A melhoria da qualidade do ensino público é uma demanda permanente e, no senso comum, muitos acreditam que basta aumentar o volume de recursos para que, automaticamente, o bom desempenho apareça. É preciso investir, sim, mas promover a aprendizagem e assegurar a permanência das crianças na escola dependem também de outros fatores. E os dados mais recentes do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nas redes municipais do Espírito Santo apontam que gastar mais nem sempre é uma conta que fecha com resultado positivo.
O Ideb, um indicador nacional que reúne a nota da avaliação de alunos em Língua Portuguesa e Matemática mais a taxa de aprovação, é divulgado sempre no ano seguinte à aplicação das provas para as turmas de 4º e 9º anos do ensino fundamental, e da 3ª série do médio.
Produzido a cada dois anos, o Ideb tornou-se uma ferramenta que, ao estabelecer metas de desempenho, ajuda a mensurar a evolução de escolas, redes de ensino, municípios, Estados e o país na educação básica.
As cruzar o resultado do Ideb 2019 do ensino fundamental com os gastos dos gestores municipais por aluno no ano passado - apresentados pelo Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) -, fica evidente que o dinheiro não está produzindo os efeitos esperados pela sociedade.
Ao analisar os indicadores, o economista Eduardo Araújo diz que o primeiro exercício foi o de verificar se haveria correlação entre a aplicação de recursos por estudante e o desempenho.
Araújo avalia, ainda, como se comportaram financeiramente os municípios que alcançaram ou superaram sua meta no Ideb, e constata que 60% deles gastaram abaixo da média das 78 cidades capixabas e, a despeito desse valor, conquistaram resultados que representam aumento no nível de aprendizagem. Quem está gastando melhor tem bons indicadores, observa o economista.
Para ele, a situação não se aplica a Atílio Vivacqua, no Sul do Espírito Santo. A administração municipal desembolsou R$ 13.029,82 por aluno, em 2019, primeiro lugar no ranking de gastos. Por outro lado, ocupou apenas a 57ª e a 71ª colocações, respectivamente, no Ideb dos anos finais e iniciais do fundamental. A posição ruim ainda é reforçada pelo fato de não ter atingido as metas nas duas etapas de ensino.
O município gasta cinco vezes mais que Sooretama e, mesmo assim, não cumpre nenhum dos objetivos, e ainda fica com notas piores do que Sooretama, compara Araújo. A cidade do Norte capixaba destinou pouco mais de R$ 2,4 mil por aluno, no ano passado, e, embora no ranking do Ideb não ocupe as primeiras colocações, atingiu a meta nas séries avaliadas.
Entre as 10 cidades que mais gastam com alunos, somente duas têm posição equivalente no índice de educação, cada qual em uma etapa de ensino: Laranja da Terra em 8º lugar nos anos iniciais, e São Roque do Canaã, também em 8º, nos anos finais.
Coordenador do núcleo de inteligência do Todos pela Educação, Caio Sato adverte que o recurso financeiro na área não é como o fermento em uma receita de bolo que, quando aplicado, certamente vai fazer crescer, numa relação quase linear. Por outro lado, as pesquisas mostram que, de um determinado valor para baixo (menos de R$ 5 mil por aluno, na média nacional), é difícil ter bons resultados educacionais, atesta. Dessa maneira, a aprovação do Fundeb para o financiamento da Educação é fundamental para um salto na aplicação de recursos e, como espera Caio, na melhoria da oferta na rede pública e da qualidade de ensino.
Entre os municípios da Grande Vitória, a Capital é a que destina mais verba por estudante, ocupando a 8ª posição e com um investimento de R$ 7.660,21. Mas, quando se trata de Ideb, Vitória aparece no grupo de cidades que estão na porção inferior da tabela de classificação, e com notas ainda distantes da meta.
O cenário não é mais favorável para os outros municípios da região. Com gasto menor por aluno, Serra, Cariacica e Vila Velha - este, com dados somente até outubro de 2019 fornecidos para o TCE-ES, não cumpria naquele momento nem o limite mínimo constitucional de 25% para a Educação - também tiveram baixo desempenho de aprendizagem entre os estudantes da rede municipal.
Nos anos iniciais, Vila Velha teve a maior nota, 5,8, mas foi a Serra que se aproximou mais da meta: com Ideb de 5,6, faltou apenas um décimo para alcançar o objetivo.
Nos anos finais, o indicador dos quatro municípios ficou distante do que havia sido estipulado. Cariacica apresentou o quadro mais crítico ao registrar 1,1 ponto de diferença entre o propósito de aprendizagem e o que foi efetivamente alcançado.
Vale lembrar que a meta é individual, ou seja, cada escola, rede, município, e assim sucessivamente, tem que melhorar em relação a si mesmo na comparação com o resultado obtido na avaliação da edição anterior.
Por essa razão há cidades com boas notas de Ideb, que se encontram no topo do ranking, mas que não chegaram à meta porque a exigência de desempenho já está em um patamar mais elevado.
É o caso de Domingos Martins, Iconha, Marechal Floriano, São Roque do Canaã e Vila Pavão, que estão entre 10 melhores indicadores para os anos finais, porém não alcançaram a nota estabelecida para o município. Nos anos iniciais, todas as cidades no top 10 alcançaram o resultado.
Coordenadora do Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo (Lagebes) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a professora Gilda Cardoso argumenta que não se deve generalizar que maiores gastos por aluno não correspondem a melhores resultados do Ideb porque não retrata a realidade de todos os locais.
A educadora pondera que a forma de aplicação da verba pode fazer a diferença.
Gilda Cardoso ressalta que a dimensão pedagógica da sala de aula é um componente importante para o desempenho dos estudantes, mas, em sua avaliação, há outros elementos que também contribuem para o processo de ensino-aprendizagem ser ou não bem-sucedido.
Um dos aspectos que influenciam negativamente, sobretudo na esfera municipal, é a falta de continuidade de programas e projetos educacionais quando há mudança de gestão.
Um grupo decide formar professores para alfabetizar em determinada linha. Vem um novo prefeito, outra equipe, e segue por outra linha. Sem contar que há uma rotatividade muito grande de professores; em muitos locais não são realizados concursos e começa a ter apadrinhamento. São questões estruturais do país que precisam ser superadas para que possamos avançar. Muitos municípios ainda não têm a trajetória de uma administração pública eficiente, não só na área da educação, mas também em política social e saúde, sustenta Gilda Cardoso.
A coordenadora do Lagebes afirma que algumas cidades enfrentam dificuldades com poucos recursos para a Educação, mas reconhece que também há situações de má gestão do dinheiro público.
No Estado, sempre temos problemas na prestação de contas dos municípios. Ou é pagamento de inativos com recursos da Educação, ou desvio de dinheiro da merenda, ou ainda superfaturamento e contratação de empresas que não cumprem o contrato, relaciona a professora.
E acrescenta: Por isso é importante a ideia da gestão local das políticas públicas, fazendo com que o cidadão participe e faça o controle social. Se todos encarassem a educação como projeto de nação, se envolvesse mais no orçamento público, poderíamos ter outra realidade.
Na opinião da gerente de Desenvolvimento e Pesquisa do Itaú Social, Patricia Guedes, uma estratégia que poderá fazer os municípios capixabas superarem seu desempenho é o regime de colaboração com o Estado, a exemplo do Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo (Paes). É interessante observar o engajamento das redes municipais, o envolvimento dos municípios nesse processo que pode fazê-los avançar.
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