Inundação no bairro São Conrado, em Vila Velha, em 2020 
Inundação no bairro São Conrado, em Vila Velha, em 2020 . Crédito: Ricardo Medeiros

Mapa revela mais de 260 pontos no ES com risco de inundação

Dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB) mostram que o Estado tem mais de 108 mil moradores em áreas de risco alto e muito alto a sofrer com enchentes

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 21/06/2024 às 08h06

Constantemente castigado por fortes chuvas e alvo de enchentes e inundações que já deixaram rastro de destruição em episódios como as chuvas de 2013 e as de março de 2024, o Espírito Santo tem pelo menos 260 pontos de risco ligados ao processo de inundação, com cerca de 80 mil pessoas vivendo em áreas de risco alto e mais de 28 mil em regiões de risco muito alto.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espírito Santo tem 46.074,448 quilômetros quadrados (km²) de extensão territorial. Já segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), o levantamento de risco foi feito em uma área de 45.839,03 km² mapeados, onde 5.638,60 km² possuem recursos hídricos — como rios e lagos — vulneráveis a inundações.

Segundo Hugo Ramos, coordenador de meteorologia do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), é necessário levar em consideração a climatologia de chuva no Estado para que os eventos críticos e os riscos sejam explicados.

"Nos meses mais chuvosos, principalmente na primavera e no verão, temos um acumulado de chuva significativo, especialmente na Região do Caparaó, na Grande Vitória e na Região Serrana. Na primavera, temos em torno de 400 milímetros de chuva e, no verão, os acumulados são maiores que 300 milímetros, chegando a 450 milímetros na Região Metropolitana", explica Hugo.

De acordo com o especialista, a geografia dos municípios pode explicar os níveis de vulnerabilidade de cada um deles.

"A maioria dos municípios suscetíveis à inundação está nos vales dos rios. No Norte do Estado, devido à topografia mais plana, temos poucos episódios de alagamento nos últimos 20 anos. Já no Sul, incluindo a Grande Vitória e a Região Serrana, a possibilidade de alagamentos é maior devido ao relevo acidentado. Episódios como o de Mimoso do Sul, com acumulados de chuva em 24 a 32 horas, comprovaram esse cenário", salienta o especialista.

Segundo Hugo, a ocupação desordenada nas cidades remete à falta de planejamento urbano e ao poder aquisitivo da população, que busca áreas mais afastadas dos centros dos municípios.

"Historicamente, muitos municípios cresceram próximos aos leitos dos rios, como o próprio caso de Mimoso, Cachoeiro de Itapemirim e Marechal Floriano. Essa proximidade aumenta o risco de alagamentos e inundações. Mudanças no uso do solo, como aterros, alteram o fator de risco. Em Vila Velha, por exemplo, que tem áreas abaixo do nível do mar, intervenções foram feitas para corrigir essas práticas, mas a ocupação desordenada e o crescimento populacional nas últimas décadas intensificaram os riscos", explica Hugo.

Hugo Ramos

Coordenador de Meteorologia do Incaper

"A solução envolve um esforço conjunto, um planejamento urbano que melhore a vida do cidadão e estratégias de enfrentamento para aumentar a resiliência das populações"

Fazendo um comparativo com as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024, Hugo lembrou a tragédia das chuvas de 2013 no Espírito Santo, quando 55 dos 78 municípios foram afetados. "A chuva de 2013 causou danos significativos e, ainda hoje, causa temor na população. Eventos climáticos extremos vêm acontecendo com mais frequência devido às mudanças climáticas, com chuvas mais intensas concentradas em períodos mais curtos. Isso reforça a necessidade de planejamento urbano resiliente e políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas", destaca Hugo.

O que explica o risco?

Segundo o Serviço Geológico do Brasil (SGB), a condição de risco reúne dois elementos: a suscetibilidade e a vulnerabilidade. Juntos, tais elementos são potencializados pela probabilidade de eventos climáticos. 

"A população está em condição de risco quando ocupa um terreno suscetível a desastres. Hoje vemos um crescimento desordenado no padrão construtivo das edificações, feitas à margem de lagos e rios. Isso deixa as pessoas ainda mais vulneráveis", explica Diogo Rodrigues, chefe do Departamento de Gestão Territorial do SGB.

Segundo Diogo, não deve existir alarmismo diante das manchas de suscetibilidade de inundação. Entretanto, o especialista afirma que tais dados são necessários para a redução de danos e para a prevenção das cidades.

"Quando fazemos esses estudos, não há alarmismo. As pessoas precisam ver as áreas de risco e o que está próximo delas para que possam se prevenir", conclui.

Desde 2013, quando passou a listar os danos e prejuízos em decorrência de desastres naturais, o Espírito Santo registrou 55 ocorrências relacionadas a inundações, resultando em 26.868 pessoas afetadas e R$ 461.910.475,63 em danos materiais, como mostram os dados da Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdec).

Segundo o painel, desde 2013, onze mortes foram registradas no Estado em decorrência de inundações. No período, 411 pessoas ficaram feridas, 3.594 ficaram desabrigadas e 21.693 foram desalojadas.

Como prevenir?

Segundo o Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os eventos climáticos extremos são de origem hidrológica, geológica ou geofísica, meteorológicas ou climatológicas. Tais acontecimentos, popularmente conhecidos como “desastres naturais”, envolvem perdas materiais e econômicas, além de danos ao ambiente e à saúde da população.

