Com fé e trabalho, a capixaba Hemily Garcia, de 24 anos, refaz novos passos na vida após perder os pais, o noivo e uma tia em um grave acidente no extremo sul da Bahia, quando estavam a caminho da formatura dela no Espírito Santo. Durante o dia, ela tenta ocupar a cabeça com a responsabilidade de cuidar dos estabelecimentos da família, nos ramos de móveis e decoração. À noite, lágrimas e lembranças. Ela, que não conseguiu participar dos eventos de formatura, conta como tem vivido após a tragédia no último fim de semana.
A família morava no município baiano de Eunápolis há 22 anos e estava animada pela realização de Hemily, que concluiu o curso de Arquitetura e Urbanismo em Vitória.
Na BR 101, na cidade de Nova Viçosa, o veículo conduzido pelo pai, Roberto Carlos Xavier Piccoli, de 55 anos, perdeu o controle e caiu em uma ribanceira de cerca de 40 metros. Morreram ele, a mãe de Hemily, Elvira Garcia Xavier Romeiro, 54, a tia, Cleuza Garcia Gomes, 60, e o noivo, Gabriel Soares Barcelos, 22. Todos estavam a caminho de Linhares e depois iriam seguir para a Capital.
A faculdade entrou em contato com a jovem para remarcar a colação de grau, que será um momento de grande emoção. A mãe Elvira trazia para a filha um anel especial que marcaria a data. A joia foi encontrada em meio ao acidente. A saudade é imensa.
Hemily carrega com ela uma frase que o pai disse: “A vida é dura para quem é mole”. Com essa força e coragem, que ela quer seguir. Confira a entrevista.
Como estão sendo os últimos dias?
A gente está rezando muito, pedindo a Deus forças para continuar. Nossos pais deixaram um legado para nós. Na última conversa que eu tive com o meu pai, eu estava em Vitória, ele me ligou bem cedinho e me falou sobre o que sentia e que a vida era dura para quem era mole, que eu deveria trabalhar mesmo, correr atrás, meter as caras. Meus pais são muito exemplos disso. Desde novos trabalhavam muito e foram crescendo. Estou seguindo com essa força de que a vida é dura para quem é mole e seguindo o legado que eles queriam. Na verdade, eles já vinham preparando a gente. Depois de tudo que passou, a última viagem que fui às feiras fazer compras, entender como funcionava. Meu irmão também. Eles preparam a gente.
Saudade da família.
Durante o dia a gente vai trabalhando, fica com a cabeça cheia, mas quando chega a noite, é a pior parte. A gente deita e percebe que isso realmente aconteceu. Estamos nos apegando muito a Deus, muita gente rezando e orando por nós. Isso nos ajuda muito. Bate a saudade, a gente lembra dos momentos, mas o coração vai ficando preenchido e vai seguindo firme. É um dia após o outro. Temos convicção que foi nos planos de Deus, se Ele quis que fosse assim...
Perda do noivo.
Meu noivo também faz muita falta. Eu falo que ele é a minha alma gêmea, assim como o meu pai era para a minha mãe. Seria muito egoísmo nosso deixar um dos dois, porque um não iria conseguir sobreviver sem o outro. Foram feitos um para o outro. O Gabriel se foi, foi o homem da minha vida, ele me fez muito feliz. A gente era muito igual, tenho certeza que fazia ele muito feliz. Ele era uma pessoa muito intensa no que fazia. Fazia agora, curtia agora. Aproveitava ao máximo. Queria aproveitar cada minuto, cada segundo. Quem conhece sabe. Muito alegre, com aquele sorrisão com os dentes para fora. Agora a gente entende porque ele era assim. Ele só tinha 22 anos e iria completar 23 no dia 24 de março. Entendo que é tudo no tempo de Deus.
Como e quando foram os últimos contatos com eles?
