzo, hoje com 1 ano e 7 meses, a estudante Stheffany Pereira Lopes Santos, 16 anos, não pensava em engravidar. Na verdade, ela disse que nem sabia como evitar filhos. Por isso, ao descobrir a gestação aos 14 anos, teve um choque. Mas ela não está sozinha: no Espírito Santo, somente no ano passado, mais de 5 mil meninas e adolescentes se depararam com a gravidez precoce.
Um estudo encomendado pelo Ministério da Saúde aponta que uma de cada cinco garotas que engravidam desconhecem meios de prevenção e têm nova gestação antes de completar 18 anos. O trabalho, conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre (RS), dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi), analisou os impactos da gravidez na adolescência.
Stheffany vivencia muitos deles: o pai do Enzo é ausente, ela tem pouco tempo para lazer, os custos da maternidade são altos e precisou assumir responsabilidades que não seriam da sua idade, caso não tivesse filho. A estudante reconhece que, se tivesse a mentalidade de hoje, teria ouvido os conselhos da mãe e não engravidaria tão nova.
Apesar das dificuldades, Stheffany fala da alegria que é acordar e todo dia ver o sorriso do filho, que, segundo ela, é muito amoroso e "beijoqueiro". E ela conseguiu se manter na escola, algo incomum entre adolescentes que engravidam. Está cursando a 2ª série do ensino médio. A mãe, a cozinheira Gidalva Oliveira Santos, 44 anos, faz questão que a filha termine os estudos.
Para Gidalva, descobrir a gravidez de Stheffany também não foi fácil. Logo que soube que a filha já havia tido relações sexuais, a mãe advertiu a adolescente para que não se encontrasse mais com o parceiro até que passasse por uma consulta médica a fim de buscar orientações e métodos contraceptivos. A estudante desrespeitou a recomendação da mãe e engravidou.
A cozinheira conta que passou a gestação sem conversar com a filha, mas nunca pensou em mandar que ela saísse de casa. Hoje, a ajuda na criação do Enzo. "Ele é minha paixão", derrete-se.
Conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 5.199 meninas e adolescentes, de 10 a 19 anos, ficaram grávidas em 2023. Os indicadores vêm reduzindo ano a ano — em 2020, eram 6.803 —, mas os números ainda preocupam e refletem desafios que precisam ser enfrentados para diminuir ainda mais a incidência de gestações precoces.
A médica Chiara Musso, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Ufes e coordenadora do Programa de Atendimento à Vítima de Violência Sexual (Pavivis), aponta dois aspectos fundamentais para lidar com esse quadro: educação, tanto em casa quanto na escola, e ações para conter a sexualização precoce.
"Eu sempre trabalhei no SUS e, no atendimento, a sensação que tenho é que muitas dessas meninas não têm perspectivas. Vêm de uma família com baixa escolaridade, em que muitas vezes a mãe engravidou na adolescência também, e o ciclo se repete", observa.
Uma situação ainda mais complexa para Chiara é a sexualização das meninas, que, segundo ela, frequentam ambientes inadequados para a faixa etária e com a prática de sexo naturalizada nesses locais, mesmo com menores.
A médica sustenta que muitos não sabem que manter relações sexuais com uma garota que tem menos de 14 anos é estupro de vulnerável, mesmo que haja consentimento da parte dela, ou seja, é crime. "Está naturalizada a violência contra essas meninas. Transar com elas nessa idade é proibido por lei e as pessoas fingem que não estão vendo."
Uma gestação precoce tem inúmeras implicações. Desde a saúde da gestante e do bebê, inclusive com maior risco de morte porque o corpo da menina não está preparado para uma gravidez, até para a economia do país. Conforme trecho do estudo do Proadi com mães adolescentes, o relatório "Situação da População Mundial", do Fundo de População das Nações Unidas, revela que o Brasil teria um aumento de produtividade de US$ 3,5 bilhões — cerca de R$ 17,5 bilhões — se as meninas tivessem adiado a gestação até os 20 anos.
Daysi Kroehler, gerente de Políticas e Organização de Redes de Atenção à Saúde da Sesa, diz que a secretaria tem trabalhado junto aos municípios ao longo dos anos com ações que, em sua avaliação, têm contribuído para a redução de registros de gravidez na adolescência. Uma das iniciativas é o Programa Saúde na Escola (PSE), que, entre outras abordagens, trata da educação sexual e reprodutiva. Ainda assim, para ela, essa é uma atuação que deve ser permanente para manter o ritmo de queda, e não só do poder público, mas de toda a sociedade.
