Criança , moradora da Ilha das Caieiras, em Vitória, exibe orgulhosa o siri que veio do mangue
Criança , moradora da Ilha das Caieiras, em Vitória, exibe orgulhosa o siri que veio do mangue. Crédito: Ricardo Medeiros

Maré de riqueza: mangue garante sustento de catadores e empresários no ES

Em algumas comunidades, como a Ilha da Caieiras, em Vitória, o ecossistema movimenta toda uma cadeia, proporciona emprego,  renda e também lazer

Publicado em 06/06/2020 às 05h30
Atualizado em 11/06/2020 às 00h05

Simone Leal, de 43 anos, senta todos os dias bem próximo ao mangue para trabalhar no ofício que aprendeu há mais de 30 anos: desfiar siri para o preparo de pratos à base de mariscos. Aprendeu a profissão com a mais antiga desfiadeira da Ilha das Caieiras, em Vitória. Da precursora para a mais jovem, já são cinco gerações de desfiadeiras.

A pequena Maria Eduarda Quirino Rocha se diverte com um siri. Na comunidade, desde cedo, as crianças criam intimidade com o manguezal, ecossistema responsável pelo sustento de toda uma cadeia: são marisqueiras, desfiadeiras de siri, pescadores, catadores de caranguejos, cozinheiros, garçons e donos de restaurantes. Há anos, a tradição na região é os homens buscarem os mariscos, enquanto as mulheres são responsáveis pelo preparo. O siri, por exemplo, é mais lucrativo quando vendido já desfiado ou servido em um prato tradicional.

Criança moradora da Ilha das Caieiras
Maria Eduarda  é moradora da Ilha das Caieiras, em Vitória: na comunidade, o contato com o mangue acontece desde cedo. Crédito: Ricardo Medeiros

A proximidade com o mangue garante aos moradores da região oportunidade de trabalho, renda e lazer, que atrai também turistas. “O mangue é muito importante para a comunidade, sem ele não tem siri, camarão, ostra, sururu. Ele é vida, através dele sustento a minha família", declara Simone.

GERAÇÃO DE RENDA

Dona de um restaurante na Ilha das Caieiras, Paola da Silva, de 36 anos, é de família de pescadores da comunidade. Com a crise econômica, viu muitos colegas serem demitidos do trabalho e enxergou na região uma oportunidade de abrir seu próprio negócio. Há cinco anos, ela trabalha com mariscos. A casquinha e a moqueca são preparadas com o siri desfiado pela própria mãe.

Paola da Silva, de 36 anos

Proprietária de restaurante na Ilha das Caieiras

"A Ilha das Caieiras mudou muito, parece outro lugar. Mudaram as casas, que antes eram barracos, palafitas. As pessoas também cresceram, evoluíram, estudaram. Muitos têm duas profissões, tem gente que formou em Direito, trabalha na área e continua desfiando siri. Foi o mangue e a maré que deram tudo isso para nós"

O doutor em Geografia e professor da UVV, Pablo Lira, explica que, devido ao aspecto econômico e cultural do Espírito Santo, o mangue impacta diretamente as comunidades tradicionais. Por isso, a preservação e o uso sustentável são imprescindíveis para perpetuar a geração de renda.

“Se houver diminuição da fonte de renda das famílias, consequentemente, surge o desemprego e, a longo prazo, até o fenômeno da criminalidade. A violência vem como um desdobramento de impactos sociais e econômicos, como aumento da desigualdade, redução de renda, crescimento urbano desordenado”, destaca.

Data: 22/05/2020 - ES - Vitória - Paneleiras - Editoria: Cidades - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Tinta extraída do mangue é batida sobre a panela de barro ainda quente para dar cor ao objeto símbolo da cultura capixaba. Crédito: Ricardo Medeiros

MANGUE TAMBÉM PRODUZ TINTA

O manguezal também ajuda a contar a história do Espírito Santo. É a base da cultura capixaba. Dele saem a tinta que dá cor à tradicional panela de barro e os ingredientes para pratos típicos, como a torta capixaba, moqueca, caranguejada.

A produção artesanal da panela de barro é uma das maiores expressões da cultura popular do Espírito Santo. A técnica da fabricação mudou pouco em mais de 400 anos, desde quando surgiu nas tribos indígenas. A característica mais marcante é a coloração escura realizada por meio da impregnação do tanino na peça - tinta obtida da casca da Rhysophora mangle, o mangue-vermelho.

Data: 22/05/2020 - ES - Vitória - Moqueca de siri  sendo preparada no restaurante da Ilha das Caieiras, em Vitória- Editoria: Cidades - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Moqueca de siri sendo preparada no restaurante da Ilha das Caieiras, em Vitória. Crédito: Ricardo Medeiros

Carlos Barbosa dos Santos, de 59 anos, conta que a ida ao manguezal para extrair a tintura é feita de 15 em 15 dias. A casca é retirada do tronco da árvore com golpes de porrete de madeira. “A cada vez, consigo extrair de 10 a 15 latas de tinta, o suficiente para 100 panelas. Tem que extrair no máximo 50% da árvore para não matá-la. O manguezal é muito importante, precisamos ter consciência. Tratando ele do jeito correto, teremos matéria-prima para muitos de anos”, frisou.

Título ilha das Caieiras
Data: 22/05/2020 - ES - Vitória - Pescador da Ilha das Caieiras, em Vitória - Editoria: Cidades - Foto: Ricardo Medeiros - GZ
Pescador da Ilha das Caieiras, em Vitória, tira do mangue os ingredientes para pratos típicos do Espírito Santo . Crédito: Ricardo Medeiros
Data: 22/05/2020 - ES - Vitória - Desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras, em Vitória
Os homens da comunidade buscam peixes e mariscos e as mulheres cuidam do preparo dos alimentos, como as desfiadeiras de siri. Crédito: Ricardo Medeiros
Data: 22/05/2020 - ES - Vitória - Moqueca de siri sendo preparada no restaurante da Ilha das Caieiras, em Vitória- Editoria: Cidades -
Moqueca de siri é um dos pratos tradicionais da culinária capixaba, servido nos restaurantes do Espírito Santo. Crédito: Ricardo Medeiros
Ficha técnica da máteria sobre mangue

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