Eu fui passar o carnaval em Vitória com o Gabriel. Eu iria voltar com ele para trabalhar, mas meus pais disseram para eu ficar para me preparar para a formatura. Segunda e terça tinham eventos, a missa e a colação de grau; e nesta quinta seria o baile de fantasia e no sábado o baile de formatura. Iriam também várias pessoas da família, de Vitória, de Linhares e da Bahia. Meus pais falaram: ‘Fica, arruma as suas coisas, faz as suas luzes, compra suas roupas. Não tem problema’. Então eu fiquei e o Gabriel voltou. A gente conversava todos os dias. Ele nunca me ligou tanto em vídeo como na última semana. Meus pais também. No domingo aconteceu o acidente. Meus pais iriam parar em Linhares para dormir lá na casa dos meus avós e o Gabriel iria seguir para Vitória.
Mãe trazia anel de formatura para a filha.
Na segunda, era a missa e fizeram uma linda homenagem para mim. Na terça, era para mim o dia mais importante. Minha mãe tinha comprado um anel de formatura e encontraram esse anel mediante a todo esse incidente. Eu não consegui ver como o carro ficou, mas parece que foi bem feio. Conseguiram encontrar o anel.
Você participou dos eventos da formatura?
Não tive forças para ir colar o grau. Era impossível, porque era um momento muito importante para os meus pais. Eles estavam muito felizes. Minha mãe muito alegre, meu pai também. Não tinha lógica eu fazer isso agora, mas a minha faculdade entrou em contato e mais para frente eu vou colar grau. Meus pais vão olhar de cima, abençoando e vibrando. Gabriel também. Vou fazer questão de ir a Vitória e fazer todo o ritual de colar o grau.
Você conseguiu se despedir deles?
O Gabriel foi velado em Colatina. Como eu estava indo de Vitória para a Bahia, consegui passar na funerária e me despedir dele, já que eu não iria conseguir me despedir na missa e esperar ele ficar pronto. Foi bem duro, bem triste, sem palavras para descrever, mas eu consegui vê-lo pela última vez. Dos meus pais, eu fiquei até o último momento com eles. Foi triste e desesperador. Na verdade, só dos corpos, pela última vez, porque a gente sabe que as almas estão lá no céu. Eu acordo e converso com eles e com o Gabriel.
Você e seu irmão estão mais unidos?
Meu irmão está sendo a minha base. Eu falo que eu nasci de novo e ele tá sendo o meu pai. Muito firme, muito corajoso. Parecido com o meu pai mesmo. Tá sendo muito difícil para ele também, mas ele está seguindo. Agora ele tem uma outra filhinha. Tem horas que a gente chora e ri da história dos quatro.
Você também perdeu a sua tia no acidente.
A minha tia era a mais querida, muito alegre. Tia Cleuza. A gente chora, ri, vibra. Só ficou a saudade.
Com tudo que estão passando, como pensa no futuro?
A gente já está envolvido nas lojas. Eu e meu irmão. Deus estava nos preparando. Viajamos para conhecer melhor o meio. A gente fala que não vamos ser a Elvira e o Roberto. Seremos a Hemily e o Rodrigo. Uma nova administração. Lógico que tem todo o amor, carinho e responsabilidade que meus pais tinham. A gente cuida de várias famílias, temos cuidado e zelo com os funcionários. Esse é o sustento de muitos deles. Temos funcionários maravilhosos, que também estão dando apoio e suporte. Estamos enfrentando e indo bem. Vamos seguir o legado dos meus pais e estaremos aqui para isso. Dando suporte para os clientes, arquitetos e decoradores. Falaram que meus pais eram muito queridos. Eu já ia até a casa de clientes. Minha mãe era muito sábia nessas questões de decoração e meu pai muito dedicado. Vamos fazer com muita dedicação, responsabilidade e amor. Desde quando começou a pandemia, eu voltei para Eunápolis, eu fazia as aulas on-line, mas estava em Eunápolis nas lojas. A gente está aqui para fazer a empresa crescer, não deixar a peteca cair. Foi o que meus pais deixaram para nós. Estamos na Bahia há 22 anos. Queremos levar isso para frente.
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