  • Hidrológica: inundações bruscas, alagamentos, enchentes, deslizamentos;
  • Geológicos ou geofísicos: processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos resultantes de processos geológicos ou fenômenos geofísicos;
  • Meteorológicos: raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais;
  • Climatológicos: estiagem e seca, queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor.

Eberval Marchioro, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), pontua estratégias para mitigação de danos durante os eventos extremos, com levantamento de dados de risco, monitoramento e planos de ação para evacuação.

“A chuva é vista como grande culpada em desastres, mas, na realidade, a culpa é nossa, devido às relações inadequadas que estabelecemos entre a sociedade e a natureza. Nós desmatamos margens de rios e topos de morros, o que é proibido pelo Código Florestal, e praticamos agricultura sem manejo adequado do solo. Se conseguíssemos reflorestar os topos de morros e recuperar as matas ciliares onde possível, já traríamos benefícios significativos às bacias hidrográficas”, pondera Marchioro.

Segundo o especialista, o Espírito Santo já conta com sistemas de previsão do tempo eficientes e rede de alerta para eventos críticos. Entretanto, Eberval explica que tais ferramentas só funcionam se a população souber como reagir.

“É necessário realizar um trabalho educativo com a população. Além de sirenes, por exemplo, outras formas de comunicação como rádio local, carros de som e grupos em aplicativos de mensagem podem ser utilizados, especialmente em áreas mais extensas, onde sirenes podem não ser suficientes”, defende o professor.

Eberval Marchioro

Professor do Departamento de Geografia da Ufes

"Sem um planejamento adequado do ordenamento territorial, as cidades não sobrevivem. Precisamos entender que somos parte de um sistema e não os donos da natureza. Devemos mapear áreas de inundação usando modelos matemáticos para identificar áreas saturadas, que são mais propensas a inundações. A partir desse mapeamento, podemos reordenar o território para minimizar os impactos, evitando a ocupação de margens de rios"

De acordo com Eberval, além das atividades de reordenamento territorial, também é necessário planejamento eficaz para atividades de resgate e prevenção.

“Embora não possamos evitar totalmente a inundação, podemos salvar vidas ao evacuar a população das áreas de risco. É crucial planejar para onde as pessoas serão evacuadas e garantir que tenham acesso à alimentação, abrigo e outras necessidades básicas. Isso não resolve completamente o problema da inundação, mas minimiza a perda de vidas”, finaliza Marchioro.

O que o governo tem feito?

De acordo com Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo (CBMES), a Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdec) atua com um plantão 24 horas realizando mapeamento, monitoramento, previsão e alerta de extremos meteorológicos, hidrológicos, geológicos e oceanográficos.

Segundo a geóloga da Cepdec, Cristiane Tinoco, o Espírito Santo tem ferramentas e efetivo suficientes para situações de risco.

"Trabalhamos com os municípios para que eles tenham conhecimento dessas cartas de suscetibilidade, que estão relacionadas a movimentos de massa gravitacionais, como queda de blocos, escorregamentos, fluxos de detrito e inundações. Temos mapeado 100% do território capixaba, com uma carta de suscetibilidade para cada município do nosso Estado", diz Cristiane.

De acordo com a geóloga, tais informações são compartilhadas com Defesas Civis Municipais e demais órgãos que compõem o Sistema Estadual de Proteção e Defesa Civil, como forma de prevenir e mitigar danos e riscos para a população.

Apesar de tal esforço do órgão estadual, Cristiane explica que os municípios precisam adotar as medidas de orientação. "Os coordenadores municipais mudam frequentemente, o que gera instabilidade. Muitas vezes, falta conhecimento ou a devida importância não é dada à Defesa Civil nos municípios, resultando em pessoas não preparadas para essa função", sinaliza Cristiane.

"Primeiramente, trabalhamos com informação. No âmbito estadual, oferecemos uma programação anual de cursos para os municípios. Falamos de cartas de suscetibilidade, setorização de risco e diversos documentos geotécnicos para conhecer os desastres e as possibilidades do que pode acontecer no nosso território, a fim de trabalhar na mitigação", complementa.

Cristiane Tinoco

Geóloga da Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil do Espírito Santo

"Preparar a comunidade é fundamental. Além de preparar nossa equipe de Defesa Civil, desenvolver cidades e comunidades mais resilientes envolve reuniões e educação. Mesmo não sendo responsabilidade exclusiva do Estado, orientamos os municípios sobre uso e ocupação do solo da maneira ideal"

Além da Cepdec, no Espírito Santo, a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) informou que realiza o monitoramento das vazões dos rios, além de ter estudos de barragem de contenção de cheias em andamento no Estado.

“Há ainda o Programa Águas e Paisagem 2, que tem a previsão de realizar estudos hidrológicos e também o fortalecimento institucional para os diversos órgãos do Estado, principalmente a Agerh e a Defesa Civil, e o aperfeiçoamento do sistema de monitoramento hidro-meteorológico do Estado, bem como aperfeiçoamento dos sistemas de alerta a inundações”, divulgou a pasta, por meio de nota enviada à reportagem.

Além disso, segundo a Agerh, após os últimos casos de enchentes no Espírito Santo, foi formado um grupo de trabalho para estudar alternativas a fim de ampliar capacidade de monitoramento e resposta do Estado.

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