Pare e olhe. Nas esquinas de bairros movimentados da Grande Vitória, é cada vez mais frequente a presença de pessoas pedindo ajuda. Jovens e velhos, mulheres e homens, vendendo produtos ou anunciando, em cartazes improvisados, a necessidade de um emprego e de comida. É a pobreza escancarada, mas resta saber quem está disposto a enxergar.
Invisíveis aos olhos de boa parte da sociedade, nas ruas essas pessoas enfrentam sol, chuva e também doses de preconceito.
Ajudante de obras, Moisés Araújo Rodrigues se mudou de Itaguaçu para Vitória após conseguir trabalho em uma construção. Foram quatro meses na Capital com salário garantido no fim do mês, cama quente para dormir e refeição adequada.
Desde que acabou a obra, Moisés procurava nova vaga de trabalho. Sem dinheiro para continuar a pagar o aluguel, desocupou o imóvel e foi morar nas ruas no final de 2021.
Questionado por que não retornou ao seu município, o jovem diz que a família também não tem recursos e, sem saber o que Itaguaçu teria para oferecer de emprego, decidiu ficar e continuar tentando uma vaga.
No cartaz, Moisés expressa sua fome, não sem antes chamar a atenção de que não é dependente químico. “As pessoas às vezes não dão o dinheiro pensando que vou usar para drogas.”
O cruzamento em que mostra seu cartaz de papelão na Enseada do Suá, em Vitória, é região de alta circulação de carros, mas não é sinal de muito dinheiro para satisfazer as suas necessidades. No dia em que a reportagem de A Gazeta o encontrou, Moisés tinha começado sua peregrinação mais tarde porque não se sentia bem fisicamente. Eram 16 horas e ele tinha pouco mais de um real em mãos e dois biscoitos no estômago.
Moisés Araújo Rodrigues
Desempregado
"Quando ganho algum trocado aqui, eu compro aquelas coisas que não vão estragar - salame, pão, suco - porque não tem como guardar. Mas hoje mesmo o que eu comi foram dois biscoitos até agora (16h)"
USUÁRIOS
É fato que alguns desses pedintes são também usuários de entorpecentes e moradores em situação de rua. Reúnem características que talvez exijam uma abordagem um pouco mais cautelosa, porém, é importante lembrar, são pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Bira, que assim se identificou para a reportagem, é catador de produtos recicláveis. Num lixão atrás do Terminal de Vila Velha, separa o material em meio a urubus e um cheiro forte de comida estragada. Ele é indiferente a essa situação. Vai reunindo plásticos e metais, sem luva, sem máscara, sem qualquer proteção, enquanto conversa sobre as dificuldades que o levaram até ali.
É usuário de drogas. Gostaria de deixar o vício, já tentou, o filho foi buscá-lo, mas sente-se constrangido por não conseguir permanecer “limpo” por muito tempo. “Eu sou dependente, o crack é mais forte que a minha vontade.”
Fernando Martins não está no lixo, mas tem uma barraca de lona improvisada perto dali. Com uma camisa social, retornara havia pouco tempo de uma peixaria onde conseguiu uma cabeça de peixe. Era fim de tarde e seria a refeição do dia. Ele já esperava ter que dividi-la com outros moradores do local, mas a partilha não é problema.
Ele conta que, além da fome, o tratamento que recebe na rua é também um desafio. Nos dias de chuva, quando não dá para ficar no barraco, os moradores se abrigam sob a marquise de um prédio nas imediações.
Fernando Martins
Desempregado
"Mas o camarada instalou um buzina e, quando dá 6 horas, ele liga e, enquanto tiver gente deitada ali, a buzina não desliga. Só deito lá mesmo quando meu barraco cai ou quando está molhando porque acordar com aquele negócio na cabeça não é fácil, não. É muito triste para a gente"
Sua dificuldade também é com as drogas. Fernando se define como adicto, num vocabulário típico de quem já passou por clínica de recuperação, e repetiu várias vezes o desejo de um tratamento para deixar a condição de usuário, sair das ruas e voltar para a família. Pessoas também humildes, mas, em casa, acredita ele, encontraria cama quente, comida e afeto que as ruas lhe negam.
Pobreza no ES
A rua é mesmo hostil para quem dela depende como refúgio. Frio, calor, fome, violência são condições recorrentes para a população que se abriga nas calçadas, praias e praças em barracos de lona, papel e tapume. Na Grande Vitória, cerca de 1,5 mil pessoas estavam nas ruas no fim do ano passado, reflexo da pobreza que aumentou em todo o Espírito Santo.
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