"É um trabalho de conscientização, de educação. As próprias famílias precisam abordar essa temática. Muitas vezes, a educação sexual é vista, equivocadamente, como forma de incentivo à iniciação sexual. Há muitas famílias que não abordam esse tema. As meninas não sabem como engravidam, ou sabem, mas acham que não vai acontecer com elas. O tabu de não se discutir dentro de casa, de dialogar com os filhos, é um complicador", pontua.
Para além do ambiente familiar, Daysi defende que outros espaços comunitários, tais como igrejas, escolinhas esportivas e movimentos sociais, se apropriem desse assunto para também orientar os adolescentes — não só as meninas — sobre a prevenção à gravidez precoce e às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), outro foco de preocupação da Sesa.
Nas escolas, há iniciativas em andamento. Na rede estadual de ensino, segundo nota da Secretaria de Estado da Educação (Sedu), somadas às ações do PSE, o currículo prevê conteúdos nas aulas de Biologia voltados à educação sexual preventiva.
"A inserção da educação sexual e reprodutiva no currículo do ensino fundamental e médio é abordada em diferentes anos e com diversos objetos de conhecimento", diz trecho da nota. No 8º ano, por exemplo, há cinco áreas principais: mecanismos reprodutivos, adolescência e puberdade, métodos contraceptivos, ISTs e sexualidade humana.
"Cada um desses tópicos é abordado com o objetivo de desenvolver habilidades específicas nos estudantes, como a compreensão dos processos reprodutivos, o reconhecimento das mudanças físicas e psicológicas durante a puberdade, a análise da eficácia de diferentes métodos contraceptivos, a identificação dos sintomas e modos de transmissão de doenças e a valorização das múltiplas dimensões da sexualidade humana", pontua a Sedu.
No ensino médio, a educação sexual é tratada nas 2ª e 3ª séries, focando em tópicos como fisiologia e reprodução humana, além da biotecnologia. Esses conteúdos visam a aprofundar o entendimento dos estudantes sobre processos naturais e fisiológicos, assim como promover a saúde e o bem-estar juvenil frente aos desafios contemporâneos.
"Além disso, a temática sexual é incorporada como um tema integrador em todos os componentes curriculares, seguindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Isso significa que, além de ser abordada como um assunto específico, a educação sexual permeia diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para a formação integral dos estudantes. A abordagem busca superar a mera transversalidade, posicionando-se como um eixo estruturante e contextualizador dos objetivos de aprendizagem, com uma perspectiva que inclui as dimensões cognitiva, política e ética."
Nos casos em que uma aluna engravida, a Sedu diz que disponibiliza, durante os seis meses de licença maternidade, todas as atividades pedagógicas em casa, bem como agendamento para a realização das avaliações na escola. Assim, espera-se que a adolescente não desista de estudar. Mas, caso ela não retorne à unidade de ensino, a secretaria realiza busca ativa, fazendo contato direto com a estudante, tanto para acompanhamento das atividades domiciliares em caso de licença maternidade quanto no incentivo à permanência na escola durante e após a gestação.
Quando constatada gravidez na adolescência em aluna da rede municipal de ensino de Vila Velha, segundo informações da prefeitura, é feita uma ficha de notificação para encaminhamento de todos os cuidados psicossociais e de saúde, com amparo inclusive para evitar a evasão escolar.
"De forma preventiva e, sobretudo, em caso de alta incidência de gravidez na adolescência em determinada região ou comunidade, as Secretarias Municipais de Saúde e Educação realizam ações conjuntas para o desenvolvimento pleno e saudável desses adolescentes, abordando temáticas como planejamento reprodutivo, higiene adequada, prevenção a infecções sexualmente transmissíveis, à gravidez não planejada e também à violência sexual", ressalta a administração municipal, em nota.
No município, até o ano passado, havia 498 adolescentes grávidas atendidas. Dessas, 24 na faixa de 10 a 14 anos. "A gestante recebe o atendimento na unidade de saúde, é assistida pelo enfermeiro e/ou médico, faz os primeiros procedimentos necessários de uma primeira consulta de pré-natal e é encaminhada também para o alto risco", diz a nota.
Na Serra, a prefeitura aponta redução gradual no percentual de gravidez na adolescência, que, em 2023, foi de 10%. Em 2022, eram 10,23% e, no anterior, 11%.
