A vacina contra a Covid-19 já começou a ser aplicada na Europa e foi autorizado o seu início nos Estados Unidos a partir desta segunda-feira (14). No Brasil o plano de imunização foi divulgado em meio a polêmica, sem estipular uma data, mas é fato que a população brasileira também deverá ser vacinada. Nesse contexto, uma dúvida recorrente é em relação aos efeitos adversos do imunizante no organismo.
Reações são, de fato, esperadas, mas não se trata de uma condição exclusiva na prevenção a essa doença. No Reino Unido, onde a vacinação começou na terça-feira (8), há relatos de pelo menos dois casos de reação alérgica em pessoas que já apresentavam quadro de sensibilidade a outros imunizantes e remédios.
Daniel de Oliveira Gomes, imunologista, pesquisador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), explica que a vacina mimetiza um processo infeccioso natural. De maneira artificial, induz à imunidade, mexendo nos processos imunológicos do indivíduo, que pode apresentar sintomas mais brandos do que se tivesse sido infectado pelo coronavírus (Sars-CoV-2).
Essa reação, segundo Daniel, é esperada principalmente nas vacinas que estão sendo produzidas com vetores virais - outro tipo de vírus que carrega o material genético do Sars-CoV-2 - e sintomas semelhantes como dor de cabeça e febre controlável com antitérmico podem se manifestar. Temperatura elevada e persistente foge ao padrão.
O efeito adverso, assegura Daniel Gomes, é previsto também em outras vacinas; é um processo natural do organismo diante da inflamação. "Pode haver também dor no local, inchaço, vermelhidão. A aplicação gera um estímulo e há uma reação, assim como acontece no caso de dar uma pancada em alguma parte do corpo. Tem uma inflamação e o organismo reage. No caso da vacina da Covid, vai se comportar como qualquer outra, e espera-se esses mesmos efeitos."
O imunologista lembra que, antes de uma vacina ser disponibilizada para aplicação em massa na população, é necessário passar por uma série de testes, com protocolos primeiro em animais até a realização de estudos em humanos. Com as pessoas, três fases têm de ser cumpridas para a indústria farmacêutica receber a autorização de comercialização do produto.
Na primeira etapa, é avaliada a segurança da vacina, se o produto não causará toxicidade ao organismo do indivíduo. Na segunda fase, é verificada a eficácia do imunizante, ou seja, a capacidade de prevenir a doença para o qual está sendo desenvolvido. Nesses dois momentos, o grupo pesquisado é pequeno para maior controle dos efeitos. Na terceira etapa o estudo é ampliado, abrangendo maior número de pessoas para testar a imunidade em massa, e assim levar à validação de uma produção em larga escala para vacinar a população.
As vacinas que estão sendo consideradas para o Brasil - Pfizer, Moderna, AstraZeneca e CoronaVac - já passaram pelo teste de segurança e apresentam eficácia elevada para serem incorporadas no plano de imunização do país, mas ainda dependem de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - órgão regulador do governo federal na área de medicamentos.
O desenvolvimento dessas vacinas ocorreu num intervalo menor que um ano, embora a média da produção da indústria farmacêutica seja de 18 meses. Questionado se o prazo reduzido poderia afetar o produto, Daniel Gomes sustenta que o tempo não interfere na qualidade.
Na opinião de Daniel Gomes, é provável que os critérios tenham sido até mais rigorosos, tendo em vista a urgência para a produção. Ele acrescenta que as vacinas que estão em fase mais avançada de pesquisas têm a indústria farmacêutica associada a instituições científicas e acadêmicas, conferindo mais expertise ao trabalho.
Sobre a possibilidade de alguma vacina, que tenha cumprido todas as etapas, ser retirada de circulação, Daniel Gomes considera uma hipótese remota. Ele observa que um efeito adverso mais severo, depois dos testes realizados e início da imunização em massa na população, até pode ser registrado, mas costuma ter relação mais com o indivíduo do que com o imunizante.
"Risco existe, assim como existe de eu ser atropelado enquanto ando pela calçada. Os testes estão sendo feitos para certificar a segurança da vacina. Uma reação mais severa não vai ser uma constante, e estará mais relacionada ao indivíduo do que à vacina. Se ocorre um efeito adverso grave em 1 milhão de doses aplicadas, pode ser muito mais creditado à resposta individual", analisa.
E é o que, segundo Daniel Gomes, aconteceu no Reino Unido: uma reação em pessoas que já tinham alergia. Tanto que a agência reguladora dos países que o compõem passou a orientar, a partir dos casos relatados, que indivíduos com histórico de reação alérgica significativa a vacinas, remédios ou alimentos não devem tomar a vacina da Pfizer, imunizante que está sendo aplicado por lá, em vez de suspensão.
Ainda assim, o secretário estadual da Saúde, Nésio Fernandes, em coletiva no último dia 8, apontou a importância de o Brasil adotar um "pool de vacinas" em seu plano de imunização, entre outras razões, justamente para não haver prejuízo na vacinação da população no caso de algum imunizante ser retirado de circulação, ainda que temporariamente, por efeito adverso.
A vacina da Pfizer já foi autorizada no Reino Unido e nos Estados Unidos. Sua primeira bula, destinada aos profissionais de saúde que participam da campanha de vacinação, foi publicada pelo sistema unificado de saúde britânico.
Especialistas alertam que considerando as características específicas da BNT162b2, o nome oficial da vacina da Pfizer, a vacina não deve ser aplicada em gestantes e mulheres que estão amamentando. Pessoas com histórico de alergia podem ser imunizadas, mas devem ter um local de atendimento de referência, após a aplicação.
A pós-doutora em Epidemiologia e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Ethel Maciel, explica que, como a fase 3 ainda está em curso, não há dados suficientes para atestar os efeitos do composto. Por isso, grávidas e lactantes não serão incluídas, neste primeiro momento, nas campanhas de vacinação.
Ethel destaca que as crianças também foram incluídas recentemente nos estudos, por isso, ainda não há conclusão segura quanto aos efeitos das vacinas nessa faixa etária. Ela é a única capixaba que integra o grupo criado pelo governo federal para coordenar a aquisição e a distribuição de vacinas contra o novo coronavírus (Covid-19).
No caso da vacina da Pfizer, as pessoas deverão tomar duas doses de 0,3 ml cada, com um intervalo de 21 dias entre a primeira e a segunda. A bula também destaca que os indivíduos devem esperar pelo menos sete dias para garantirem o efeito de proteção. O medicamento deve ser aplicado no braço.
A vacina é indicada apenas para pessoas com 16 anos ou mais. Crianças, gestantes e lactantes não foram incluídas na vacinação do Reino Unido porque ainda não dados suficientes quanto ao efeito da vacina da Pfizer nesses grupos em específico. Especialistas acreditam que o mesmo modelo será aplicado no Brasil.
A bula divulgada prevê que para as mulheres em idade fértil, a possibilidade de gravidez deve ser descartada antes da vacinação. Ou seja, é melhor fazer o teste de gravidez antes de tomar a vacina. Além disso, mulheres em idade fértil devem ser aconselhadas a evitar a gravidez por pelo menos 2 meses após a segunda dose, completa a bula.
Há a recomendação de que pessoas que apresentem quadro de doença febril grave, que pode ter origem desconhecida, não sejam vacinadas. O texto também alerta que pessoas imunocomprometidas, incluindo indivíduos recebendo terapia imunossupressora, podem ter uma resposta imunológica menor à vacina.
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