Simone Leal, de 43 anos, senta todos os dias bem próximo ao mangue para trabalhar no ofício que aprendeu há mais de 30 anos: desfiar siri para o preparo de pratos à base de mariscos. Aprendeu a profissão com a mais antiga desfiadeira da Ilha das Caieiras, em Vitória. Da precursora para a mais jovem, já são cinco gerações de desfiadeiras.
A pequena Maria Eduarda Quirino Rocha se diverte com um siri. Na comunidade, desde cedo, as crianças criam intimidade com o manguezal, ecossistema responsável pelo sustento de toda uma cadeia: são marisqueiras, desfiadeiras de siri, pescadores, catadores de caranguejos, cozinheiros, garçons e donos de restaurantes. Há anos, a tradição na região é os homens buscarem os mariscos, enquanto as mulheres são responsáveis pelo preparo. O siri, por exemplo, é mais lucrativo quando vendido já desfiado ou servido em um prato tradicional.
A proximidade com o mangue garante aos moradores da região oportunidade de trabalho, renda e lazer, que atrai também turistas. “O mangue é muito importante para a comunidade, sem ele não tem siri, camarão, ostra, sururu. Ele é vida, através dele sustento a minha família", declara Simone.
GERAÇÃO DE RENDA
Dona de um restaurante na Ilha das Caieiras, Paola da Silva, de 36 anos, é de família de pescadores da comunidade. Com a crise econômica, viu muitos colegas serem demitidos do trabalho e enxergou na região uma oportunidade de abrir seu próprio negócio. Há cinco anos, ela trabalha com mariscos. A casquinha e a moqueca são preparadas com o siri desfiado pela própria mãe.
Paola da Silva, de 36 anos
Proprietária de restaurante na Ilha das Caieiras
"A Ilha das Caieiras mudou muito, parece outro lugar. Mudaram as casas, que antes eram barracos, palafitas. As pessoas também cresceram, evoluíram, estudaram. Muitos têm duas profissões, tem gente que formou em Direito, trabalha na área e continua desfiando siri. Foi o mangue e a maré que deram tudo isso para nós"
O doutor em Geografia e professor da UVV, Pablo Lira, explica que, devido ao aspecto econômico e cultural do Espírito Santo, o mangue impacta diretamente as comunidades tradicionais. Por isso, a preservação e o uso sustentável são imprescindíveis para perpetuar a geração de renda.
“Se houver diminuição da fonte de renda das famílias, consequentemente, surge o desemprego e, a longo prazo, até o fenômeno da criminalidade. A violência vem como um desdobramento de impactos sociais e econômicos, como aumento da desigualdade, redução de renda, crescimento urbano desordenado”, destaca.
MANGUE TAMBÉM PRODUZ TINTA
O manguezal também ajuda a contar a história do Espírito Santo. É a base da cultura capixaba. Dele saem a tinta que dá cor à tradicional panela de barro e os ingredientes para pratos típicos, como a torta capixaba, moqueca, caranguejada.
A produção artesanal da panela de barro é uma das maiores expressões da cultura popular do Espírito Santo. A técnica da fabricação mudou pouco em mais de 400 anos, desde quando surgiu nas tribos indígenas. A característica mais marcante é a coloração escura realizada por meio da impregnação do tanino na peça - tinta obtida da casca da Rhysophora mangle, o mangue-vermelho.
Carlos Barbosa dos Santos, de 59 anos, conta que a ida ao manguezal para extrair a tintura é feita de 15 em 15 dias. A casca é retirada do tronco da árvore com golpes de porrete de madeira. “A cada vez, consigo extrair de 10 a 15 latas de tinta, o suficiente para 100 panelas. Tem que extrair no máximo 50% da árvore para não matá-la. O manguezal é muito importante, precisamos ter consciência. Tratando ele do jeito correto, teremos matéria-prima para muitos de anos”, frisou.
MANGUE: DESTRUIÇÃO E RESISTÊNCIA
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