Em nota, a administração municipal frisa que é uma preocupação que as políticas de educação em saúde e ações para o planejamento reprodutivo, principalmente que visam a reduzir os casos de gravidez não intencional, sejam constantemente fortalecidas. Em fevereiro, por exemplo, foi reforçado para seus profissionais as orientações técnicas do Ministério da Saúde sobre gestação na adolescência.
Além disso, acrescenta a prefeitura, as adolescentes e jovens têm o acompanhamento em todas as fases da vida nas unidades de saúde. "São ofertados programas para a assistência à saúde sexual, à saúde reprodutiva, ao planejamento reprodutivo, ao pré-natal, ao pós-parto, à saúde da criança e à saúde da mulher e do homem. Também são ofertados métodos contraceptivos, entre eles, o DIU e anticoncepcionais, e a distribuição gratuita de preservativos em todos os equipamentos de saúde da Serra."
A administração municipal ressalta ainda que, no caso de uma gravidez, a adolescente deve buscar sua unidade de saúde de referência para dar início ao pré-natal para atendimento ginecológico com as equipes de saúde.
Na área da Educação, a Serra conta com o projeto "Território de Afetividade", que trata de cultura da paz na sala de aula e, entre suas temáticas, inclui a gravidez na adolescência. "Nele, toda a comunidade escolar (estudantes e familiares, professores, profissionais da Educação e demais funcionários das escolas) é envolvida por meio de atividades e dinâmicas adaptadas (palestras, oficinas, rodas de conversa) para cada unidade de ensino por uma equipe interdisciplinar que inclui psicólogos e assistentes sociais."
A temática da gravidez, educação sexual e reprodutiva é tratada na disciplina de Ciências no Fundamental II, a partir do sexto ano e com, ênfase, no oitavo ano.
A prefeitura lembra que a aluna gestante tem garantido o acesso ao sistema de ensino, segundo a Lei Federal 6.202/75. Para continuar os estudos, a partir do oitavo mês de gestação e, por até seis meses, poderá realizar as atividades escolares em casa, com orientação e assistência da unidade de ensino em que está matriculada.
A Secretaria de Saúde de Vitória (Semus) diz, em nota, que promove a saúde e o bem-estar dos adolescentes, e parte fundamental dessa missão é a prevenção da gravidez na adolescência, que vem reduzindo no município. No momento, há 148 gestantes de 10 a 19 anos cadastradas na rede de saúde da Capital.
A Semus disponibiliza todos os métodos contraceptivos, conforme protocolos e Estatuto da Criança e Adolescente e, ainda segundo a nota, desenvolve diversas ações que contribuem para a garantia dos direitos à saúde dos adolescentes e jovens, entre as quais orientação sobre sexualidade, gravidez não planejada, métodos contraceptivos e infecções sexualmente transmissíveis, como HIV/AIDS; promoção de ações de saúde sexual e reprodutiva e distribuição gratuita de preservativos masculinos e femininos.
A Secretaria de Educação acrescenta que, diante da identificação de uma adolescente grávida, a equipe gestora da escola adota procedimentos específicos. "A estudante é acolhida e, imediatamente, é encaminhado um formulário das normas de procedimento para casos suspeitos ou confirmados de violência, inserido no Sistema de Gestão Escolar para o NAAM - Núcleo de Acolhimento e Acompanhamento Multiprofissional na Secretaria de Educação. Este núcleo notifica e encaminha o caso para o NUPREVI - Núcleo de Prevenção às Violências e Promoção à Saúde, que mobiliza os recursos necessários, incluindo a Comissão de Educação em Direitos Humanos, em parceria com a Rede de Proteção", ressalta, em nota.
O município de Cariacica também foi procurado, mas não deu retorno sobre as demandas de saúde e educação relacionadas à gravidez na adolescência.
Contudo, conforme afirma Daysi Kroehler, da Sesa, todas as unidades de saúde do Estado devem disponibilizar preservativos feminino e masculino. Além disso, dispõem de equipes técnicas que fazem planejamento familiar e, entre outras abordagens, falam sobre métodos contraceptivos. Basta ao adolescente ir à unidade de saúde e pedir por orientações na área de educação sexual e reprodutiva.
Na versão anterior desta matéria havia a foto da personagem que tinha autorizado participar da reportagem. Mas após a publicação, a jovem solicitou a retira de sua imagem do material. Diante da solicitação, esta matéria foi atualizada.
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